Fui ver a Queda ontem, o filme sobre os últimos dias de Hitler no bunker, na expectativa de assisitir à tal humanização do monstro nazi, disseminadora de discussões e de polémica pelo mundo. Mas não. No máximo, uma humanização de Hitler em vez da sua diabolização, far-nos-ia pensar que foi um homem, como nós, que foi capaz de todo aquele mal. E a humanidade deve ficar marcada por isso.
O que o filme nos deixa é uma noção ambígua da personagem: entre o homem, atingido pela doença cuja mão treme sem parar, que beija ternamente a sua cadela, que abraça e beija a amante diante dos generais, que é gentil para a secretária; e o que ele representa, a figura histórica, o louco, que lança o povo para a morte, que não vê a destruição que semeou à sua volta, que nem respeita os que dão a vida por ele. Entre as duas visões, a humana e a histórica, sobrepõe-se a segunda: o culto da morte entre os nazis evidencia-se não pela morte de outros (não se fala ali do Holocausto), mas pela morte de si mesmos, seja pelos suicídios, seja pelas mortes infligidas por uma mãe de gelo a todos os seus filhos, seja pelas mortes dos berlinenses.
O mal absoluto está ali presente nas relações entre os próprios nazis e no sofrimento infligido ao povo alemão, com esta ironia: no fim de tudo, Hitler culpa o volk - o civilizado povo alemão que se deixou arrastar para barbárie nazi - pela derrota na guerra. Porque foi fraco.
Aqui sim, pode ver-se alguma catarse. Raramente os alemães aparecem como as vítimas. Neste caso, partilham o sofrimento com aqueles que fizeram sofrer, embora haja aqui lugar a uma sensação que uma palavra alemã define na perfeição: schadenfreude, o prazer de ver a desgraça dos outros, neste caso, o prazer mórbido de ver o que aconteceu aos nazis, sem qualquer hipótese de redenção.
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