29 março 2005

Nota: ler este post implica ter lido o anterior.

Pelo contrário, tendo eu crescido num Alentejo meio urbano meio rural, em Grândola, este fim-de-semana de Páscoa deparei com realidades absolutamente distantes da minha adoptiva e ruidosa rua do Arsenal. Devia achar tudo aquilo normal, mas a vida transformou-me num produto da cidade, por isso reagi com espanto e alguma nostalgia. E fingi que era tudo normal: na quinta-feira santa o meu pai matou quinze borregos no monte de um amigo que não tem coragem de chacinar a sua própria criação; na sexta-feira passou a manhã a desmanchar dois borregos dependurados no alpendre do nosso quintal (um deles que o amigo ofereceu); comemos os ditos cujos com prazer em grelhadas e ensopados; no sábado, o meu avô olhou para as suas alfaces, favas, ervilhas, e disse que se não caíssem umas gotas agora era nunca mais, e seria uma desgraça de seca; enquanto isso, eu, o meu irmão e a minha cunhada deitávamo-nos a adivinhar o nome das culturas quintaleiras do meu avô e não descobrimos todas...

Entretanto, a minha avó recebeu a chamada telefónica de um técnico do INGA, Ministério da Agricultura, que estava lá na aldeia, Ermidas-Sado, para recolher uma ovelha morta do rebanho do meu tio (é assim qe agora as coisas são: as ovelhas mortas vão para analisar, cada uma tem um número na orelha, só falta o obituário no jornal do agricultor). Como ouve mal, despachou o homem, dizendo que o meu avô também era surdo e não ouvia ao telefone. Teve de ser o meu pai, que por acaso estava lá em visita Pascal, a ir com o indivíduo às malhadas das ovelhas e recolher o corpo da defunda. Tudo isto me faz pensar como estamos tão longe da vida real da maior parte das pessoas do país, e esta é a minha família mais próxima... fossem só os ventos de Espinho...

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