O brasão da minha terra tem um javali gordo a saltar um ribeiro. Por causa desta imagem, símbolo de Grândola, passei a infância a sonhar com grandes montadas a esse animal tão extinto que nenhum velho se lembrava de alguma vez ter lá visto um. Este fim-de-semana, o filho do vizinho dos meus pais atropelou um javali na estrada, 90 quilos, bom porte, dentição afiada, pêlo de arame, um belo animal. Espatifou o carro, e só não se matou porque não calhou, aquilo foi uma sorte no duplo sentido. O meu pai, especialista alentejano no desmancho de porcos, lá foi de faca afiada talhar a carne do bicho. E eu, mesmo sem ter feito nada, trouxe para Lisboa um quinhão de febras e lombo, como se fosse uma matéria preciosa. Comer javali atropelado é uma forma pouco empolgante de satisfazer um sonho de criança: caçar um lá na serra, isso é que havia de ser uma aventura. Pelo menos agora não estão em vias de extinção. Tão misteriosamente como desapareceram, estão a tornar-se uma praga para os agricultores.
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