30 abril 2005

Paul Auster no Chiado: o oráculo das ilusões

Somos todos provincianos. Há pouco mais de uma hora, a sala da FNAC do Chiado estava tão à cunha que alguém teve de abrir a janela senão os admiradores do senhor escritor Paul Auster desfaziam-se em suores. Eram nove da noite, a hora a que estava marcado o encontro para ouvir o americano a falar, a dizer alguma coisa dos seus livros, pelo menos dos sete volumes que eu e a Carla temos aqui na estante, mesmo atrás de mim, entre o Ian McEwan e o Michael Cunningham.

O senhor escritor chegou vinte minutos atrasado. Como a sala já estava cheia pelo menos desde as oito e meia, a espera foi de 45 minutos para a maioria das pessoas. Quase todas em pé. Auster chegou. Aplausos. O editor da Asa pediu desculpas. "Agradeço em nome da Asa a vossa Presença", afirmou, sem notar a menção ao nome da concorrência. "E o sr. Paul Auster não vai falar porque está cansado". Ooooohh!

Bem, o senhor Auster disse uma frase ou duas, como por exemplo, que esta viagem a Lisboa tinha sido uma das melhores da sua vida. Que bom. Ou que não ia falar, porque lhe tinham dito que esta noite era só para assinar livros, e assiná-lo é isso mesmo, não mais do que uma assinatura: explicou que estava ali tanta gente, que não ia escrever uma dedicatória sequer, apenas o seu autógrafo, porque uma sessão de autógrafos é para assentar a grafia do autor, não é para dedicar, trabalho mais elaborado que exige cachets generosos e negociações demoradas.

Ora o povo agradecido perante tão magnânimo gesto, aplaudiu. Não apupou. Nem pateou. Ainda havia a possibilidade de possuir a assinatura daquele punho soberbo. A assinatura. Sem palestra. Sem dedicatória. Fomo-nos embora, eu e a Carla, envergonhados. Mesmo assim, fiquei com esta dúvida: é ele que é arrogante, presunçoso e desrespeitador dos que lhe permitem aquele modo de vida; ou somos nós todos pacóvios provincianos?

29 abril 2005

Até não me importava de passar a noite em claro

Estranho o silêncio do Tiago sobre a vitória do Sporting contra o AZ Alkmaar. Estranho, pela mesma razão, o que levou o Martim Silva a exagerar em sentido contrário e a mudar o nome do seu blogue Mau Tempo no Canil para Bom Tempo no Canil, e a impingir-nos o emblema do clube no cabeçalho. OK, até compreendo o sentimento daqueles adeptos pouco habituados a ganhar. Dou um desconto, pois sofro pelo FCP, e habituei-me às glórias do meu clube, mas ontem dei por mim a torcer patrioticamente pelo Sporting. Já sei que me vou arrepender: quando os lagartos ganham, o que felizmente é raro, passo uma noite sem dormir embalado pelas cavalgaduras que passam por debaixo da minha janela, na rua do Arsenal, a caminho da Praça do Município e a cantar: "Só eu sei por que não fico em casa..."Pois se o Sporting ganhar desta vez (a UEFA, não o campeonato) vou cantar com eles também.

28 abril 2005

Ditadura segundo Arnaldo

"Temos uma ditadura. Chama-se democracia", disse por estes dias o camarada e grande educador do povo Arnaldo de Matos, ex-grande líder do MRPP, num debate sobre o 25 de Abril - conta-nos o jornalista Adelino Gomes no Público de hoje.

É claro que se mantém o interesse em ouvir estas velhas carcaças revolucionárias, do mesmo modo que o arqueólogo olha para a cerâmica em cacos. "A democracia é a mais suave das ditaduras", ensina-nos ele, cujo ideal seria quem sabe uma ditadura mais rija. O mundo de quem ainda pensa assim hoje é um gueto mental, onde também habitam os comunistas. A esquerda não é isto, nunca o devia ter sido. O camarada Arnaldo é uma velha pintura num mural de uma parede decrépita.

Mas não esqueçamos: foi ele que moderou alguns dos ímpetos mais revolucionários do jovem que hoje preside à Comissão Europeia, quando mandou o camarada Zé Manel devolver à procedência a mobília roubada ao presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito...

27 abril 2005

Casadebanhosferas

O Voz do Deserto faz esta curiosa referência: Escrevia Maria Filomena Mónica há umas semanas: "a maioria dos blogues são versões modernizadas do que dantes se escrevia nas paredes das casa de banho públicas". Ora, ao contrário de Mena Mónica, nem todos tivemos o privilégio de frequentar as casas de banho certas. Coisas de berços…
Hoje está sol. O dia vai ser límpido. Boa sorte, Tiago!

A luz municipal

A luz, numa das grandes janelas do edifício da Câmara Municipal e Lisboa, estava acesa ontem à noite, às onze horas, quando fui estacionar o carro. Pensei: será o Santana, será o Carmona? Aquele candelabro imenso e aceso dava a impressão de estar a alumiar alguém que trabalhava por nós. Que nos cuidava, uma coisa assim à la Salazar, a tratar do país, a bem da nação. Tirei o carro da rua Nova do Almada e estacionei-o no largo de São Julião. Quando passei na Praça do Município, as luzes já estavam apagadas. Fomos todos abandonados.

25 abril 2005

Viva a República! Viva a democracia!

O regresso do velho CDS

A inesperada eleição de José Ribeiro e Castro como líder do CDS/PP autoriza-nos as seguintes conclusões:
1- Monteiro e Portas não mataram o velho CDS democrata-cristão.
2 - Afinal o CDS não é uma imagem reflectida de Paulo Portas, senão Telmo Correia e os portistas teriam ganho;
3 - Não há vencedores por antecipação;
4 - Nem sempre a gestão dos tabus dá bom resultado; muito menos quando o autor do tabu se anuncia como um homem comum e não como um prometido ou um providencial;
5 - O CDS é um partido desestruturado: a vitória de uma figura inesperada, contra a direcção que está, só é possível quando as estruturas de liderança intermédias são fracas;
6 - O candidato apoiado por Nobre Guedes ganha sempre; resta saber qual foi o papel de Paulo Portas junto do amigo Guedes nestes bastidores;
7 - Se, por ventura, Portas ajudou à vitória de Ribeiro e Castro contra Telmo, é porque estará de volta daqui a uns tempos...

24 abril 2005

A Queda: schadenfreude total

Fui ver a Queda ontem, o filme sobre os últimos dias de Hitler no bunker, na expectativa de assisitir à tal humanização do monstro nazi, disseminadora de discussões e de polémica pelo mundo. Mas não. No máximo, uma humanização de Hitler em vez da sua diabolização, far-nos-ia pensar que foi um homem, como nós, que foi capaz de todo aquele mal. E a humanidade deve ficar marcada por isso.

O que o filme nos deixa é uma noção ambígua da personagem: entre o homem, atingido pela doença cuja mão treme sem parar, que beija ternamente a sua cadela, que abraça e beija a amante diante dos generais, que é gentil para a secretária; e o que ele representa, a figura histórica, o louco, que lança o povo para a morte, que não vê a destruição que semeou à sua volta, que nem respeita os que dão a vida por ele. Entre as duas visões, a humana e a histórica, sobrepõe-se a segunda: o culto da morte entre os nazis evidencia-se não pela morte de outros (não se fala ali do Holocausto), mas pela morte de si mesmos, seja pelos suicídios, seja pelas mortes infligidas por uma mãe de gelo a todos os seus filhos, seja pelas mortes dos berlinenses.

O mal absoluto está ali presente nas relações entre os próprios nazis e no sofrimento infligido ao povo alemão, com esta ironia: no fim de tudo, Hitler culpa o volk - o civilizado povo alemão que se deixou arrastar para barbárie nazi - pela derrota na guerra. Porque foi fraco.

Aqui sim, pode ver-se alguma catarse. Raramente os alemães aparecem como as vítimas. Neste caso, partilham o sofrimento com aqueles que fizeram sofrer, embora haja aqui lugar a uma sensação que uma palavra alemã define na perfeição: schadenfreude, o prazer de ver a desgraça dos outros, neste caso, o prazer mórbido de ver o que aconteceu aos nazis, sem qualquer hipótese de redenção.

22 abril 2005

Viva o stresse!

Tenho em cima da minha secretária um livrinho amarelo que me quer ensinar "Como controlar eficazmente o stress". Mais importante do que isso: "Numa semana". O canhenho conselheiro foi a oferta de uma edição do Jornal de Negócios. Ora, como posso eu controlar o stresse (agora é assim que se escreve) e trabalhar ao mesmo tempo? Sem stresse adormeço, morro-me, amoleço, dá-me cá uma lãnzeira, uma modorra chaparrenta que não dá pra fazer nada senão cultivar memoráveis sestas à sombra. Viva o stresse, a adrenalina, o combustível da nossa reacção ao mundo que nos faz viver e nos mata.

O cisma lisboeta

Seis vereadores do PSD da Câmara de Lisboa foram ontem à S. Caetano protestar junto de Marques Mendes, por ter sido Carmona Rodrigues o candidato escolhido pela direcção do PSD e Santana Lopes o preterido. Imaginamos o clima que se vive na Praça do Município, onde os dois "amigos" partilham staff e responsabilidades, e onde um grande cartaz anuncia "A Rolha", uma exposição de Bordalo Pinheiro muito adequada ao ridídulo do momento...

20 abril 2005

Zita, missão abortiva

Marques Mendes cometeu hoje o seu primeiro erro, ao pôr Zita Seabra a discursar contra o aborto no Parlamento. A não ser pelo mais puro cinismo de se resguardar a si mesmo e aos seus, não era de esperar que um parlamentar tão experiente lançasse para o campo da batalha a mesma pessoa que tinha andado aos tiros do outro lado da trincheira, quando a disputa era a mesma. Foi ridículo ouvir Zita Seabra defender o contrário do que tinha dito há anos, naquele mesmo lugar. Transformou-se em saco de boxe. Era previsível.

Mendes venceu o Congresso do PSD defendendo que o partido tinha de ser credível; mas Zita nunca teria credibilidade nem podia ser levada a sério numa situação destas. Um tiro. um melro.

A outra irresponsabilidade, para não dizer má fé, é o PS lançar o tema do referendo ao aborto neste momento, sabendo que Jorge Sampaio mal tem margem no calendário para o convocar, e que o PSD não aprovará a simultaneidade do referendo europeu com as autárquicas se a consulta ao aborto for a primeira. Caso o referendo for em Julho, como obriga o facto de haver autárquicas em Outubro, a participação será baixa, já se sabe. Com tão pouco tempo de preparação, a discussão será fraca e pouco séria, já se sabe. As vítimas continuarão a ser as mesmas, as mulheres, claro, já se sabe. A falta de honestidade intelectual neste país não tem emenda...

O significado do latim

Foi em latim, a primeira homilia de Bento XVI, na Capela Sistina. Isto como premonição de um futuro próximo não deixa antever nada de bom. Ao usar a língua morta no momento de um discurso que devia ser inteligível - e logo na sua primeira celebração pública -, Joseph Ratzinger faz adivinhar a morte de outras coisas que ainda estão vivas, como a esperança de a Igreja compreender o mundo em que vive.

Nem as lições de latim que tive no liceu, nem todos os anos de catequese, me ajudam a perceber o significado das palavras do novo Papa. Mas penso saber qual o significado de ter falado nessa língua que poucos entendem.

19 abril 2005

Fumo negro: habemus papam

Afinal o novo Papa não é português, Guterres ficou aliviado e o caminho para as Nações Unidas continua livre (vide post anterior). Mas preocupai-vos, almas crentes, que o Espírito Santo que ilumina os cardeais eleitores escreveu torto por linhas tortas. O alemão Ratzinger, guardião da ortodoxia religiosa, não será bom augúrio para o futuro do mundo. Foi tão negro o fumo branco que saiu da Capela Sistina...

O Quinto Império

A hipotética eleição de D. José Policarpo como Papa está a preocupar os socialistas, embora isso nada tenha a ver com a ala republicana e jacobina do PS, mas sim com a católica. Vejamos: com um português, Durão Barroso, à frente da Comissão Europeia, com um Papa a mandar no Vaticano e a influenciar milhões de fiéis, António Guterres tem a carreira arruinada. A sua candidatura ao ACNUR (das Nações Unidas) ficará em risco, pois apesar de merecerem, os portugueses não podem passar a mandar assim no mundo, que já lá vai o tempo do mare nostrum. Porém, a confirmarem-se todas as eleições de compatriotas (descontando o facto de Teresa Heinz Kerry não ter conseguido entrar na casa Branca), talvez comece aqui um certo Quinto Império...

A Sorte Grande

Portugal é o país da Europa onde se gasta mais dinheiro per capita com o Euromilhões, conta hoje uma notícia no Público. Não admira que logo a seguir venha o Luxemburgo, tão habitado pelos portugueses. Isto é revelador do povo que somos. Esta confiança na sorte, no destino, no estar à espera que algo de exterior a nós, e ao nosso esforço, nos aconteça para mudarmos de vida, é que nos vai alimentando os azares aos poucos. Ai se me saísse a Sorte Grande...

14 abril 2005

Paga-Pouco para ver a Sónia Braga semi-nua...

A propósito do post "Era uma vez ao pé da carpintaria do meu avô", o meu amigo Nóbua, conterrâneo e camarada de profissão, deixou este comentário delicioso, uma memória guardada como se fosse uma peça rara:

O Paga Pouco viveu momentos gloriosos. Há época era uma cadeia de lojas de relativa dimensão, principalmente a Sul do país e com uma estratégia de marketing agressivo. Por isso foi com grande fervor que uma multidão ocupou a Praça D. Jorge de Lencastre para ver a Sónia Braga, protagonista da Gabriela Cravo e Canela, à janela do primeiro andar do Paga Pouco, que não por acaso era a habitação do senhor Feio e da sua família. Eu, como era amigo do Toninho Barateiro, filho mais novo do senhor Feio, tive o privilégio de ser convidado para assistir ao 'hapening' de dentro de casa. E, confesso, vi a Sónia Braga mudar de roupa no quarto da mana do Toninho, já que a porta estava (ou foi!) entreaberta. É que atrás de uma memória, outras memórias hão-de vir...

Meu caro amigo: também eu, em frente ao Paga-Pouco, do outro lado da Farmácia Pablo, me lembro de ter ficado deslumbrado, pela mão da minha avó Mariana, ao esperar outra estrela brasileira dos finais de 70. Devia ter uns cinco ou seis anos. Esperámos, mas ela chegou, a Dona Xepa, num carro com tecto de abrir, a acenar ao povo. Felizmente, não a conheci na intimidade. O Toninho Barateiro não era parvo...

11 abril 2005

Comprei quatro livros do Emílio Salgari num alfarrabista ambulante do Príncipe Real. Dizer que comprei uma máquina do tempo por quatro euros é um exagero de linguagem e um lapso sentimentalista indigno dos duros e aventureiros personagens do escritor italiano. Limito-me por isso a transcrever o início do primeiro:

Ao romper do sol, com a maré alta, entre o rufar dos tambores e o som dos pífanos, o tiroteio dos bucaneiros e os hurrahs estrepitosos, saía do porto a expedição, sob o comando do Olonês, do Corsário Negro e de Miguel o Vascongado.
A expedição compunha-se de oito navios armados de oitenta-e-seis canhões, dezasseis dos quais embarcados no navio do Olonês e doze no
Relâmpago, e tripulados por seiscentos-e-cinquenta corsários e bucaneiros.
O
Relâmpago, sendo o navio mais veloz, navegava à frente da esquadra, servindo de explorador.

Parece que mais uma vez, por algumas horas, também farei parte da tripulação.

Análise de conteúdo

A Alexandra Lencastre aparece num novo anúncio televisivo. De cai-cai frente a um espelho de camarim, que tem uma pequena fotografia com duas crianças num dos cantos, profere a frase enigmática: «-Minhas queridas, quem sabe onde estaremos daqui a vinte anos?» Já vi o anúncio várias vezes e ainda não consegui perceber se ela está a falar para as meninas da fotografia ou para os seus próprios seios. Em qualquer dos casos, não deve ser muito difícil dar-lhe uma resposta: umas andarão certamente na universidade, as outras estarão como o Prof. Lidenbrock, numa viagem ao centro da Terra.

07 abril 2005

Era uma vez, ao pé da carpintaria do meu avô Hermes...

O meu avô Hermes, pai da minha mãe, era carpinteiro em Grândola, numa rua ao pé do Largo D. Jorge de Lencastre. A rua, que subia da praça (ou mercado), terminava numa esquina, na loja do Paga-Pouco. Estas memórias geográficas dos lugares onde brinquei ganham nitidez sempre que regresso. Paga-Pouco, talvez não muito, porque a loja foi crismada de "Barateiro". Vou ali ao "Barateiro", dizia a minha avó Mariana. Ou então: "Vamos à do Feio". O senhor Feio, que de facto nada tinha de bonito, era o barateiro que trabalhava no Paga-Pouco.

Adiante, havia a loja do sr. Bento, que vendia envelopes, selos e papel azul de 25 linhas. A poucos metros dali, onde o meu avô me mandava comprar maços de Provisórios, cheirava a cabedal a loja do sr. Décio (que ainda lá está), mais os artigos de caça e pesca, uma registadora gigante, e as conversas dos homens, tiro na lebre e pargos do tamanho de espadartes.

Mas o melhor era a Farmácia Pablo, fundada em 1901, com ares de 1901, onde o Rosa cheirava a vinho, com ares de 1950 e brilhantina no cabelo. Em frente ao balcão, três cadeiras de madeira, daquelas com o coração recortado nas costas, onde os velhos se sentavam à conversa: o meu avô, um campeão de bilhar, um padre, outros. Havia sempre freguesia a trocar conversa. Em cima do balcão, lá estava a balança, onde vi tantas vezes o meu irmão Rui a ser pesado quando bebé, e onde eu também o tinha sido. Ao lado, um velho reclame da Nestlé, uma relíquia gasta, anunciando umas papas já muito antigas, com um bebé pendurado no bico de uma cegonha.

Ora há pouco mais de uma semana dei que o Rosa já não lá estava. Um computador, grande novidade ao balcão, e nem rasto de cegonha. A imagética na qual eu acreditara desapareceu. Restavam as três cadeiras vazias com o coração. O Largo D. Jorge de Lencastre mudara: a Ludoteca é um edifício belíssimo, diante da qual nasceu um hotel de charme; o Décio lá está, mas, frente-a-frente, dois edifícios disputam o significado da mudança dos tempos. A antiga sede do PPD (histórica igreja e velho cinema), que era um prédio decandente, resplandescia com uma pintura nova; do outro lado do largo, a sede do PCP, dantes o único edifício em condições naquele lugar, é hoje o único a precisar de pintura nova...
Fui pela primeira vez ao Turim, um pequeno cinema na cave de um centro comercial de primeira geração, no centro de Benfica. As cadeiras de napa cheiravam a pronto e as cortinas que cobriam a tela pareciam claramente ter sido costuradas pela senhora de meia-idade que, com alguma má-vontade, nos mostrou os lugares. Antes da sessão comi uma tosta mista numa pastelaria suburbana da zona. Embora não consiga racionalizar completamente a relação, sinto que estou preparado para ler mais um romance do Lobo Antunes.

04 abril 2005

«A Cara que Mereces», Miguel Gomes

Quem nunca teve depressão de aniversário pode achar estranho que um homem de trinta anos crie sete amigos imaginários para o ajudarem a ultrapassar uma crise de sarampo. Gross, Texas, Simões, Harry, Travassos, Nicolau e mais um (não me lembro do nome) reconstroem os jogos, os medos e as rígidas hierarquias infantis numa casa de floresta, comprovando que aos trinta anos o desfasamento entre a idade real e a percepção da idade é um abismo sem pontes.

01 abril 2005

Requiem: transmissão para todo o Portugal

A emissão especial sobre a morte do Papa mantém-se há horas, embora o homem ainda esteja vivo. A transmissão da SIC Notícias é um negro exercício. Esperam eles, esperamos todos, que um ser humano finalmente morra. Aguardamos o quê? O anúncio do pivot: "O Papa morreu. Já é oficial", dirá ele, nem sei bem com que expressão. "Obrigado por nos ter acompanhado nesta emissão..." Se ele não morrer durante a emissão deviam despedir o director de programas.

Esperar uma morte de alguém... Agora o pivot fala da morte inevitável de João Paulo II. A morte inevitável de todos nós, a morte inevitável de cada um também merecia uma emissão especial. Estamos todos condenados à morte, a seu tempo, um dia destes. A nossa maior ofensa foi termos nascido. Como é que a vida pode não ser criminosa, quando é sempre seguida do castigo capital?, perguntava-se Schopenhauer. Cada um de nós tem a sua morte inevitável, e o pivot da televisão também. Ou isto é mais uma perversão mediática ou somos todos perversos.

PS: Eu estou é irritado porque estou à espera de ver o debate entre o Mendes e o Menezes que devia ter começado há hora e meia...

29 março 2005

A vida antes do telecomando: «Ontem, à noite, por tédio, lavei três vezes as mãos na casa de banho.» Franz Kafka, Diário, 23 de Maio de 1912.
Nota: ler este post implica ter lido o anterior.

Pelo contrário, tendo eu crescido num Alentejo meio urbano meio rural, em Grândola, este fim-de-semana de Páscoa deparei com realidades absolutamente distantes da minha adoptiva e ruidosa rua do Arsenal. Devia achar tudo aquilo normal, mas a vida transformou-me num produto da cidade, por isso reagi com espanto e alguma nostalgia. E fingi que era tudo normal: na quinta-feira santa o meu pai matou quinze borregos no monte de um amigo que não tem coragem de chacinar a sua própria criação; na sexta-feira passou a manhã a desmanchar dois borregos dependurados no alpendre do nosso quintal (um deles que o amigo ofereceu); comemos os ditos cujos com prazer em grelhadas e ensopados; no sábado, o meu avô olhou para as suas alfaces, favas, ervilhas, e disse que se não caíssem umas gotas agora era nunca mais, e seria uma desgraça de seca; enquanto isso, eu, o meu irmão e a minha cunhada deitávamo-nos a adivinhar o nome das culturas quintaleiras do meu avô e não descobrimos todas...

Entretanto, a minha avó recebeu a chamada telefónica de um técnico do INGA, Ministério da Agricultura, que estava lá na aldeia, Ermidas-Sado, para recolher uma ovelha morta do rebanho do meu tio (é assim qe agora as coisas são: as ovelhas mortas vão para analisar, cada uma tem um número na orelha, só falta o obituário no jornal do agricultor). Como ouve mal, despachou o homem, dizendo que o meu avô também era surdo e não ouvia ao telefone. Teve de ser o meu pai, que por acaso estava lá em visita Pascal, a ir com o indivíduo às malhadas das ovelhas e recolher o corpo da defunda. Tudo isto me faz pensar como estamos tão longe da vida real da maior parte das pessoas do país, e esta é a minha família mais próxima... fossem só os ventos de Espinho...

28 março 2005

Tendo crescido num lugar suburbano onde os ventos são aleatórios e não têm significado, encaro os fins-de-semana em Espinho como um sinal de que a vida pode ter mais certezas. O vento sopra geralmente de norte, a famosa nortada, o vento sul puxa chuva, o de leste traz frio, o de oeste vem do mar e é provável que traga humidade. Nos dias úteis organizo os dias pelo relógio, em alguns fins-de-semana pela rosa-dos-ventos.

24 março 2005

A infância é uma rua que tende a ficar desabitada. A minha perdeu hoje mais um habitante, o Sr. António, tio do Paulo, que marcou toda a geração que cresceu na Rua de São Pedro (no Algueirão) entre o final da década de setenta e a de oitenta. Cresceu na zona oriental de Lisboa e a família contava que na juventude tinha sido um grande nadador, no Tejo. Nós só já o conhecemos com um pulmão e um corpo seco e curtido que o fazia parecer um velho marinheiro afastado do mar, bem-disposto e com um gosto particular por vinho tinto. No Carnaval punha um balde de água à porta da loja onde trabalhava para nós podermos encher as bisnagas. Obrigado.
No último capítulo da Teoria do Céu, Immanuel Kant escreve sobre a possibilidade de vida extraterrestre e a ingenuidade dos que pensam que o nosso planeta é o único habitado ou habitável. Claro que, escrevendo no século XVIII, as divagações incidiam sobre os únicos planetas conhecidos, os do sistema solar. Desde então, os nossos instrumentos ainda não descobriram vida extraterrestre, mas já detectaram planetas extra-solares. De forma indirecta, mais de cem, de forma directa, os primeiros dois. A notícia desta descoberta faz-me compreender melhor o sentimento dos habitantes originais da ilha da Páscoa. Viviam no isolamento da sua ilha do Pacífico Sul e, certamente esquecidos das suas origens remotas, achavam que eram os únicos seres do universo até serem visitados por navegadores holandeses no dia de Páscoa de 1722.

22 março 2005

O New Labour e a crise da direita

A direita está orfã de pai e mãe: o PSD foi quase destruído por Santana Lopes e ninguém quer liderar o CDS. Tendo em conta a geometria política do programa do Governo feito ao centro, se José Sócrates não cometer erros de maior, tem aqui a oportunidade de fazer como Tony Blair no Reino Unido: governar ao centro, apanhar as franjas eleitorais do centro-direita e secar as direitas parlamentares. O novo socialismo vai fazer o seu curso com a eficácia que António Guterres não teve...

Complexo de Édipo

"O que nos interessa não é o trajecto mas a substância das posições do ministro dos Negócios Estrangeiros", disse ontem, no Parlamento, Paulo Portas (citado no DN pelo Martim Silva). O que interessa aqui é estudar a coisa edipiana do filho a matar o pai. A bancada do CDS não atacou os ex-comunistas que estão no Governo, como Mário Lino ou Isabel Pires de Lima, mas sim o fundador do partido, Freitas do Amaral. Percebe-se. Mas nenhuma das partes pode defender-se com a coerência absoluta das suas posições ao longo do tempo.

18 março 2005

Ilíada

Esta manhã, a montra da editora Cotovia, na Rua Nova da Trindade, já expunha a Ilíada, de Homero traduzida por Frederico Lourenço. A minha próxima compra de urgência está determinada por aquela capa avermelhada.

17 março 2005

Neocons export

Wolfowitz deverá encabeçar o Banco Mundial. Bolton é o embaixador norte-americano nas Nações Unidas. Os neoconservadores alongam o seu braço. O mundo não vai ficar mais bonito, não senhor...

Aguarela

Pelas sete e meia da manhã, no miradouro de Santa Luzia, Alfama, havia hoje uma garrafa de litro de cerveja e copos de plástico vazios. Nas ruas do Castelo, mais silêncios do que fados, que a alvorada é de ressacas. Gente a dormir em casas com canários enjaulados à janela e roupa a secar em frente da porta. Lisboa amanhece com sol de frente na hora em que os noctívagos se desfazem em poeira.

Revista de imprensa

Espírito Santo ajuda Augusto Pinochet. Pai e Filho negam o seu próprio envolvimento, confirmam que o assunto causou alguma incomodidade no seio da Santíssima Trindade mas afastam rumores de uma possível dissolução.

16 março 2005

Silêncios

Temos um Governo novo e fresquinho, mas é Santana Lopes, mesmo caladinho, que continua a atrair as atenções. Até no silêncio Sócrates e Santana são tão diferentes. O regresso do segundo à câmara de Lisboa é um caso paradigmático de silêncio ensurdecedor. O silêncio (e o desaparecimento público) de Sócrates e a lei da rolha que impôs ao Executivo vai começar a pagar-se nos jornais dentro de algum tempo, assim que passar o estado de gracinha.

14 março 2005

O quietista agitado

Sim, talvez um certo quietismo ajudasse a explicar por que razão Pedro Santana Lopes nada tenha dito hoje sobre o seu futuro na câmara de Lisboa. Quieto e silencioso (pela primeira vez em meses), mesmo assim Santana conseguiu o efeito de uma tempestade. É um Midas ao contrário: em tudo o que toca, mesmo quieto, sem falar, lança a maior das confusões. Que pensará dele hoje Carmona Rodrigues, seu amigo de liceu, que aceitou ser zigue de cada vez que o Pedro fazia um zague?
O quietismo foi um movimento místico religioso do século XVII inspirado pelo pensamento de Miguel de Molinos, um teólogo espanhol que defendia que a perfeição da alma humana e a sua salvação estavam totalmente dependentes da vontade divina, à qual o homem deveria abandonar-se passivamente. Os indivíduos deveriam dedicar a sua existência à contemplação passiva do mundo e à indiferença absoluta. É com alguma nostalgia que, numa segunda-feira, constato o desaparecimento prematuro de uma seita religiosa que poderia proporcionar uma justificação moral para a preguiça.

10 março 2005

Eu sou o outro

"Marques Mendes aponta para um candidato, que se chama Aníbal Cavaco Silva, não o diz mas percebe-se. Menezes já aponta outro candidato, que se chama Marcelo Rebelo de Sousa. Ora comparando (...) Aníbal Cavaco Silva com Marcelo Rebelo de Sousa, em termos de perfil de Presidente e ocupação ao centro, Cavaco Silva tem muitas vezes vantagem sobre Marcelo Rebelo de Sousa".

Ora quem disse isto, quem foi?
Parecia Jardel a dizer que Jardel esteve muito bem. Foi Marcelo Rebelo de Sousa, na RTP (a parte onde estão as reticências, foi quando ele disse "eu sou suspeito", pois é). Ora o auge do comentador, o apogeu glorioso é quando ele se comenta a si mesmo como se comentasse um outro. É muito engraçado. É como olhar para um espelho que reflecte noutro espelho a nossa imagem, de modo que parece que somos outro e não nós. Bem, a discussão sobre Marcelo vem de trás. Mas eu, que não consigo deixar de me deliciar a ouvir o professor, sempre achei que quem é actor não devia ser comentador. Depois acontecem estas coisas bizarras... Ou não é?

Coisas relativas: os crocodilos comem as pessoas

Os crocodilos comem as pessoas, é um facto. Por isso, a fototografia, no canto inferior esquerdo da página 46 do Público é irónica. Oito homens metem um lagarto gigante, de cinco metros de comprimento, em cima de uma carrinha. Vai preso, será talvez julgado, ou abatido, ou posto em exposição, porque ao longo de 60 anos comeu 83 pessoas, pelo menos. Não fosse no Uganda, a notícia teria razão de ser. Os homens matam outros homens, é um facto, igualmente insofismável. Mas nem sempre depois os comem, o que, em abono da verdade, será indiferente ao morto. A ironia é esta: quantos homens que mataram mais de 83 homens, nas guerras dos últimos anos que assolaram aquela região de África, estão presos e tiveram o mesmo destino daquele réptil? Sim, este é um pequeno relativismo do olhar ocidental...

08 março 2005

Hoje um cego entrou na biblioteca. É natural que qualquer boa biblioteca académica tenha alguns livros em braille mas, ainda assim, a imagem de um cego a vaguear pelos corredores de uma biblioteca é demasiado literária para ceder à lógica da explicação mais plausível. A entrada do estudante fez-me lembrar Jorge Luis Borges que, já cego, foi director da Biblioteca Nacional de Buenos Aires («Falo da esplêndida ironia de Deus em conceder-me a um só tempo oitocentos mil livros e a escuridão.») e um episódio de Twilight Zone em que um homem que adora livros é o único sobrevivente de um holocausto nuclear e tem finalmente todo o tempo do seu mundo para ler, mas acaba por partir os óculos.

In your dreams...

Para a Carla e o Vítor

Acho que Wittgenstein nunca escreveu (não li a obra toda) sobre os sonhos dos bebés e a possibilidade de um pensamento sem palavras. Julgo que diria (o Wittgenstein do Tractatus, pelo menos) que aqueles se encontram para lá da linha da fronteira da expressão do pensamento e sobre isso deveríamos guardar silêncio. Os sonhos são uma reorganização das memórias e por isso os dos bebés devem ser repetitivos e limitados, o que só torna mais estranho o facto de sorrirem durante o sono. Devem sonhar simplesmente por imagens: de biberões, do peito da mãe, dos padrões de cores das mantas que os cobrem. Interessante também é o facto de, aparentemente, as crianças sonharem ainda na barriga da mãe. Suponho que sonhos escuros, de líquido amniótico e vozes humanas longínquas. Mas sobre isso seguem o conselho de Wittgenstein, guardam silêncio.

07 março 2005

O facto de ser homem nunca me tinha colocado na posição de espectador externo da minha própria vida. Quando, num dia luminoso, a máquina me ofereceu a imagem do pequeno ser de 12 semanas a chuchar no dedo, dentro da barriga da Carla, percebi isso. O corpo da mulher confunde-se primeiro com o do filho. O homem tem de esperar. Mas não pela alegria de ouvir aquele coração bater tão depressa. De perceber que dali virá aquela pessoa. Um mistério de uma vida. Um eu cujo maior erro é pensar que será nosso. Tão filho que ainda sou e tão depressa serei pai. A ecografia é uma emoção da tecnologia moderna. Mas não explica tudo isto que é tão grande.
Entro numa sala e uma mulher vestida com uma bata de enfermeira manda-me despir e deitar na marquesa. Três hipóteses: é um velho sonho recorrente de adolescente; é o guião de um filme porno de má qualidade; estou num laboratório de análises clínicas. Como já não tenho 15 anos, ela só me mandou despir da cintura para cima e não venho entregar uma piza nem arranjar o lavatório, devo estar mesmo a fazer um electrocardiograma. Sem alterações no ritmo cardíaco.

04 março 2005

03 março 2005

Nas velhas fotografias de família há sempre um primo afastado com um dedo no nariz ou uma roupa hilariante e que raramente é convidado para os churrascos no quintal. Com o passar dos anos vai sendo progressivamente esquecido e a única prova da sua existência é a própria fotografia amarelecida no fundo do baú. No Livro III da Geografia Estrabão descreve os Lusitanos e reveste de sentimentos contraditórios o sentido de orgulho pelos antepassados.

Dizem dos lusitanos que são hábeis nas emboscadas e explorações, vivos, usam armamento ligeiro, e são astutos nas manobras. Têm um escudo pequeno de dois pés de diâmetro, côncavo pela frente e seguro por correias pelo que não leva braçadeira nem pega, e transportam além disso um punhal ou uma faca. A maioria veste cotas de linho, são raros os que as usam de malha e cascos com três penachos, e os restantes, cascos de nervos. Os que andam a pé usam grevas e carregam vários dardos cada um. Alguns usam também lanças, cujas pontas são de bronze. Diz-se de alguns dos que habitam nas imediações do rio Douro que levam um modo de vida lacónico, que utilizam duas vezes ao dia os aliptérios [locais onde se untavam de gordura antes dos exercícios], tomam banhos de vapor que se desprende de pedras incandescentes, banham-se em água fria e fazem apenas uma refeição por dia, com limpeza e sobriedade. Os lusitanos são dados a sacrifícios e examinam as entranhas sem separá-las do corpo; fixam-se ainda nas veias das costas e adivinham palpando. Fazem também previsões pelas entranhas dos seus prisioneiros de guerra, a quem cobrem de saios. Assim, quando são feridos pelo arúspide [sacerdote] nas entranhas, adivinham em primeiro lugar pela forma como tombam. Cortam as mãos aos prisioneiros e consagram as direitas. [Geografia, III, 3, 6; traduzido de uma edição espanhola]

02 março 2005

Frio glaciar e seco. Esta conjugação de factores meteorológicos evoca-me sempre imagens do National Geographic das estepes centrais da Patagónia, na Argentina, e do deserto de Atacama, no Chile, onde as sementes das rosas autóctones hibernam durante anos até haver chuva. Em Alcântara vivemos num ambiente controlado: não há condores a sobrevoar o deserto, a nossa sardinheira floriu mesmo sem chuva e o aquecedor trabalha ininterruptamente.

Reply to my critics

No processo que me foi levantado por negligência no tratamento deste blogue pelos seus poucos leitores habituais, tenho a honra de apresentar a primeira testemunha da defesa: Adam Smith (em cartas para a sua mãe)

I am just recovered of a violent fit of laziness, which has confined me to my elbow-chair these three months. [Oxford, 29-11-1743]

I am quite inexcusable for not writing to you oftener. I think of you every day, but always defer writing till the post is just going, and then sometimes business or company, but oftener laziness, hinders me. Tar water is a remedy very much in vogue here at present for almost all diseases. It has perfectly cured me of an inveterate scurvy and shaking in the head. [Oxford, 2-7-1744]

(A preguiça tem-me remetido à minha poltrona simbólica nos últimos tempos. Vou só comprar um frasco de tar water e volto já.)

01 março 2005

De casa ao trabalho: gostei do frio, de toda a gente abraçada a si mesma, encolhida no metropolitano, apertada nos casacos. Sei que uns flocos de neve cairam algures no Alentejo. Pareço um amigo islandês a dizer que tinha passado um Verão muito quente lá no país dele. "Quantos graus?", perguntei. "Vinte e nove", respondeu o Olarfur. Bem, isso é que foi uma festa. É como o nosso rigoroso Inverno sem chuva. Se cá nevasse...
A Olivedesportos comprou a Lusomundo. Não há maneira de aparecer a terceira via no PSD. Ainda não conhecemos o Governo do PS. O Porto e o Benfica empataram. Está frio. Faz sol na parede do meu escritório. Sobretudo está muito frio.

23 fevereiro 2005

Como o tempo passa. Três dias sem um post e tudo a acontecer. Santana a demitir-se apesar de achar que nem era preciso; Marques Mendes a fazer aquilo que sempre quis, tentar chegar a líder; Luís Filipe Menezes a dar-lhe caça; e os notáveis do partido à procura de alguém mais sólido e abrangente. Até parece que nem foi histórica a vitória do PS e que vamos ter Governo novo. O PSD em crise é um espectáculo, e o próximo congresso vai bater os recordes de audiências da SIC Notícias. Para já, os socialistas agradecem. Espero que os laranjinhas acertem na escolha, desta vez, porque as boas oposições são fundamentais para as maiorias absolutas.

22 fevereiro 2005

O catenaccio político de Sócrates... e o resto

José Sócrates inaugurou a era do catenaccio político. Alcançou a maioria absoluta da mesma maneira que a Grécia bateu Portugal no Euro: sem arriscar, sem dar um passo em falso, a jogar sem na verdade jogar, a confiar no excesso de voluntarismo do adversário, à espera que o concorrente demasiado atacante se espalhasse sozinho e abrisse os flancos, a defesa, o ataque. Um jogo rígido, plástico, sem mostrar o que tem de bom para também não se ver o mau. E, no caso em concreto, a outra equipa ajudou. Nos últimos dias de campanha Santana comportava-se com o desespero das equipas que estão a perder 3-0, e Sócrates como as que têm o jogo garantido. Curiosamente, o PS conquista a sua maior vitória de sempre sem euforias. Quando uma equipa pratica catenaccio (ciência do futebol defensivo), tem a consciência que vence mais por demérito do adversário que pelos seus grandes pergaminhos.

Pedro Santana Lopes, na sua declaração de derrota, olhos avermelhados e voz baça, começou por dizer que tinha a "honra" de ser amigo de Paulo Portas. Porque Portas fez o que fez: demitiu-se assumindo uma derrota enorme, pouco mais de um por cento. Nesse momento, pareceu que ele havia de dizer: "O Paulo também terá a honra de me ter como amigo, porque a minha derrota é muito maior, e até contribui para a dele, portanto, demito-me e saio destas funções, porque fui derrotado e dei à esquerda a sua maior vitória de sempre, e é esta a melhor maneira de me responsabilizar por isso". Ora, nada de mais errado esperar tal coisa: Santana deixou o PSD no limbo: não se demitiu para ver quem eram os coelhos que saíam da toca. Só apareceu Marques Mendes, todos os outros estão por agora perdidos na confusão da contagem de espingardas. O Pedro tem um sonho, mas não percebe que o sonho dele se está a tornar o pesadelo da instituição que devia salvaguardar, caso se inspirasse verdadeiramente em Sá Carneiro. A sua permanência na liderança e uma possível recandidatura é uma tragédia que ultrapassa as fronteiras do PSD: porque Portugal precisa desse partido saudável.

Paulo Portas criou o happening da noite. Alguém acredita que pode haver um CDS sem P.P.? A vaga de fundo para trazer o Paulo de volta já começou. Resta saber se ele não colocou a fasquia eleitoral tão alta (logo ele, um conservador calculista) para não ter de passar quatro anos a fazer números de trapézio com cambalhota no Parlamento. Ainda terá paciência para isso? Prognóstico: se Portas sair mesmo - e se não se candidatar à Presidência da República -, voltará ao CDS como um messias dentro de dois ou três anos para disputar outras eleições em que possa regressar ao Governo.

Jerónimo de Sousa fez o PCP crescer em percentagem e em votos (50 mil), o que não deixa de ser extraordinário, já que não o fez à custa nem do PS nem do Bloco de Esquerda. Apesar de rouca, a voz do operário fez-se ouvir. O declínio final do PCP fica adiado por mais uns tempos, enquanto não se peceber muito bem o que a cabeça daquele homem simpático na realidade pensa.

Francisco Louçã não podia imaginar. Oito (oito) deputados, quando o Bloco pedia o dobro de parlamentares e votação. Agora, e com a maioria absoluta do PS, isto não significa que o BE venha a ter o dobro da influência que tinha. Estarão eles desradicalizar-se? Temos de esperar para ver se Louçã consegue irritar Sócrates como tão bem conseguia fazer com Barroso.

Brancos foram os votos que cresceram quase o dobro. O resultado dos votos de protesto tem significado (mais de 100 mil) e devíamos reflectir sobr eo fenómeno, porque pertencem a cidadãos preocupados que não ficaram em casa a coçar a micose.

Abstenção não é preocupante. O nível alto de participação sim. Porque as pessoas perceberam que isto bateu mesmo no fundo e mais uns 300 mil resolveram ir votar. É bom, porque os portugueses se preocupam com o seu país e não se querem alhear. É mau, porque cidadãos mais despreocupados correspondem a sociedades e a momentos em que o contexto é menos grave.

Jorge Sampaio deve estar contente. Mesmo sem ter encomendado sondagens, interpretou o que sentia a sociedade portuguesa, que baniu Santana com uma maioria absoluta de um PS que tinha deixado má memória recente. Mas este momento dissolvente deve ser absolutamente excepcional. Tal como sucedeu, deve ser justificado apenas por razões políticas e de dignidade do Estado, e não por discordância em relação às políticas - de policy - (democráticas) que um Governo queira implementar. Para isso há o veto.

19 fevereiro 2005

A Carta

Esta carta que o Tiago Araújo recebeu na caixa do correio, esta semana, mostra mais uma das verdadeiras faces de Santana Lopes. A missiva não tem logótipo, nem remetente, nem qualquer referência a um partido. Parece daquelas mensagens que são deixadas no correiro pela igreja Maná. Mas é mais grave. Se fizermos uma análise aprofundada sobre o que o ainda primeiro-ministro aqui diz, chegamos a conclusões preocupantes. Ao longo da história, muitas vítimas anti-sistema e populistas tornaram-se ditadores. Contra tudo e contra todos, em nome dos mais fracos, Robin dos Bosques a mendigar o voto junto dos descamisados. Fica a transcrição da Carta de um pedinte, que ainda merecerá uma análise mais cuidada:


Caro(a) Amigo(a)

Não pare de ler esta carta.

Se o fize, fará o mesmo que o Presidente da República fez a Portugal, ao interromper um conjunto de medidas que beneficiavam os portugueses eas portuguesas.

Portugal precisa do seu voto para fazer justiça.

Só com o seu voto será possível prosseguir as políticas que favorecem os que menos ganham e que exigem mais dos que mais têm e mais recebem.

Você não costuma votar, e não é por acaso.

Afastou-se pelas mesmas razões que eles nos querem afastar.

E quem são eles?

Alguns poderosos a quem interessa que tudo fique na mesma.

Incluindo a velha maneira de fazer política.

Eles acham que eu sou de fora do sistema que eles querem manter. Já pensou bem nisso?

Provavelmente nós temos algo em comum: não nos damos bem com este sistema.

Tenho defeitos como todos os seres humanos, mas conhece algum político em Portugal que eles tratem tão mal como a mim?

Também o tratam mal a si. Já somos vários.

Ajude-me a fazer-lhes frente.

Desta vez, venha votar. É um favor que lhe peço!

Por todos nós,

Pedro Santana Lopes

18 fevereiro 2005

A semiótica de Menino Guerreiro - o auto-retrato de Santana

Esta cantiga de Gonzaguinha, esquerdista brasileiro, é o hino de Santana. Vamos analisar a letra de "Menino Guerreiro" segundo a qual o líder do PPD se define.

Um homem também chora
Santana não tem razões para rir. Tem feito o PSD a passar as maiores vergonhas da sua história e, assim, choroso assumido, pode soltar as lágrimas quando assumir a derrota no domingo. O primeiro verso é muito próprio para toda e qualquer vítima da vida.
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas
Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura
Primeiro, sublinha-se que o candidato gosta de meninas morenas, o que só abona a seu favor, em matéria de colos. Depois, precisa de ternura, de carinho. Na verdade, o que Santana quer é ser amado, em declarações de amor assinadas de cruz em boletins de voto. É um bebé numa incubadora, que sofre quando os irmãos mais velhos lhe dão pontapés e estaladas. Ele precisa de amor, para poder amar o povo que tem o dever de o adorar. Se o povo não o ama, ele chora. É muito pungente...
Guerreiros são pessoas
São fortes, são frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito
Santana é um guerreiro que faz da linguagem bélica o eixo da sua retórica: as batalhas, os combates, os adversários... Mas é um lutador frágil, um pouco ingénuo, por agir mais com emoção do que com a razão. É um menino, uma criança que não faz o que faz por mal, mas porque é assim mesmo, genuína. Não tem maldade, os episódios, os casos, são fruto dessa meninice adolescente que o impele, como os loucos ou os ininputáveis, a dizer o que pensa em cada momento, em vez de pesar o sentido das palavras e dizer o que diz um homem de Estado.
Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sonho
Que os tornem refeitos
O guerreiro não pode apenas lutar. Alguém deve enxugar-lhe as lágrimas, porque os pontapés doem e as facadas nas costas fazem mal às cruzes. Se alguém , todos nós, não dermos um espaço de remanso ou um tempo de descanso ao menino-guerreiro, ele não se refaz. Mas o rapaz tem "um sonho para Portugal". Ou para si mesmo, e é disso que se alimenta.
É triste ver este homem
Guerreiro menino
Com a barra de seu tempo
Por sobre seus ombros
Sim, é muito triste ver o peso que ele carrega por sobre os ombros, cada vez mais, em cada entrevista, como a de ontem ao Público/Renascença. É triste ver como um homem assim chegou a primeiro-ministro deste país, da maneira que chegou. Ninguém lhe acaba com este sofrimento de ter tanta responsabilidade sobre uma coluna vertebral tão menina que ainda está imatura para tamanhos encargos?
Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que traz no peito
Só falta dizer que ele também esperneia. Santana berra conta o Presidente da República, contra os irmãos mais velhos que lhe dão pontapés, contra os companheiros que lhe dão facadas nas costas, contra as empresas de sondagens que não o acarinham, contra a comunicação social que não lhe dá o colo, contra os poderosos banqueiros, contra tudo o que mexe. E depois sangra, sofre que é uma coisa dolorosa de se ver, e até nós temo dó só de olhar para ele. Apenas Santana não se enxerga no meio do círculo que criou à sua volta. Apenas sente a dor que leva no peito.
Pois ama e ama
É verdade. Ama as mulheres que amou, ama os filhos que são muitos, ama o país. Como um líder populista sul americano, poderia amar todo o povo e fazer tudo por esse amor. Mas acima de tudo ele ama-se a si mesmo, o que também é típico.
Um homem humilha-se
Se lhe castram os sonhos
Seu sonho é sua vida
E a vida é trabalho
Sim, tem-se humilhado bastante porque Sampaio lhe castrou o sonho de uma vida. Ser esmagado numas eleições, ele que sempre se achou imbatível no jogo eleitoral, é uma grande humilhação, de facto.
E sem o seu trabalho
Um homem não tem honra
E sem a sua honra
Morre-se, mata-se
Vamos ver. Se ele perder o trabalho, ou seja, o emprego como líder do PSD, se tiver consciência de que tudo o que fez nestes cinco meses lhe mancha a honra, o que fará? Matará? Morrerá? Dará lugar a outro? Lutará em congresso contra "os outros" para recuperar a honra? Morrerá de pé, no campo de batalha, como um guerreiro?
Não dá pra ser feliz
Não dá pra ser feliz
Esta é a maior de todas as verdades. Quem vive assim não pode ser feliz. Não dá mesmo. Os altos cargos da nação não foram feitos para meninos guerreiros. Na pior das hipóteses só para guerreiros ou amazonas. Dos musculados e racionais, que não choram, e que fazem aquilo que tem de ser feito, mesmo que não lhe dêem o tal carinho. Santana não pode ser feliz assim, consigo mesmo e com os outros.

O génio da sua campanha que escolheu esta letra para hino foi assassino, autofágico, suicidário. Com amigos destes... Santana já estava à beira do abismo, mas foi dando uns passos em frente, facilitando a tarefa todos os que o empurravam ou que o levavam amigavelmente pela mão. No dia 21 o menino-guerreiro estará livre de todos estes pesos e poderá finalmente viver feliz para sempre.

Um novo Cavaco

Nos jornais de hoje, as sondagens dão a maioria absoluta ao PS. No entanto, o fantasma do empate ainda não passou. Permanece essa possibilidade em aberto, conforme a distribuição dos deputados.
Hoje é tão difícil imaginar Sócrates à frente de um Governo de Portugal (sobretudo com maioria absoluta) como há dois anos e meio era de rebolar no chão a rir se ouvíssemos dizer que Durão Barroso seria presidente da Comissão Europeia. Sócrates, um novo Cavaco? Também dá vontade de sorrir, mas veremos como tudo acaba daqui a umas 60 horas.

Epílogo

Epílogo de um debate ao fim de uns dias: foi espantoso ver como os únicos dois homens que podem chegar a primeiro-ministro, Santana e Sócrates, estavam tão desmotivados, sem força nas palavras, seguros das suas posições de vencedor e derrotado. Nenhum deles parecia verdadeiramente entusiasmado com a ideia de mandar no destino deste país. Portas e Louçã, que têm nichos de eleitorado muito bem definidos, não precisam de fazer discursos chochos, e na televisão isso funciona a seu favor.

15 fevereiro 2005

O Debate a cinco

O comentário ao debate em tempo real, em todos os posts abaixo deste:

Declarações finais - Debate XXIV

Louçã fala para a câmara, recomenda as melhoras de Jerónimo e enuncia a suas políticas essenciais (contra o aumento da idade da reforma, também).
Santana pede as melhoras do comunista, garante que fala a verdade, que não aumentará os impostos directos (e os indirectos?), diz que haverá estabilidade para se criarem empregos, pagará estágios aos jovens.
Sócrates desta vez (ao contrário do frente-a-frente) também fala para a câmara: "deixo esta ideia", repete, mas não fala de medidas, apela ao voto, diz que um voto no PS não é um voto de protesto, mas de mudança. Todavia não fala de qualquer proposta concreta, apenas enuncia generalidades. "Uma menagem de energia é absolutamente necessária". O que é que isto quer dizer?
Portas diz que Portugal precisa de liderança. Ser capaz de ter ideias claras e reunir uma equipa. Invoca o sentido de Estado do CDS (por contraposição ao do PSD), apela ao voto dos abstencionistas e aos jovens. "Não acredito em treinadores de bancada que só vendem pessimismo". E isto, o que quer dizer?

Golo de Sócrates - Debate XXIII

Sócrates agora esteve bem: se o CDS crescer é à custa do PSD. Com a ferida aberta, ele foi lá mexer um bocadinho.

Paulo mete a faca no Pedro - Debate XXII

"Sócrates não é a única pessoa a dizer que não se pronuncia pelos cenários que não lhe são favoráveis". Paulo Portas não diz que vai estar em tudo ao lado do PSD (se perder). Mais uma facadita nas costas do Santana. E mostra mais um quadro, a dizer que com mais um por cento elege mais uns oito deputados: "O sonho da maioria absoluta do PS pode tornar-se uma ideia relativa". O que é que o senhor 10% fará se não chegar lá?
(É engraçado ouvir Portas acusar o PCP de ser contra a União Europeia)

Louçã namora com o do lado - Debate XXI

Francisco Louçã não tem a mínima dívida que o PS ganhe as eleições. É interessante assumir isto assim. "Chegaremos ao Governo quando tivermos votos para isso", diz. "Está em jogo a estabilidade política das políticas sociais". Lá está o namoro como camarada do lado, dizendo quais são as plíticas onde pode haver acordos.

Santana pela maioria - debate XX

Santana diz que o país exige uma votação forte no partido que ganhe as eleições. Sócrates agradece... Lopes diz que Governa na mesma, sem maioria (com o CDS). Pudera, só faltava dizer que se ia embora se não tivesse maioria absoluta.

Ai, ai, as coligações - Debate XIX

Sócrates volta a falar de um objectivo: a maioria absoluta. Também engoliu uma cassete, mas não ficou roufenho. Sim, e o Bloco, vais ou não vais com o Bloco? Ainda não respondeu, foge e foge, para não se comprometer. E ninguém lhe deita a mão, para ele ter mesmo de falar? Um plano B?, pergunta o jornalista. E deixa Sócrates fugir, que não responde.

O BE e a droga - Debate XVIII

"Só precisamos de aprender como que se faz bem no estrangeiro". Louçã cita o caso espanhol onde o Governo de direita introduziu as salas de chuto na prisões. Era interessante ouvir Santana sobre isto, porque tem uma posição mais heterodoxa e um dos seus melhores amigos é especialista no tema.

Portas lança os seus ministros - Debate XVII

Portas apresenta um esquema sobre a saúde e diz o que costuma dizer Maria José Nogueira Pinto, a cara do CDS para a Saúde. Aqui e ali vai atirando os nomes dos seus ministros.

A gravata guterrista de Sócrates - Debate XVI

Bem, a gravata de Sócrates é assim um bocado para o guterrista: não é preta, mas quando não lhe dá a luz até parece negra. Não está de luto, mas quem quiser pensar que sim até pode fazê-lo porque é tudo menos uma gravata festiva.

Francisco marca golo - Debate XV

Louçã diz que Santana aproveitou para fazer um telefonema para se informar porque não sabia sobre o assunto: 1-0.
Agora insinua que o Governo cedeu às pressões da banca e diz para Santana ir fazer outro telefonema. Genial. Só Portas faria melhor.
E Portas sabe tanto... não quis fazer qualquer réplica sobre o tema: o Santana que se enterre sozinho.

Santana responde a Louçã - Debate XIV

Santana foi estudar as perguntas de Louçã no intervalo sobre banca e fusões. É um exercício arriscado, dar estas respostas assim na hora. Está sempre mais sujeito aos tais erros das pessoas que o informam.
PSL debita números no afã de credibilizar o discurso. Não funciona. Ninguém percebe um gráfico falado.

A educação de Louçã - Debate XIII

Aquilo que o radical Louçã diz sobre educação também não é daquelas coisas que seja possível defender exactamente o contrário. Ele está a moderar-se... "A boa escola pública é decisiva para a criação de emprego". Isto é uma verdade que ninguém contestará.

Até que a voz lhe doa - Debate XII

Jerónimo saiu definitivamente. A voz não aguentou. É pena. O homem não merecia isto.
Olha agora a limpidez vocal de Louçã. Nisto só Portas o bate.

Intervalo

O debate foi para intevalo, e o espelho também.

Os sinos que badalam naquela cabeça - Debate XI

Os vitrais, azulejaria e restauro de sinos são algumas preocupação de formação profissional de Sanatana. Onde é que este homem vive, pá? Falou nos electricistas, vá lá.

A empregabilidade de Portas - Debate X

A proposta de Portas sobre a empregabilidade das escolas até faz sentido. Ligar o sistema de ensino ao número de postos de trabalho criados em cada área. Bem, as pessoas ficavam a saber pelo menos ao que iam.

Sócrates e la Palisse - debate IX

O que o PS não quer é aumentar o número de pré-reformas. Alguém seria capaz de defender o contrário?
Agora voltou a dizer algumas banalidades sobre educação que jamais alguém seria capaz de contradizer. Alguém é contra a redução do insucesso escolar para metade nos próximos quatro anos?

A clarificação de Portas - Debate VIII

Portas não é a favor do aumento da idade da reforma. Como é que a coligação negociou isto? É a piscadela de olho ao eleitorado tradicional?

Pormenores técnico-tácticos - o Debate VII

É curioso que Louçã e Portas sejam os mais semelhantes: discurso claro, com objectivos claros. Santana e Sócrates parecem abatidos e pouco entusiasmados com o facto de virem a ser, ou não, os próximos governantes. Têm falta de entusiasmo. Jerónimo está de rastos, mas a atitude do operário é heróica e humilde (isto vai dar-lhe votos).

Deus é o culpado pelo aumento da idade da reforma - o debate VI

Sanatana replica: defende mesmo o aumento progressivo da idade da reforma. É o que se fica a perceber, porque "graças a Deus a esperança média de vida aumentou".

Mais estudos socialistas - o Debate V

Sócrates promete mais um estudo sobre a segurança social, para depois decidir, se não for preciso fazer mais estudo nenhum.... "Não há qualquer indicação que a sustentabilidade da segurança social esteja em causa para amanhã", diz ele. Preocupemo-nos mais tarde. Por agora, antes dos estudos, o PS não vai mexer no limite da idade da reforma.

A nova coligação - o Debate IV

A coligação já está a funcionar: Sócrates a pedir a Santana para responder à questão de Louçã sobre a banca.

As gravatas - o Debate III

Santana está de gravata preta. Portas, depois de ter dado uma conferência de imprensa com o pescoço enlaçado de negro, agora leva uma gravata azul berrante. Passou-lhe o luto pela vidente. Não é suposto que estas coisas façam sentido.

E Jerónimo falou... o Debate II

Já retomou o lugar e a fala para defender os textêis portugueses, depois de ter sido assistido fora das quatro linhas. Jerónimo de Sousa teve azar. Uma lesão em campo é sempre um grande azar.

Junta a tua à nossa voz... - o Debate I

Campanhas de Inverno são complicadas para a garganta dos candidatos. O camarada Jerónimo acabou de perder o pio no debate da RTP. A cassete pifou. Não conseguiu falar. Perdeu a voz. Não tem voz para juntar à dos outros. Neste caso, recomendava-se um pouco mais de colectivismo: o camarada mexia a boca e um pequeno comité podia falar por ele. Até já.

A mão, o pote e o mel

No domingo, Santana disse: "O que eu tenho passado é porque toquei na ferida, meti a mão no pote de mel e saltaram as vespas. Conhecem algum primeiro-ministro que tenha dito aos senhores da banca: vão pagar mais do dobro do que antes pagavam?" No dia seguinte a esta edificante metáfora (ontem, com o cancelamento da campanha), Jardim Gonçalves, presidente do Millennium BCP foi recebido em São Bento. Ou um quis pedir desculpas. Ou o outro foi dar uma ferroada na mãozita que se lhe meteu pelo pote (vulgo puxão de orelhas, protesto veemente, etc.). Ou estamos a ver aquele filme cego do César Monteiro, sem imagens. Como coinciências destas não há, seria bom que alguém esclarecesse a que se deveu a tão urgente reunião.
Muitas das promessas de Sócrates (perdão, metas, objectivos) têm por detrás o pressuposto de um crescimento da economia ao ritmo de três por cento ao ano, admitiu o próprio na entrevista de ontem ao Público e à Renascença. Como esta base de sustentação das políticas do PS não depende do Governo, isto é excesso de optimismo ou de cautela. Quem criticou Santana por ter baseado o seu Orçamento do Estado de 2005 na premissa de um crescimento económico anual de 2,4% devia ter mais cuidado. No estado em que as coisas estão, falta a isto tudo um bocado de pessimismo ou de realismo, pelo menos para não sermos todos enganados.

12 fevereiro 2005

Espelho mau, espelho mau - XVI

É-lhe impossível existir sem inimigos. Sem poder manifestar-se contra. Agora é a comunicação social, tão útil em tantos momentos, tão utilizável, o maior dos seus adversários, porque não o leva ao colo. Pedro Santana Lopes apostou ontem na vitimização, mais uma vez menino guerreiro, num tom irritado que nunca se lhe tinha visto. Santana cria os seus próprios moinhos de vento, sem perceber que o seu maior inimigo vive dentro de si.

Santana Lopes, o incumbente, aquele que detém o poder, comporta-se como sempre se comportou: como um challenger, como um opositor, porque ele foi formado nessa escola, porque ele é só emoção, porque não consegue olhar para a política sem ser de forma adversarial. Foi adversário de Balsemão, de Cavaco, de Nogueira, de Marcelo, de Durão. É claro que é mais complicado ser-se adversário de si mesmo, mas através de uma análise mais profunda, um psicólogo explicaria melhor as tensões que vão no íntimo desta interessante criatura.

11 fevereiro 2005

Já tinha avisado uns bons posts abaixo que a campanha ia ser suja. o caso Sócrates/Freeport aí está para o demonstrar. O timming foi implacável. Esperemos pelos próximos "casos".

10 fevereiro 2005

Espelho mau, espelho mau - XV

O despudor chega a ser irritante. Depois de ter convidado os jornalistas para um café em São Bento porque ia fazer uma declaração que não fez, Santana Lopes disse ontem o seguinte: "Nunca vi adversários incomodados por outro, durante dois dias, não fazer campanha, no Carnaval". Se aparecer com os filhos à beira da piscina, passear pelos jardins da residência oficial não é campanha é o quê? A conversa com os jornalistas apenas sobre a campanha, na sede da chefia do Governo, se não é campanha é o quê?

08 fevereiro 2005

Espelho mau, espelho mau - XIV

Body Language. Em fuga do Carnaval, Santana esteve sentado hoje, em S. Bento, a falar com os jornalistas, inclinado para a frente, a gravata verde a cair-lhe pelas virilhas, recostado depois para trás de perna aberta, displicente, a ler um recorte de jornal com má dicção, extraordinário. A linguagem corporal do sr. Lopes não diz tudo sobre ele, mas revela muito. A maneira como o primeiro-ministro aparece ali relaxado na cadeira do poder, sem maximizar os respectivos símbolos - o que só reverteria a favor dele -, através de alguma solenidade e respeito, mostra quem é Santana Lopes. Um rapazola no corpo de um homem. Um imaturo à frente de um país a cair de maduro. Pior do que há vontade, à vontadinha. A política não está nada mais bonita...

Elogio do palavrão

"Há exclamações que laxam a alma, que a descarregam das opilações timpaníticas".

Camilo Castelo Branco escreveu esta frase n' A Corja (1880), continuação do romance Eusébio Macário (1879), depois de contar que o padre Justino tinha dito "uma palavra obscena, muito repreensível" pronunciada "carregando muito nos rr".

Ninguém surge do nevoeiro porque está um sol dos diabos

Ainda não li os programas dos partidos, mas tenho esperança que depois a esperança se me acenda. Andamos há dias nisto. Nem uma novidade sobre o futuro do país. Discute-se o destino com base na anunciada mudança de aristocracia partidária no poder; o que importa é saber se haverá maioria ou acordos parlamentares à esquerda. E o futuro? Isto somos todos nós atados por um fio invisível a seguir um carro alegórico onde cada dançarino quer convencer-nos de ser o melhor.

Retenho umas promessas vagas (os tais objectivos) de José Sócrates, mas não consigo entender o conjunto. O homem não se desvia um milímetro do discurso dos cartazes, não arrisca um rasgo sobre o que seja. Mau de prever, este destino próximo da nação, mesmo com um sol tão radioso e um ar político tão transparente (Santana é o que é e Sócrates também). Em Portugal, sem nevoeiro no horizonte, quando não estamos na presença de Sebastião nenhum, tudo é translúcido: como toda a gente vê o que está à sua frente, perde-se a esperança. O meu desejo? Que me fizessem acreditar. Não tanto num futuro radioso, mas num certo futuro. Naquele ali. Andam a querer comprar-nos o voto à borla sem se comprometerem com a paga. Tenho de ler os tais programas para depois não me esquecer de o cobrar.

06 fevereiro 2005

Irão: o alvo que se segue

O próximo alvo de Bush é o Irão, e o Pentágono já está a tratar da guerra. No discurso sobre o Estado da União, na quinta-feira, o Presidente americano disse: "Hoje o Irão é o principal promotor de terror no mundo, procurando armas nucleares e privando a população da liberdade que procura e merece". No dia seguinte, em Londres, a secretária de Estado, Concoleezza Rice, afirmou que um ataque dos EUA ao Irão "não está na agenda neste momento", deixando em aberto a existência de caminhos diplomáticos a explorar. Não está "neste momento". Estas subtilezas discursivas são de toda a importância.

Esta retórica faz lembrar a do Iraque. Quem já leu o livro de Bob Woodward, "Plan of Attack" sabe que um ou dois meses após o 11 de Setembro de 2001, Donald Rumsfeld já estava a trabalhar num plano para invadir o Iraque de forma rápida e barata. No entretanto, Bush dizia que não tinha planos de guerra em cima da secretária. Mas eles estavam na sua gaveta.

O mesmo acontece agora. Seria normal que os militares norte-americanos actualizassem os planos de contingência em relação ao Irão, nem que fosse por uma questão de planeamento rotineiro. Mas a história de Seymour M. Hersh - o mesmo jornalista que descobriu o escândalo de Abuh Grahib -, publicada na revista New Yorker, a 24 de Janeiro, é eloquente: "A administração tem estado a conduzir missões secretas de reconhecimento dentro do Irão pelo menos desde o último verão", escreve o repórter com base em fontes da CIA e do Pentágono. O objectivo destas acções, feitas à margem da fiscalização do Senado, é obter informações sobre potenciais alvos, como instalações nucleares, laboratórios químicos e locais lançamento de mísseis, com duas finalidades: ou um ataque rápido e preciso a estes alvos, ou uma invasão através do Iraque e do Afeganistão. Uma coisa é certa: os neoconservadores do Pentágono não querem cometer os mesmos erros de intelligence que deitaram a credibilidade da invasão do Iraque a perder.

Devemos estar preparados. Se a Europa não obtiver ganhos diplomáticos junto do Irão, o que não será fácil, Bush voltará a atacar. Ele já avisou. E desta vez até foi mais claro do que quando falou do "eixo do mal", noutro discurso que ficou famoso. Nessa altura não sabíamos, mas os planos para invadir o Iraque já estavam bem avançados.

Espelho mau, espelho mau - XIII

"Assim se vê, a força do ... PP!!" Esta bizarria soa mal. No comício do CDS, ontem, no Palácio de Cristal, no Porto, ouvimos o vice-presidente do CDS, António Pires de Lima, a gritar o velho slogan comunista ao microfone. Um partido conservador e anti-comunista como o de Paulo Portas devia evitar o uso das palavras de ordem dos seus maiores inimigos políticos. Portas já se deve ter esquecido de quando era cabeça de lista às europeias, em 1999, e dizia para a direita não votar no biógrafo de Álvaro Cunhal, Pacheco Pereira, líder da lista do PSD. Então por que há-de um cidadão ficar mais convencido a votar num PP que usa o verbo do PCP? Qualquer dia ouvimos Portas a dizer que "o povo unido jamais será vencido!!" Nunca se sabe...

O apelo de Nobre Guedes (na quinta-feira) à população de Coimbra para não deixar José Sócrates entrar na cidade, mostra o carácter anti-democrático do dirigente do CDS/PP. Basta raspar um pouco do verniz de cavalheiro inglês (como os amigos o qualificam), para aparecerem estes traços de intolerância política. Assim, não admira que usem slogans do PCP na campanha. Estão uns para os outros: os que cercaram o Palácio de Cristal há 30 anos e os que estavam lá dentro.
Recebi um panfleto do PDA (Partido Democrático do Atlântico) na minha caixa do correio onde é proibido depositar publicidade. "Somos o Centro Liberal, queremos eleger apenas 10 deputados", diz a propaganda do partido açoriano. O ridículo não mata...

04 fevereiro 2005

Debate: não errar é uma virtude que sabe a pouco

Quando as coisas andam tão mal na política, um debate onde nenhum dos candidatos comete um erro grave já é uma vitória. Mas que não deixa de ser anódina. Se o fiel da balança eleitoral vão ser os indecisos, então este frente-a-frente de pouco serviu: José Sócrates estava demasiado tenso e não explicou o "como" das suas principais propostas, mas teve um discurso mais objectivo; Santana Lopes não conseguiu passar a ideia de que tinha um programa articulado para o país - foram poucas as ideias que me ficaram na memória -, e embrulhou-se demasiadas vezes numa retórica pouco clara.

A clivagem esquerda/direita também esteve tão esbatida que Sócrates até teve de dizer "eu sou socialista" (faltou-lhe o "até"), enquanto Santana mostrou um liberalismo inesperado sobre questões civilizacionais, ao admitir a eutanásia em certos casos e o aprofundamento das leis das uniões de facto.

A maior surpresa do debate foi mesmo Santana Lopes: tendo em conta os últimos meses, o facto de não ter cometido qualquer deslize grave já foi muito positivo (apesar do contorcionismo na conversa dos colos). A contenção de Sócrates à espera que o adversário se espalhasse desta vez não funcionou. Santana, por mais gelatinoso que seja politicamente, ainda não esqueceu o que sabe de televisão.

03 fevereiro 2005

Espelho mau, espelho mau - XII

Pois ontem calhou-me na sorte receber um panfleto do CDS/PP com a fotografia do "competente" dr. Portas na caixa do correio onde ostento, bem visível, o autocolante criado pelo eng. Sócrates há uns anos "Publicidade aqui não! Obrigado". A competente brochura, com o Paulo (versão ministro responsável) fotografado de frente, gravata grossa de nó lasso e camisa azul, com casado de griffe por cima a compor, estava colocada por cima dos papelacos enfiados à má fila por outros prevaricadores do autocolante socrático: o papelito do Paulinho misturou-se ali com as publicitações de hambúrgueres do MacDonald's, com pizzas variadas, mas sobretudo com os anúncios sempre tão úteis de canalizadores e técnicos especializados no arranjo de esquentadores, cujos são de uma simpatia que junto enviam os respectivos telemóveis.

Ora eu, bem vistas as coisas, até já nem me irrito com o facto de me desrespeitarem o autocolante proibitivo, sobretudo se for para me darem de comer ou para me arranjarem os electrodomésticos. Mas o dr. Sacadura Cabral não se inclui em nenhuma destas categorias e não fornece o telefone, o que me deixa aflito se precisar de um conserto no frigorífico ou na máquina de lavar. Vou fazer queixa ao Instituto do Consumidor, alegando invasão de privacidade e coacção, com dolo, para consumir um determindo produto de plástico indigesto.

02 fevereiro 2005

O brasão da minha terra tem um javali gordo a saltar um ribeiro. Por causa desta imagem, símbolo de Grândola, passei a infância a sonhar com grandes montadas a esse animal tão extinto que nenhum velho se lembrava de alguma vez ter lá visto um. Este fim-de-semana, o filho do vizinho dos meus pais atropelou um javali na estrada, 90 quilos, bom porte, dentição afiada, pêlo de arame, um belo animal. Espatifou o carro, e só não se matou porque não calhou, aquilo foi uma sorte no duplo sentido. O meu pai, especialista alentejano no desmancho de porcos, lá foi de faca afiada talhar a carne do bicho. E eu, mesmo sem ter feito nada, trouxe para Lisboa um quinhão de febras e lombo, como se fosse uma matéria preciosa. Comer javali atropelado é uma forma pouco empolgante de satisfazer um sonho de criança: caçar um lá na serra, isso é que havia de ser uma aventura. Pelo menos agora não estão em vias de extinção. Tão misteriosamente como desapareceram, estão a tornar-se uma praga para os agricultores.
Vou inscrever-me na natação. Pediram-me, entre outras coisas, quatro fotografias. Mas esqueci-me de perguntar se são em fato de banho, com óculos e touca de natação, para me poderem reconhecer na piscina. É que se for assim, vai ser um pouco humilhante a caminhada até à máquina automática de fotografias tipo passe mais próxima.
Uma das personagens de Noites Brancas de Dostoiévski é uma rapariga que vive sozinha com uma avó cega. Esta, para controlar os movimentos da neta, prende o seu vestido ao dela com um alfinete e passam assim longas horas sentadas a tricotar e a ler alto, respectivamente. Isto serve de exemplo de como as limitações à liberdade podem ser tão fortes ou tão fracas como um alfinete (ou uma avó). E de como muitas vezes as restrições estão dependentes da aceitação tácita de quem é restringido.

01 fevereiro 2005

Previa, mas não desejava, que as coisas corressem pior nas eleições iraquianas. A taxa de participação dos iraquianos foi, por isso, uma surpresa agradável. Ainda não se conhecem os resultados, mas a legitimidade eleitoral poderá agora ajudar a refrear os grupos mais radicais.
As autoridades do Reino Unido retiraram do mercado um analgésico devido à taxa de suicídio anormal entre os utilizadores. Parece que não há prova mais radical de que o fármaco não conseguia acabar com a dor.
Há uma diferença evidente nas estratégias de pré-campanha de Pedro Santana Lopes e de José Sócrates. Santana Lopes, o candidato que mais precisaria de uma estratégia de credibilização, faz discursos brejeiros e José Sócrates encontra-se com líderes estrangeiros. Já se reuniu com José Luiz Zapatero, chefe de Governo espanhol, Martin Schulz, presidente do grupo do Partido dos Socialistas Europeus, Durão Barroso, presidente da Comissão Europeia, Gerhard Schroeder, chanceler alemão, e Lionel Jospin, antigo primeiro-ministro francês. Sócrates fortalece a sua própria credibilidade política e Santana ataca veladamente a credibilidade pessoal de Sócrates, destruindo simultaneamente a sua.