José Sócrates inaugurou a era do catenaccio político. Alcançou a maioria absoluta da mesma maneira que a Grécia bateu Portugal no Euro: sem arriscar, sem dar um passo em falso, a jogar sem na verdade jogar, a confiar no excesso de voluntarismo do adversário, à espera que o concorrente demasiado atacante se espalhasse sozinho e abrisse os flancos, a defesa, o ataque. Um jogo rígido, plástico, sem mostrar o que tem de bom para também não se ver o mau. E, no caso em concreto, a outra equipa ajudou. Nos últimos dias de campanha Santana comportava-se com o desespero das equipas que estão a perder 3-0, e Sócrates como as que têm o jogo garantido. Curiosamente, o PS conquista a sua maior vitória de sempre sem euforias. Quando uma equipa pratica catenaccio (ciência do futebol defensivo), tem a consciência que vence mais por demérito do adversário que pelos seus grandes pergaminhos.
Pedro Santana Lopes, na sua declaração de derrota, olhos avermelhados e voz baça, começou por dizer que tinha a "honra" de ser amigo de Paulo Portas. Porque Portas fez o que fez: demitiu-se assumindo uma derrota enorme, pouco mais de um por cento. Nesse momento, pareceu que ele havia de dizer: "O Paulo também terá a honra de me ter como amigo, porque a minha derrota é muito maior, e até contribui para a dele, portanto, demito-me e saio destas funções, porque fui derrotado e dei à esquerda a sua maior vitória de sempre, e é esta a melhor maneira de me responsabilizar por isso". Ora, nada de mais errado esperar tal coisa: Santana deixou o PSD no limbo: não se demitiu para ver quem eram os coelhos que saíam da toca. Só apareceu Marques Mendes, todos os outros estão por agora perdidos na confusão da contagem de espingardas. O Pedro tem um sonho, mas não percebe que o sonho dele se está a tornar o pesadelo da instituição que devia salvaguardar, caso se inspirasse verdadeiramente em Sá Carneiro. A sua permanência na liderança e uma possível recandidatura é uma tragédia que ultrapassa as fronteiras do PSD: porque Portugal precisa desse partido saudável.
Paulo Portas criou o happening da noite. Alguém acredita que pode haver um CDS sem P.P.? A vaga de fundo para trazer o Paulo de volta já começou. Resta saber se ele não colocou a fasquia eleitoral tão alta (logo ele, um conservador calculista) para não ter de passar quatro anos a fazer números de trapézio com cambalhota no Parlamento. Ainda terá paciência para isso? Prognóstico: se Portas sair mesmo - e se não se candidatar à Presidência da República -, voltará ao CDS como um messias dentro de dois ou três anos para disputar outras eleições em que possa regressar ao Governo.
Jerónimo de Sousa fez o PCP crescer em percentagem e em votos (50 mil), o que não deixa de ser extraordinário, já que não o fez à custa nem do PS nem do Bloco de Esquerda. Apesar de rouca, a voz do operário fez-se ouvir. O declínio final do PCP fica adiado por mais uns tempos, enquanto não se peceber muito bem o que a cabeça daquele homem simpático na realidade pensa.
Francisco Louçã não podia imaginar. Oito (oito) deputados, quando o Bloco só pedia o dobro de parlamentares e votação. Agora, e com a maioria absoluta do PS, isto não significa que o BE venha a ter o dobro da influência que tinha. Estarão eles desradicalizar-se? Temos de esperar para ver se Louçã consegue irritar Sócrates como tão bem conseguia fazer com Barroso.
Brancos foram os votos que cresceram quase o dobro. O resultado dos votos de protesto tem significado (mais de 100 mil) e devíamos reflectir sobr eo fenómeno, porque pertencem a cidadãos preocupados que não ficaram em casa a coçar a micose.
Abstenção não é preocupante. O nível alto de participação sim. Porque as pessoas perceberam que isto bateu mesmo no fundo e mais uns 300 mil resolveram ir votar. É bom, porque os portugueses se preocupam com o seu país e não se querem alhear. É mau, porque cidadãos mais despreocupados correspondem a sociedades e a momentos em que o contexto é menos grave.
Jorge Sampaio deve estar contente. Mesmo sem ter encomendado sondagens, interpretou o que sentia a sociedade portuguesa, que baniu Santana com uma maioria absoluta de um PS que tinha deixado má memória recente. Mas este momento dissolvente deve ser absolutamente excepcional. Tal como sucedeu, deve ser justificado apenas por razões políticas e de dignidade do Estado, e não por discordância em relação às políticas - de policy - (democráticas) que um Governo queira implementar. Para isso há o veto.
Sem comentários:
Enviar um comentário