04 maio 2007

Os anos passam e comentamos entre amigos que estamos todos como antes, ah, ah, até parece que mudámos, mas afinal estamos todos na mesma, só um bocadinho mais maduros... depois... depois combinamos uma peladinha de futebol e a realidade atropela-nos.

02 maio 2007

Levar a torradeira ao jardim

Há umas semanas, desde que vi uma mulher a atravessar a passadeira, mesmo diante do meu carro, a puxar um micro-ondas pela trela, que não consigo deixar de pensar em como a minha televisão deve estar triste na sala de estar.

30 abril 2007

Na rua da minha infância ninguém morreu, apesar de muitos terem morrido. De vez em quando a minha mãe conta-me que a mãe, o pai, o marido, a avó de alguém morreu. Como já não moro lá, as tragédias esbatem-se e é difícil ir mantendo um registo actualizado. Na dúvida, continuam todos vivos. Coexistem assim duas ruas. Uma em que há viúvos e viúvas e novos inquilinos em algumas das casas. E outra que se manteve inalterada desde que me mudei, com os mesmos habitantes, parada no tempo como uma fotografia. Nesta, até o campo de futebol ainda não foi substituído por mais um prédio de habitação. A primeira rua é mais verdadeira. A segunda é mais real.

23 abril 2007

A rua onde passei a minha infância e adolescência foi transformada em sentido único. É apenas irónico que as autoridades rodoviárias tenham confirmado, com uma placa, o que eu já sei há muito tempo.

22 abril 2007

Claude Lévi-Strauss escreveu que em São Paulo é possível dedicarmo-nos à etnografia dos domingos. Em Lisboa também. A tribo é a dos melancólicos: os que andam pelas ruas de comércio fechado, mais lentamente que nos dias úteis; os que se sentam numa escada a ouvir o som que vem das casas em que almoços familiares semanais se prolongam; os que procuram um porto de abrigo no único café aberto do bairro para lerem um livro; os que se sentam à porta de casa a descascar uma laranja com os dedos e a ouvir o relato; os que dizem «- Deve estar um dia agradável lá fora.» e carregam no telecomando para ver o que esta a dar noutro canal; o que observa e relata estas práticas de modo antropológico, observador-participante sem objectividade e com umas horas para perder.
Ontem um vento que já não faz frio percorreu-me os antebraços durante toda a tarde. Durante o passeio comprei os Essays de Francis Bacon numa feira ao ar livre de livros usados. Numa das primeiras páginas tem a inscrição: Luís Saavedra Machado/1939. No primeiro parágrafo do último ensaio (Of vicissitude of things), Bacon relembra a velha ideia de que a matéria se encontra em perpétuo fluxo. O facto de estar a ler essa frase, 68 anos após o Sr. Luís – provavelmente já morto e com a biblioteca disseminada pela cidade –, é prova suficiente dessa corrente, que é como uma profecia que se auto-realiza.

20 abril 2007

A criada veio trazer-me numa bandeja de cristal contente a rir cerimónia uma imensidade de compotas e refrescos. Devia ser uma criada nova com certeza, porque eu não a reconheci. Mas tão pouco podia compreender que tivessem tido o espírito de aceitar como servente uma extravagante que logo no primeiro dia entrava completamente nua no meu quarto a servir-me um primeiro almoço que nunca fora tão exuberantemente de meu hábito. E com uma destas naturalidades impressionantes desdobrou os guardanapos quadradamente azuis sobre uma mesa que eu também nunca conheci no meu quarto e foi dispondo com requinte decorativo prò meu apetite os cristais, os reflexos, os doces e as coxas. [José de Almada Negreiros, K4 O Quadrado Azul]

17 abril 2007



Desde que nasci que passo parte do verão por baixo de carvalhos, em volta deles, a tentar trepá-los sem sucesso. São centenários e têm raízes grossas que se espalham como veias dilatadas à superfície da pele e cavidades perfeitas para esconder e descobrir tesouros. A melancolia de final de férias faz com que traga quase sempre na bagagem umas landras (nome que dão às bolotas na região). No ano passado, depois de ter desfeito as malas, lancei-as de forma displicente para um vaso já ocupado por uma buganvília. Após meses de negligência descobri que nasceu um pequeno carvalho, agora com cerca de dez centímetros. Um carvalho num vaso, numa varanda de um quarto andar de Lisboa, parecerá absurdo a quem perceber de botânica. Não a quem perceber de psicologia. É só uma questão de tempo até ter de tomar uma decisão sobre o destino a dar-lhe. Para tudo é apenas uma questão de tempo.

16 abril 2007

Num diálogo do Livro V da República Platão sugere que na cidade ideal os filhos deveriam ser tirados aos pais ainda bebés e entregues ao cuidado do estado. Pais e filhos não se reconheceriam. As mães «de seios túmidos de leite» seriam levadas até às crianças sem que pudessem pressentir se estavam a amamentar a sua.
Pensei várias vezes esta manhã que algumas utopias só falham pelo exagero enquanto subia do Calvário para as Necessidades para levar a L., com cinco meses, ao seu primeiro dia de infantário. Pensei também na história do irmão da Isabel: prepararam-no para o primeiro dia de primária e parece que as coisas correram bastante bem. No segundo dia, quando o foram acordar para ir para a escola, exclamou admirado «– Outra vez!», sem perceber que ainda o aguardavam muitos anos de aulas.

15 abril 2007

Paul Verlaine tentou matar a própria mãe em duas ocasiões diferentes ao longo da vida de ambos e numa outra o seu amante Rimbaud. Nos três casos estava sob o efeito do álcool ou da poesia, substâncias que tendem a despertar o lado teatral e trágico dos seres humanos. Com Rimbaud a cena passou-se em Bruxelas, em 1873, e foi a última vez que se terá passado alguma coisa de interessante nessa cidade.

13 abril 2007

É conhecido que os utilitaristas eram filósofos com um espírito prático. Jeremy Bentham, por exemplo, desenhou planos para um novo tipo de prisão. A distribuição do espaço no panopticon faria com que os guardas pudessem observar os prisioneiros mas não o contrário. A ideia era moldar o comportamento dos reclusos através de uma combinação de omnisciência e de incerteza. Na dúvida, teriam de agir como se estivessem a ser observados.
Não foi a primeira vez que a arquitectura tentou chegar a deus, apenas uma das mais estranhas. Como qualquer teólogo cristão poderá confirmar, será igualmente uma tentativa votada ao fracasso. A incerteza faz apenas com que os espíritos oscilem entre a piedade e a expiação.

02 abril 2007

Pergunta sem resposta,de que me lembrei agora mesmo: pode-se morrer mais tarde, com o aumento da esperança de vida, mas poder-se-á nascer mais cedo?

01 abril 2007

ship of fools

Hieronymus Bosch, The Ship of Fools, 1490-1500


A nave dos loucos foi uma imagem bastante utilizada pelos teólogos da Idade Média para representar a humanidade como o grupo de passageiros de um navio que não sabe, nem quer saber, para onde este navega. Mas a alegoria é redutora. Há sempre os que se aborrecem com os jogos de cartas, os daiquiris no bar da piscina e percorrem a amurada em busca de um sinal de terra. De facto, as personalidades humanas dividem-se entre os que embarcam pela viagem e os que embarcam pelo destino, entre a vida-cruzeiro e a vida-cacilheiro. O mais estranho é que, na minha opinião, é impossível dizer qual dos dois grupos está certo ou é mais feliz.

28 março 2007

O tributo das sereias

Eu cá nunca pesquei sereias nem tritões, nem nunca lhes ouvi cantares, nem comi caldeiradas de peixes assim. Mas ao ler a Descrição da Cidade de Lisboa, de Damião de Góis, descobri que ambas as espécies abundavam nas águas doces e salgadas da capital portuguesa, até havendo um imposto lançado sobre essas especiais pescarias. Num contrato entre Dom Afonso III e o mestre dos Cavaleiros de São Tiago, que o autor terá visto com os seus olhos, estabeleceu-se que "o tributo das sereias e dos outros animais pescados nas praias da mesma ordem se devia pagar aos reis". Ora deve ser de ouvir tanto canto das sereias que este país se tornou nisto...

13 março 2007

O chão da nossa casa é de tábua corrida. A madeira brilhante, clara e lisa range em alguns sítios e, por isso, por vezes parece que estamos a andar sobre o convés de um veleiro, com o cordame a gemer ao ritmo da ondulação. Estamos fundeados numa baía, à espera do escaler que nos há-de levar a terra. Não chegamos a ir, mas a expectativa mantém-nos alerta, a espreitar pelas janelas, a sentir o vento no cesto de gávea.

12 março 2007

pólen

A minha alergologista disse-me que talvez tenha chegado a altura de me insensibilizar. Nunca nenhum médico que tinha dito que havia essa opção.

09 março 2007

His nearness to the devouring sun softened the fragrant wax that held the wings: and the wax melted: he flailed with bare arms, but losing his oar-like wings, could not ride the air. Even as his mouth was crying his father’s name, it vanished into the dark blue sea, the Icarian Sea, called after him. [Ovídio, As Metamorfoses]

Desaparecer no azul profundo do mar, como Ícaro, por uns segundos. O verão ainda tão longe.

08 março 2007

Um post sobre nada

Por uma ligação que parece impossível, as casas de banho públicas com iluminação activada por sensores de movimento são propensas a criar ambientes de rodeo. Se demorarmos um pouco mais em frente ao urinol a luz apaga-se e vemo-nos na estranha situação de ter de manter uma mão a segurar o pénis e a outra no ar a fazer movimentos circulares para que ela se volte a acender.

(Tive o cuidado de não recorrer ao uso de metáforas – touro, animal, etc. – para não pensarem que me estou a gabar. A modéstia nunca é demais, ao contrário das figuras de estilo.))

25 fevereiro 2007

À menina Maria da Graça

Há dias veio-me parar à mão um livro especial. Certa tarde, nos anos 30, um homem gentil e reservado, que traduzia cartas comerciais ali numa firma da Rua da Prata, recebeu um pacote. Uma editora enviava-lhe os primeiros exemplares impressos do primeiro livro. Ele abriu-o, sem saber que nunca mais veria o primeiro exemplar de livro nenhum. Tirou o volume que estva apor cima, dedicou-o, e ofereceu-o à rapariga que lá trabalhava. "Com estima, Fernando Pessoa". E ali estava eu agora, com o livro na mão, a vê-lo, de lacinho, calças curtas, prestes "a descer a rua do Ouro a pensar em tudo o que não fosse a Rua do Ouro", a dizer, "menina Maria da Graça, aqui tem. E... não há um valezinho este mês? Ah, então não faça caso, não se preocupe, já cá não está quem falou". E a dar-lhe aquele poema, "Liberdade", batido à máquina, e corrigido com a sua caneta, que ficou ali dentro, dobrado, durante 70 anos. Eu emociono-me quando me encontro com objectos especiais. Devia ter sido antiquário. Não. Talvez rico e coleccionador, porque não era capaz de me separar de objectos destes.

14 fevereiro 2007

Comprámos uma gaiola chinesa, apesar de não termos um pássaro. Como uma gaiola vazia deixa de ser um objecto para passar a ser um símbolo, decidimos pôr lá dentro o mais parecido que temos com um canário, um CD da Madame Butterfly. Primeiro pensei pôr-lhe no interior a P.J. Harvey, mas cheguei à conclusão que ela deve ser como o Quetzal, que morre quando lhe tiram a liberdade. Em todo o caso, deixámos a porta da gaiola entreaberta, para preservar o que lhe resta de simbólico.

21 janeiro 2007

Slows: da pastilha ao SMS

A minha amiga Dulce Garcia escreveu esta semana uma crónica para a revista Domingo do Correio da Manhã sobre essa instituição da nossa adolescência que era, meus amigos e amigas, o slow. A leitura do texto fez-me lembrar as matinés de sexta-feira no Desportivo Grandolense, que podiam alternar com matinés na sede do PPD ou na Música Velha (que ficava na porta ao lado e era afecta ao PCP, para que não haja equívocos). Era o grande tormento da Associação de Pais do liceu, onde o presidente da dita perorava contra esses antros de iniciática perdição (em tabaco, álcool, sexo, drogas, faltas injustificadas, sabia-se lá...). Ora esse pai, o presidente, era exactamente o pai de uma das mais requisitadas moças para o grande momento dos slows, embalantes, dos finais dos anos 80. Aquilo era assim: primeiro, iam os casais de namorados; depois, seguiam os quase-quase namorados e os galãs das curtes irresistíveis; depois seguiam os mais tímidos ou aqueles cujas conquistas exigiam mais "tácticas". Uma dessas tácticas - e aqui some-se todo o romantismo que o momento podia envolver - era, segundo o meu amigo Alberto, a "táctica da pastilha". Consistia em tirar a pastilha da boca (Gorila, de preferência), de forma mais ou menos evidente, antes de pegar na rapariga, e esperar pelo sinal. Se ela também deitasse fora a sua, a curte estava garantida. Como é que se faz hoje? Manda-se um SMS?

18 janeiro 2007

A foggy day...

Este domingo, no Parque das Nações, ainda pensei que me podia cruzar com o D. Sebastião a correr, a andar de bicileta ou a passear o cão. Que bela manhã de nevoeiro...

Foto: Vítor Matos

A inveja da sorte

Os confettis no passeio faziam-me, confesso, alguma inveja. Quando eu morava na rua do Arsenal, na Baixa, tinha a duas portas da minha uma casa da sorte, que assinalava assim, com papelinhos cor-de-rosa e fitas de Carnaval o prémio de um cliente, confirmando-se que os sortudos tinham ali a sua casa. Nunca os deitaram por mim, que não jogava lotaria nem totoloto. A excepção foi quando ganhei nove euros, no Euromilhões, em que joguei levado pela febre de um jackpot. Afinal, quando fui levantar o prémio, tinha deixado caducar a data. Não tive direito a confettis.

Zeus e danaes

Na única vez que fui experimentar a sensação de enfiar moedas numa slot-machine, no Casino Estoril, assisti a um fenómeno curioso. Antes da abertura das portas já inúmeras pessoas se distribuíam ao longo de uma linha de partida imaginária e à hora certa parecia a Saída dos Operários das Fábricas Lumière ou uma corrida de reclamação de terras no Far West: pessoas a correr para ocuparem as máquinas que tinham passado a noite anterior a engravidar de moedas. Assisto a algo semelhante quando passo de manhã frente a uma casa de apostas da Rua de Alcântara. Pouco antes das nove horas já há uma fila de pessoas à espera que a porta se abra. Lá dentro apenas se vende totobolas, totolotos, euromilhões e raspadinhas. Um vício estranho e que, como todos os outros, não pode esperar.

16 janeiro 2007

A L. descobriu a mão. E chucha indiscriminadamente o mindinho, o seu-vizinho, o pai-de-todos, o fura-bolos e o mata-piolhos.

15 janeiro 2007

Iwo Jima e Guiné

As "Bandeiras dos Nossos Pais", de Clint Eastwood, é um grande filme: boa narrativa em trança, filme complexo, e imagens de guerra talvez melhores que o desembarque na Normandia do Soldado Ryan. Mais do que a crueldade, mostra a crueza da guerra, a sorte e o azar dos acasos, mas sobretudo a memória. "Doc" passou toda a vida a ouvir chamar "Socorriista!!". Conheço homens que estiveram com o meu pai na Guiné que também ouvem as vozes da guerra durante a noite, que não os deixam dormir e os desesperam. Nós temos homens como os de Iwo Jima entre nós. Só não temos é como tornar esses sentimentos evidentes com grandes filmes, porque não temos meios (e se calhar talento) para os fazer.
[A nossa lista de mundos infinitos foi actualizada. O único critério para retirar ligações foi a inexistência de posts há mais de seis meses. Espero que a limpeza de ano novo não seja encarada como uma forma de punição. O critério aplica-se a todos nós, que escrevemos contra o tempo: publish or perish.]

14 janeiro 2007

Guilherme de Faria, poeta sobre quem o José Rui Teixeira está a preparar a tese de doutoramento, suicidou-se na Boca do Inferno, onde o mar é revolto. O fim estaria mais apropriado para Rimbaud ou Baudelaire, que eram poetas malditos mas morreram numa cama. Não sei qual foi a influência do Simbolismo em Guilherme de Faria, mas é preciso carregar a certeza de uma culpa sem redenção para não tentar pelo menos o Purgatório.

11 janeiro 2007

Três anos... é algum tempo!

Como nos casamentos, convém de vez em quando refazer os votos. Este blogue, meus amigos, fez antes de ontem três anitos. Para que os votos se renovem, aqui se reposta o texto inaugural de Através dos Espelhos. Aproveitando a ocasião, e parecendo que o tempo é circular, inaugurei hoje, com o João Cândido Silva, outro blogue, o Elevador da Bica. Não, não deixarei de escrever aqui, para infelicidade dos meus amigos, mas fá-lo-ei num registo mais aproximado da prosa do quotidiano do Tiago (aproximado, sim, porque eu não sei escrever bem como ele), e os assuntos mais políticos e de comentário ficam para o elevador. Continuem a aparecer porque nós continuaremos os nossos reflexos.

09 Janeiro 2004
Primeiro reflexo

O espelho é um objecto estranho. Por reflectir a realidade, e sobre ela, mas não ser a própria realidade, abre infinitas possibilidades de distorção. Por isso, neste blogue, teremos por vezes uma realidade convexa ou côncava. Basta dobrarmos ligeiramente a superfície, mais por motivos estéticos do que ideológicos. Não para distorcer a realidade, mas para construir outras representações dela. A sensação poderá ser, para quem lê, a de caminhar pelo meio das galerias de espelhos dos parques de diversões, onde nós e tudo o resto que as atravessa passa do grotesco ao ridículo com um passo, do semelhante ao desigual. Também gostamos do jogo de distorcer pessoas, devolvendo-lhes depois os rostos intactos. Os espelhos têm ainda outra característica, que não escapa a todos que se debruçam sobre eles*: a profundidade. Se nos aproximarmos, parece que podemos cair para o outro lado. Neste blogue seremos seres intermédios entre Giordano Bruno e Alice: acreditamos na infinidade dos mundos e usamos os espelhos para entrar neles.

No mundo da política, da sociedade, da cultura, da ciência. Entramos e tudo nos é estranho. Contamos o que vemos. Regressamos aparentemente iguais. Depois ardemos todas as noites nas fogueiras ateadas com as folhas escritas. E espelhos somos nós também, porque reflectimos as realidades conforme a nossa superfície foi sendo talhada: não pronunciamos verdades absolutas, que não as temos, mas aquelas que o nosso espelho de água devolve aos que se miram em nós, como o lago que chorou a morte de Narciso porque se reflectia nos olhos do jovem enquanto ele admirava o seu próprio reflexo. É através de um falacioso espelho de feira - a maneira de cada um de nós ver o mundo -, que aqui projectamos a imagem que temos dele. Sejam bem-vindos

Tiago Araújo/Vítor Hermes

*Como Umberto Eco (Sobre os Espelhos e Outros Ensaios ,Difel) ou Jorge Luis Borges (Obras Completas, Teorema).

10 janeiro 2007

O vestido cor de fogo

A história é triste. Fanny morre. Era a segunda mulher de Henry Wadsworth Longfellow, poeta americano que viveu entre 1807 e 1882. Segundo se conta, Fanny estava a selar um envelope com caracóis de cabelo que tinha cortado a duas das suas filhas mais novas e o seu vestido incendiou-se. Longfellow tentou salvá-la e ficou com queimaduras no rosto, que ocultou com uma barba durante o resto da vida. A imagem de Longfellow a abraçar a mulher para tentar extinguir o fogo que a consumia é de uma beleza trágica. Se a isso juntarmos caracóis de cabelo selados em envelopes parece-me que temos o espírito do século XIX.

09 janeiro 2007

Room service

A caminho do pequeno-almoço vi, junto à porta de um dos quartos do hotel, um tabuleiro com o pouco que sobrou de um fondue de chocolate e morangos. Na maçaneta estava pendurado um sinal de do not disturb. Ao passar, sem ruído, pensei que do lado de dentro deviam estar duas pessoas sem receio de expor os restos da sua paixão ou uma a tentar esconder a totalidade do seu isolamento.

03 janeiro 2007

O talho


O interessante na pintura mais recente de Lucian Freud é o modo indiferente e amoral com que pendura as peças de carne pelo espaço. Não é como a de Francis Bacon, em que a carne já está retalhada no gancho que a suporta, gerando repulsa e necrofilia. Nos quadros de Freud, as pessoas não foram apanhadas num qualquer momento especial das suas vidas. Estão inertes, sonolentas, prostradas e o desejo existirá antes ou depois daquele momento. Não sabem que estão a ser pintadas ou não têm forças para oferecer resistência.

02 janeiro 2007



Um jornal inglês calculou que Lucian Freud, o pintor britânico, teve cerca de quarenta filhos ilegítimos ao longo da vida. Tive oportunidade de ver uma retrospectiva da pintura de Freud em Veneza, num museu com vista sobre a Praça de São Marcos. Foi provavelmente a exposição individual que mais me marcou até hoje. Ao ler a notícia, quase dois anos depois, percebo porque é que grande parte da obra é composta por representações de nus.

01 janeiro 2007

Filas e Felicidade

Por falar em felicidade e economia, na semana entre o Natal e o Ano Novo, deparei-me com três curiosas filas, que em comum têm apenas o facto de a uma pessoa se seguir outra, com a paciência de esperar o tempo que for preciso pelo seu lugar, de modo a satisfazer determinada necessidade.

- Uma fila enorme na rua Garret, no Chiado, de gente a comprar café na loja da Nespresso (nota: não estava lá o George Clooney e as bombocas de café podem encomendar-se pela Net);

- Uma fila enorme na Fundação Gulbenkian para ver a exposição do Amadeu Souza-Cardoso (nota: a mostra está aberta nas sextas-feiras até à meia-noite);

- Uma fila enorme diante de uma carrinha branca, no jardim Constantino, de sem-abrigo a receber malgas de sopa (eram mais copos de plástico), para aconchegar o estômago.

Bem, isto foi uma hipótese de auto-resposta ao meu post anterior.

PIB e Felicidade

A edição especial de fim de ano da Economist levanta uma questão interessante: a relação entre desenvolvimento económico e felicidade.

Somos 3% mais felizes quando a economia cresce 3%? Somos mais felizes na China, onde a economia cresce loucamente, na Finlândia, onde os indicadores de desenvolvimento são os melhores do mundo, nos Estados Unidos, onde fica a capital do Império, ou em Belize onde o pessoal anda de chinelos a dar mergulhos entre os corais?

Uma vez entrevistei um economista ilustre, um senhor idoso chamado David Landes, que escreveu um este livro: "A Riqueza e a Pobreza das Nações", porque é que umas são mais ricas e outras mais pobres. Ele dizia qualquer coisa como isto: nos países desenvolvidos, a felicidade é um subproduto. Perguntei-lhe se podíamos medir a felicidade. Ele disse que não. Para que é que tudo isto serve, então? Ele respondeu-me com a história de um livro que estava escrever, sobre herdeiros de grandes fortunas, dizendo que fulano de tal passava o dia a jogar ténis e a andar em grandes carros... não seria feliz? Mas não seríamos nós, eu jovem e ele velho, mais felizes porque até gostamos de trabalhar?

Não sei onde esta conversa toda nos poderia levar...
"The past is no good to us. The future is full of anxiety. Only the present is real - the here-and-now. Seize the day".

Conversa de dr. Tamkin para Wilheim em "Seize the Day", de Saul Bellow

29 dezembro 2006

As coisas que usamos para marcar as páginas dos livros revelam bastante sobre nós. Durante muito tempo usei bilhetes de comboio. Lia nos comboios, encostado ao vidro, com o sol e as sombras a alternarem-se sobre as folhas, ou de pé, nas horas de ponta. Quando depois andava pelas ruas de Lisboa, com o livro na mão, a ponta do bilhete traia a minha natureza suburbana. (Uma natureza de que sempre me orgulhei. Nos subúrbios os movimentos de experimentação cultural, em especial na música, eram muito mais activos do que no centro da cidade. As tribos eram mais variadas e criativas: os heavys, os vanguardas, os rockabillies.) Depois usei quase tudo: talões de multibanco, pacotes de açúcar vazios, guardanapos de café. Tudo isto porque nos últimos tempos tenho reparado que utilizo quase sempre os próprios talões de reposição que as editoras colam na página três dos livros. Dei por mim a pensar se isso não quererá dizer que não tenho tempo sequer para me levantar e procurar uma coisa mais apropriada. Seja como for, tenho apenas uma regra: qualquer coisa serve como marcador de livro, menos um marcador de livro.

27 dezembro 2006

Na cidade são os hábitos que fazem as aldeias. Os lugares que costumamos frequentar geram padrões de comunidade, que podemos abandonar ou adoptar de modo voluntário. A contiguidade geográfica não é um factor relevante. Os locais onde vivemos, passamos os tempos livres e fazemos compras podem ficar a alguma distância uns dos outros, com muitas ruas inospitaleiras pelo meio. Nestas aldeias, muitas vezes as ruas têm nome, mas as pessoas não. Têm rosto e função: quem nos serve o café, quem nos traz o correio, quem se costuma sentar ao nosso lado nos transportes públicos, quem lê o jornal todos os sábados na mesa em frente à nossa. Os amigos têm todos nome, mas geralmente também só encontramos os que frequentam os mesmos lugares. Para o bem e para o mal, vivemos nas aldeias que criamos.

26 dezembro 2006

Sem aquecimento central, refugiamo-nos numa das divisões da casa, com as portas e as janelas trancadas e um aquecedor. Os vidros estão embaciados. Lá fora pode ser a Sibéria e estarem a passar tribos nómadas de criadores de renas. Com as sobras do natal podemos sobreviver até ao próximo equinócio. Alguns dos nossos amigos voaram para sul*. Nós ficámos parados nesta estação.

* De avião, para o Brasil.

19 dezembro 2006

O A. ofereceu-me O Mito de Sísifo de Albert Camus. O ensaio que dá o título ao livro centra-se na fase em que o herói desce a encosta para recuperar a pedra que rolou até ao sopé da montanha. Para Camus esse é um momento trágico, em que Sísifo se torna consciente da sua condição. Passa os únicos instantes em que podia desfrutar da vista e do ar da montanha a cismar no sentido da vida e nos problemas no trabalho. Camus termina o texto com a frase: É preciso imaginar Sísifo feliz. E isso resume toda uma filosofia.

17 dezembro 2006

A lenda atribui o feito a Ulisses, mas é mais certo que tenham sido fenícios, de Tiro, a fundar Lisboa. Meteram-se em barcos e atravessaram todo o Mediterrâneo e umas milhas de Atlântico para construírem uma cidade frente ao estuário do Tejo, na rota entre a Fenícia e as Ilhas Britânicas, onde comerciavam metais. A maioria dos fenícios já partiu, alguns provavelmente foram mudando de nome e vivem na mesma encosta ou na encosta ao lado.
Passados mais de dez séculos, militares portugueses fizeram o caminho inverso. Passaram ao largo de Ítaca e estão neste momento estacionados perto de Tiro, uma cidade do actual Líbano, como parte do contingente da FINUL. A ironia é ainda maior quando nos lembramos que Portugal decidiu enviar uma companhia de engenharia de reconstrução. Os momentos em que a História permite a retribuição são raros. Se ainda existem fenícios em Tiro, qualquer que seja o seu nome, espero que tenham ido até à praia saudar o regresso dos barcos.

13 dezembro 2006

Estive em Berlim por momentos. Para ter a perspectiva dos anjos, subi à torre da televisão (365 m), no lado oriental da cidade, ao fundo de uma avenida a que chamam «sob as tílias». As árvores não têm folhas nesta época do ano e as iluminações de Natal sobem pelos galhos despidos como trepadeiras de luz. Não consegui ouvir os pensamentos dos berlinenses, apenas o meu, repetitivo: als das kind kind war.
(Delacroix, La liberté guidant le peuple, 1830)

A J. passa tanto tempo com a mama de fora por estes dias que fico sempre à espera que apareça uma multidão em fúria a segui-la quando atravessa os corredores da casa.
Moro num quarto andar sem elevador e por isso quando digo ao rapaz da telepizza para ficar com o troco, não é uma gorjeta, é um pedido de desculpas.

04 dezembro 2006

Ainda não andava na escola e os miúdos da rua da minha avó eram quase todos maiores que eu. Armávamo-nos de paus compridos com um mais pequeno atravessado, pregado com um prego e tínhamos a espada. Depois, com contraplacado, fazíamos escudos, que segurávamos com cordas ou fios eléctricos. E enchíamos os bolsos com pedras. A seguir, as hostes inimigas enfrentavam-se na "Sopa" - o largo em frente à abandonada Igreja de são Pedro, a antiga sopa dos pobres, em Grândola - e lutávamos. Não me lembro de ficar magoado, embora duvide que tal se devesse à minha valentia. Nem faço ideia se alguma vez aleijei alguém. Era pequeno e até à adolescência fui fraco na luta corpo a corpo. Mas aquela coisa bélica, natural, em crianças a fazer de soldados medievais dava uma adrenalina que não esqueço. Talvez a mesma razão levasse o Tiago a ser cúmplice nos assaltos à fruta dos quintais alheios. Em geral, também eu fui bem comportado, mas hoje sei porquê: havia uma dimensão ética qualquer, o que na infância é um misto de medo e dever ser perante o bem e o mal, que vem da autoridade dos pais, e mantém um certo padrão ao longo da vida.
Em algumas noites de verão, entre o final da infância e a adolescência, os rapazes da minha rua juntavam-se para ir à chinchada, i.e. roubar fruta aos quintais das vivendas mais próximas. Nada muito industrial ou destruidor, apenas umas quantas ameixas ou nêsperas. Como não acredito que alguém tivesse realmente fome, a actividade parecia fazer parte de um conjunto de rituais de passagem adaptado aos meios suburbanos. Eu também ia, mas o mais estranho é que na época não gostava de qualquer espécie de fruta. Não era dos mais aventureiros, dos que subiam aos ramos mais altos ou entravam nos quintais guardados por cães. Pelo Contrário. Mas ia. O padrão tem-se repetido em muitos outros momentos. Sempre fui relativamente bem comportado, mas mais por defeito de personalidade do que por gosto. Limito-me a acompanhar, de forma silenciosa e discreta, as caçadas e atrai-me o lado sombrio das coisas, de que nunca passarei de um aprendiz.

01 dezembro 2006

Voto gága

Quando ontem o Parlamento propôs aos deputados o voto de pesar por Mário Cesariny, depois de um dia inteiro de senta e levanta pelo Orçamento de Estado, ele havia de ter levantado a gola do peludo e rido, e dito Gága, Gága, ou assim "- O que é a pátria?/ É uma coisa sem solução", entre outras coisas:

Nesta ilusão iludi-me.
A hora da vida já
Soltou uma gargalhada
E saiu pela janela
(...)
Fiz da vida ida.
Fiz da morte volta
Gága, gága, gága.
Fiz de pedra tudo.

27 novembro 2006

Promoções

Quando entrei na Almedina do Saldanha, saltou-me à frente uma moça com sotaque do Porto e a dizer, Olá, eu sou escritora!, Quer ver um dos meus livros?, sabe que eu sou do Porto, e é muito mais difícil ser conhecida aqui em Lisboa... Sou professora de Português, e olhe, este é o meu primeiro livro, em que a personagem principal é um médico, este é infanto-juvenil, tem filhos?, é sobre o planeta Plutão, aquele aqui de baixo é o mais recente... Não vai levar nenhum?...
Bem, eu fiz como no supermercado, quando aparece uma moça vender iogurtes ou azeites ou paté, e disse, tenho de ir ali ver detergentes de outra prateleira. Depois vi a rapariga repetir a mesma figura uma e outra vez. Não levei nenhum dos dela. E tive um sentimento que detesto, que é sentir vergonha pelos outros.
Não posso deixar de pensar que as nossas amigas produzem líquido amniótico em excesso. A expressão «rebentar as águas» atingiu um óbvio exagero. Quando há cerca de um mês nasceu a Francisca, a baixa de Pombal, a cidade do pai, ficou totalmente inundada. O Ruca comentou connosco a coincidência com um sorriso, quando a fomos ver à maternidade. Agora, na sexta-feira passada, nasceu a Rita e metade do país ficou submerso. Ainda não a fomos visitar e por isso só sabemos pelo Zé Pedro que é comprida, cabeluda e linda. Ao que parece, tem o sorriso da Mafalda. Bem-vinda. Darei mais notícias quando a for conhecer.

(Aliás, por motivos que se estão a tornar óbvios, estamos a pensar mudar o nome do blogue para Boletim da Associação Nacional de Médicos Obstetras.)
Na infância, quando o meu conhecimento do mundo e da língua era ainda (mais) imperfeito, não conseguia compreender o sentido da expressão: depois da tempestade vem o Bonanza. Mesmo assim, quando a chuva parava, conseguia ouvir distintamente o galopar de cavalos.

24 novembro 2006

Delfos vs Job

Conhece-te a ti mesmo, pois, é bonito dizer, mas tu és tu na relação com os outros, e, assim, como é que sabes os teus limites em relação ao que te cerca? Ontem vivi um desses momentos: a gota de água faz transbordar o copo? O copo está meio, mesmo cheio ou completamente vazio? Em função do meu conhecimento sobre mim, a realidade é uma coisa. Quando ponho o que conheço de mim numa perspectiva (em relação ao que conheço dos outros), a realidade é uma coisa diferente. Devemos ser como Job e suportar todas as provações? Ou considerar qualquer infâmia (pequena ou grande) inaceitável em função do conhecimento que achamos que temos de nós mesmos? Às vezes, o Livro de Job não traz maus ensinamentos, mesmo se nos servirmos da frase escrita à porta de Delfos para nos enchermos de confianças. Às vezes, é preciso ter calma, e pensar que se no nosso trabalho nem tudo é perfeito, há muitos empregos em que apenas nem tudo é mau. Por enquanot sou Job.

20 novembro 2006

No frontispício do Oráculo de Delfos foi inscrita a frase: «Conhece-te a ti mesmo.» Não há indicação de que as restantes paredes do templo dissessem o que fazer depois disso. Como manual de auto-ajuda é muito limitado. Na ausência de conselhos posteriores, interpreto o silêncio do oráculo como a impossibilidade de passarmos dessa fase.
Uma das coisas que me leva a pensar que não me preparei o suficiente para a paternidade é não saber muitas canções de embalar. Ontem ao fim da tarde, para tentar acalmar a L., cantei-lhe Dead Beat Club dos B52’s, Ask dos The Smiths e Into My Arms de Nick Cave. Resultou. Atribuo o êxito mais a um bom gosto musical herdado geneticamente do que à minha (má) voz.

17 novembro 2006

Volto ao trabalho após três semanas de dedicação exclusiva à puericultura. Tenho receio de encontrar alguém mal-disposto numa das salas e tentar pô-lo a arrotar. Colocar a cabeça no meu ombro, dar uma palmadinhas nas costas e dizer baixinho «Pronto, pronto, isso já passa.»

05 novembro 2006

Notícias do génesis

No princípio a terra era informe e vazia, as trevas cobriam o abismo e o espírito movia-se sobre a superfície das águas. Agora já não. A Laura nasceu há uma semana. Observa-nos com o mesmo olhar de curiosidade e incompreensão com que a observamos a ela. É como olharmo-nos a um espelho para nos aprendermos a reconhecer. Ainda não conseguimos atravessá-lo, embora por vezes as mãos e os braços mergulhem até ao fundo para a resgatar do choro no interior das águas. Estamos a habituar-nos a novas rotinas e os dias têm passado muito rápido. Ao sétimo dia, descansámos, que a criação de um mundo provoca fadiga para além do orgulho.

(Obrigado a todos pelas mensagens de boas-vindas que nos chegaram por correio, correio electrónico, telefone, sms e comentário no blogue.)

02 novembro 2006

O século das luzes

O século XXI recebe os recém-nascidos como eles próprios toda a vida imaginaram que seriam recebidos quando nascessem no século XXI. A Laura, por exemplo: da primeria vez (e única) que a vi, tinha uma cama de luz violeta, e pairava nela sobre um gaze levezinho, como se estivesse numa nuvem. Ou num episódio do Caminho das Estrelas. Terça-feira, quando visitei a Joana e o Tiago no hospital, estava ela a atestar baterias mamando fervorosamente como desde sempre a humanidade fez, e então percebi que se o menino Jesus não tivesse nascido tão cedo na História tambem havia de ter preferido o calor da luz ao bafo da vaca. Laura, o mundo ainda é o que é, mas tem vindo a melhorar. Benvinda ao século em que foste imaginada.

30 outubro 2006

A aterragem da Cegonha

Belém, dia 29 de Outubro
"O voo JT1502 aterrou em segurança no aeroporto Francisco Xavier às 20h47. A passageira Laura já desembarcou os seus 2,915 kg e fez check-in no peito da mãe" - foi o SMS do Tiago ontem à noite, pouco tempo depois do corte epistemológico da paternidade o ter atingido. Dia de alegria. Os reis magos estão prontos para a rumar a Belém.

27 outubro 2006

Pensar que saiu de dentro dela

A Francisca tem quase o dobro da idade que tinha na primeira vez que a vimos, ontem à noite. Quanto entrámos no quarto da maternidade, estava enrolada numa manta cor-de-rosa e nos braços da Isabel, sonolenta de mamar. Tem cinquenta centímetros. Deve ter estado enrolada como um bicho-de-conta na barriga da mãe no final da gravidez. Não demorámos muito. Uma grávida a visitar uma maternidade corre o mesmo risco que uma pessoa sã a visitar um manicómio. Por mais que assegure que está só de passagem, podem não a deixar sair.

25 outubro 2006

"Entre nós e as palavras...

... há metal fundente", escreveu Cesariny num poema excepcional, de múltiplas aplicações. Entre nós e as palavras dos políticos, o que há é material gasoso.

Na campanha eleitoral, em 2005, Sócrates disse isto: "As taxas moderadoras servem para moderar os excessos de alguém que vai usar uma emergência hospitalar sem razão, para que tenha uma penalização. Não serve para financiar o sistema. O sr. primeiro-ministro [Santana] falou foi numa taxa que permitisse aumentar as receitas do Estado no Serviço Nacional de Saúde. Isso é na prática um novo imposto. Isso é um erro". Entre estas palavras e os factos de hoje, há metal contundente, mas inconsequente. As taxas de utilização na saúde, para cirurgias e internamentos, são o quê?

No debate com Santana na SIC, também em 2005, Sócrates afirmou o que toda a gente sabe: "Não estou de acordo com a subida dos impostos, não estou (...). Foi no momento de falha dessa promessa eleitoral, quando o Governo [de Durão] chegou ao poder e decidiu aumentar o IVA que a confiança veio por aí a baixo. Isso foi uma leviandade. Isso foi muito negativo para a democracia". Esta frase devia ser lida e relida, por cada um de nós, antes de decidir em quem votar nas próximas eleições. Estas palavras valem tanto quanto a possibilidade de conquistar o poder. Entre nós e as palavras, há poder.

Cada palavra vale o que vale. E vale muito pouco, por vezes. Um palavra pode ser um som, apenas, que sai de uma boca. Um grunhido desmiolado pode valer tanto como um palavra. A palavra também pode pesar como chumbo. Quando Manuel Pinho disse "a crise acabou", foi um caso desses, em que ao signo não corresponde um significado. Caso contrário, não teria dito no dia seguinte, que decretar o fim da crise era uma "infantilidade". Ele pronunciou aquele conjunto de sons e pronto, o significado evaporou-se.

Entre nós e os políticos não há nada se as palavras não tiverem consequências.

24 outubro 2006

Equilíbrio reflexivo

O equilíbrio reflexivo (reflective equilibrium) é um método utilizado para tentar conciliar princípios filosóficos abstractos com princípios de justiça que intuitivamente aplicamos a casos individuais. Pensamos num princípio ou teoria e verificamos se a sua aplicação a casos particulares colide com valores que consideramos estabelecidos. Se colidir, temos de reformular as proposições ou alterar a nossa crença nesses valores, andando entre a teoria e a prática até atingirmos um ponto de equilíbrio. Não é um método isento de problemas, mas pode ser útil em determinadas ocasiões.

Por exemplo. Um dos princípios pelo qual tento orientar a minha conduta, sempre que possível, é o princípio do dano, tal como enunciado por John Stuart Mill. É qualquer coisa como isto: A liberdade individual apenas deve ser limitada para impedir que os actos de alguém provoquem danos a outros indivíduos. O seu próprio bem, físico ou moral, não é justificação suficiente para a intromissão alheia. Mas tenho dúvidas em aplicar esta regra a determinadas questões, como a da legalização do consumo de drogas. A justificação para a proibição das drogas leves é bastante fraca. O problema são as drogas duras (alguns dirão: «a falta de drogas duras»). Não encontro justificação para a proibição do consumo, mas a sua legalização não me parece razoável. Ainda estou longe do equilíbrio.
Tenho pensado muitas vezes que a grande tragédia da nossa geração é usar fato mas ainda comer bollycaos.

23 outubro 2006

Durante a tarde de ontem pensei seriamente em construir uma arca e começar a reunir dois animais de cada espécie. A chuva amainou, senão o mundo futuro teria apenas, além de nós, formigas, pombos e bichos da madeira.
O Fernando Pessoa tinha uma arca cheia de poemas. A minha tem roupa de Inverno. E está na altura de abrir o espólio.

19 outubro 2006

Há coisas que me fazem acreditar que o sentimento de comunidade ainda não desapareceu totalmente, mesmo nas grandes cidades. Uma é o hábito dos Lisboetas de colocarem algumas coisas ao lado, e não dentro, do caixote do lixo. Em regra são móveis, electrodomésticos, artigos de decoração ou presentes oferecidos por parentes afastados no Natal anterior. Isto cria um mercado informal bastante dinâmico, com produtos a descerem e a subirem pelas escadas dos prédios no espaço temporal que vai do pôr-do-sol à recolha do lixo. Ontem, quando saímos para jantar, à porta de um dos prédios da nossa rua estava um conjunto constituído por uma sanita completa, uma cama e um outro objecto que não consegui identificar. A cama, desmontada, era de metal, lacada a branco, com apliques dourados. Era a única coisa que faltava do conjunto quando regressámos a casa duas horas mais tarde.

13 outubro 2006


Quando colocamos a mão na barriga, sente-se por vezes uma forte ondulação. Por outro lado, parece que, devido a um alinhamento da Lua e do Sol, o mês de Outubro vai ter as marés vivas mais fortes dos últimos anos. Pelo sim, pelo não, decidimos fazer «a mala».

10 outubro 2006

Baeta

O ritual mensal de ir ao barbeiro sempre me foi penoso. Estar sentado naquela cadeira, imóvel, enquanto alguém à minha volta maneja objectos afiados deixa-me indefeso. Não há outro momento em que sinta tanta empatia pelas partnéres dos atiradores de facas do circo.
Durante mais de vinte anos fui ao mesmo barbeiro, apesar de não gostar particularmente da forma como me cortava o cabelo. Dizem que um sinal de maturidade nas relações é duas pessoas conseguirem estar em silêncio sem se sentirem desconfortáveis. Foi por isso muito difícil quanto me mudei para o centro de Lisboa e tive de passar meia hora por mês em silêncio com um novo barbeiro. No final, quando trazem aquele espelho para que consigamos ver o corte na parte de trás da cabeça, sinto sempre um desejo incontrolável de aplaudir. E algumas vezes de ir comprar um chapéu.

04 outubro 2006

Amanhã é feriado

To the evil of monarchy we have added that of hereditary succession; and the first is a degradation and lessening of ourselves, so the second, claimed as a matter of right, is an insult and an imposition on posterity. For all men being originally equals, no one by birth could have a right to set up his own family in perpetual preference to all others for ever.
Thomas Paine, Common Sense (1776)

03 outubro 2006

A fraqueza da carne

De todos os livros que nunca li há um que me causa especial receio: Libertação Animal, de Peter Singer. O facto de intuir o conteúdo impede-me de o abrir. Para os argumentos morais do vegetarianismo tenho apenas biologia e não sei como resolver um conflito entre uma ciência humana e uma ciência natural. No fundo, tenho medo de perceber que sou demasiado fraco e que, apesar da capacidade de ser convencido por um bom argumento, não sou capaz de alterar a vida de acordo com isso. Ou mesmo de ter de reconhecer algo que me repugna, que muitas vezes os desejos são mais fortes que a razão.

A que dia sai o Inimigo Público?

«Arroz de cabidela de Vítor Sobral ganha título mundial.»

«Doente tem alta com termómetro no ânus. Um homem com 85 anos, acamado, que esteve internado 24 horas no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, teve alta e foi transportado para casa de ambulância com um termómetro dentro do ânus. A. Silva, que não quis identificar-se para proteger a dignidade do seu pai[:] ‘Com tantas voltas, foi um milagre o termómetro não se partir. Ainda por cima era de mercúrio.’»

«Incidente da casa de banho parece ter sido sanado. O encontro de reunificação do título mundial de xadrez foi ontem reatado com a realização da sexta partida que terminou empatada. O campeão clássico Vladimir Kramnik viu satisfeitas as suas reivindicações, a substituição dos elementos do comité de apelo e a reabertura das instalações sanitárias particulares.»

Público, 3/10/2006.

19 setembro 2006

Quando saio de casa muito cedo fico sempre surpreendido com o número de pessoas que já estão acordadas, a trabalhar ou a caminho do trabalho. O que é para mim uma quebra de rotina, dolorosa e revigorante como um cálice de aguardente, representa o horário habitual de muita gente. E ainda assim, apesar de já haver movimento, as ruas têm uma calma inesperada, como se as pessoas tivessem demasiado sono para falar alto, guiar rápido ou andar depressa. Já é de dia, mas os candeeiros públicos continuam acesos. Já estou acordado, mas ainda estou a dormir.

06 setembro 2006

Ilusão estival

Quando as férias se aproximam, os dias ganham outro significado, como se em breve fosse ter todo o tempo do mundo para descansar e pôr toda a vida atrasada em dia. Pura ilusão.

05 setembro 2006

Está muito calor. Durante a manhã o sol bate numa parte da casa e temos de nos refugiar no fundo da outra. Durante a tarde volta-se para a parte da frente, e temos de iniciar nova travessia do deserto, com a garrafa de água na mão esquerda e a ventoinha na direita. As portadas estão quase sempre fechadas. A luz parece ter peso e estar a empurrá-las do lado de fora. Vemos os contornos da madeira definidos pelas frinchas. Durante a noite não arrefece. É como estarmos hospedados num hotel do sul da Ásia, mas sem podermos telefonar para a recepção a pedir cubos de gelo.

31 agosto 2006

Outra

Dizimar: But for all her [the Roman Republic] administrative acts the most terrible was the practice of ‘decimating’ an army, i.e. of choosing by lot every tenth man, and putting him to death. Machiavelli, The Discourses

29 agosto 2006

Muitas das palavras modernas incorporaram uma magia ou superstições antigas, cujo significado está longe de ser óbvio quando as utilizamos. Não sabemos o que dizemos, literalmente. Os íncubos eram, segundo acreditavam alguns povos, demónios que desciam dos céus e possuíam as mulheres durante o sono. Ao que parece, no inglês arcaico, a esses demónios dava-se o nome de mare, o que estará na origem da palavra nightmare. Isto confere uma perspectiva completamente diferente à expressão «It was just a nightmare». Em português, utilizamos a palavra pesadelo, cuja etimologia felizmente desconheço.

(A sugestão para o post foi da Joana, que tirou a ideia de um livro do Carl Sagan. Começa-se assim, acaba-se a fazer malha ou a construir puzzles de quinze mil peças.)

28 agosto 2006

Choque de titãs

Aristóteles:
«a beleza excessiva, a força extrema, a linhagem inigualável, a riqueza desmedida, ou os respectivos opostos, tais como a pobreza excessiva, a debilidade extrema, e a ausência de honrarias, têm dificuldade em seguir a voz da razão.» Política, Livro IV (sobre as virtudes da classe média)

Lou Reed:
«Average looks, average taste
average height, an average waist
Average in everything I do
my temperature is 98.2

I'm just your average guy
an average guy

[...] trying to do what’s right»

Average Guy, The Blue Mask, 1982

(É bom saber que a democracia precisa de pessoas como nós.)

27 agosto 2006

1º post do Guegué:

gbxxxxxxxxx xxxxcvxk jjjd l mrsnmsxncdz

Promoção nuclear

...pelo contrário, temos a promoção dos uranianos, vizinhos dos uraquianos, e que detestam os umericanos, que aprenderam a enriquecer urânio, e, eventualmente, a fazer explosões nucleares, coisa só vista no campeonato estelar.

24 agosto 2006

Provedor do leitor

Alice sighed wearily. ‘I think you might do something better with the time,’ she said, ‘than waste it asking riddles that have no answers.’

Despromoção à liga de honra

Depois do Gil Vicente, Plutão. Sem possibilidade de recurso.

Turismo suicida

Depois de ter passado, numa noite sem televisão, um quarto de hora a tentar perceber o conceito de entropia, compreendo que Boltzmann, o físico que o definiu, se tenha suicidado. O que acho estranho é ter-se suicidado quando estava de férias em Itália, na Baía de Duíno, perto de Trieste. Enquanto a mulher e a filha foram nadar, ele enforcou-se. O que demonstra o elevado grau de desordem em que se encontrava o seu sistema físico.

(Pouco tempo depois, dados experimentais viriam a confirmar as suas teorias.)

21 agosto 2006

Dizem que a solidão não se cura com comprimidos. Isso contraria a minha tese (de que já tratei aqui) sobre a relação entre os reformados e os centros de saúde. De um modo geral, os reformados têm tendência a juntar-se a outros reformados – num fenómeno semelhante ao das gotas de mercúrio – em lugares como centros de saúde, filas de minipreço e balcões da Caixa Geral de Depósitos. Este facto, pouco estudado, contribui para o défice do sistema nacional de saúde e para um gasto excessivo em cadernetas CGD, sempre perfeitamente actualizadas. O senhor doutor receita gotas para os olhos, cremes para a espondilose, ampolas para as diabetes, quando para alguns casos bastaria um baralho de cartas. 7h30 da madrugada, senha 31.

13 agosto 2006

Meta-post

Os escritores têm o trauma da página em branco. Os bloggers têm o da eternização do último post. Quando não se alimenta o animal de forma regular, colocar um texto torna-se uma responsabilidade demasiado grande. Se não for bom, as pessoas que visitam o blogue vão ter, ainda assim, de lê-lo de modo recorrente durante semanas. Uma solução é adoptar a teoria do eterno retorno: escrever cada post como se pudesse ser lido infinitamente. A outra é ir escrevendo qualquer coisa para ir empurrando o passado para baixo.

08 agosto 2006

The Passenger, Michelangelo Antonioni

Apesar de, tirando o Jack Nicholson, os outros actores não terem jeitinho nenhum para a coisa; apesar de a Maria Schneider passar o tempo todo com cara de quem a margarina de Paris lhe caiu na fraqueza; apesar de muitos dos diálogos parecerem artificiais; apesar de a música do Iggy Pop compreensivelmente não fazer parte da banda sonora (acho que só foi gravada mais tarde); gostei do filme.

04 agosto 2006

I.A.

Na escrita inteligente do meu telemóvel quando tento escrever o meu próprio nome aparece primeiro a palavra «vício». A primeira reacção é pensar «Fui descoberto». É natural que a inteligência artificial venha a evoluir exponencialmente no meu tempo de vida, mas nem a leitura dos livros do Arthur C. Clarke e do Ray Bradbury, na adolescência, me preparou para ser psicanalisado por uma máquina. Na dúvida, atribuo o fenómeno a uma infeliz coincidência alfabética.

03 agosto 2006

Banhos de sol


Domingos sem charme, dias sem interesse, banhos de sol dos pobres.

- Ai se eu fosse nova, o que era dos rapazes que passavam. Havia aqui dantes tanta tropa... Mas no meu tempo não se podia, era uma vergonha, sabe lá. Agora faço o que me apetece e a minha filha até pensa que fui à missa. Adeus, e aproveite enquanto pode...

Ao domingo sai do bairro da Bica, atravessa a estrada até ao Tejo e senta-se ali, num banco perto do parque de estacionamento, que havia de ser o de um jardim.

Nem o peixe pica nem ganha o Benfica


- Ó chefe, hoje isso 'tá a dar?
- O peixe não pica... 'tá pior que o Benfica!

Na calçada entre o Cais do Sodré e a Praça do Comécio, os pescadores alinham-se aos domingos de manhã, e esperam.

- Mas ó chefe, o peixe daqui é bom?
- Olha, olha, então não é? Ele são linguados, sargos, você sabe lá? Já viu ao preço que isto 'tá na praça?...

02 agosto 2006

À pesca das tágides



- Olha que belo homem! Um fisherman...

- Liiindo português! Digo alguma coisa?

- Nã...

- Olha o brilhozinho daquela barriga. E a cana...

- Eu cá gosto mais da careca e do bigode.

- É a encarnação da verdeira alma lusitana à pesca submarina de tágides. Olhe, mister? Não vai um fadinho?

01 agosto 2006

Estas fotos foram tiradas num passeio, este domingo, com o Afonso. Postarei mais.
Tiago, bom regresso! Dá-me as tuas legendas também.

A linha do destino


Na linha do destino, velhos desconhecidos na hora das observações.

Luz rolante


Uma caminhada lenta, agonizante, num comboio rolante que leva esta gente toda até ao sol urbano de Carcavelos.

Região solar


A espera, um café tomado em pé, um passo antes de tempo e somos luz quando o sol nos atravessa com partículas de hélio.

Praia dos pobres


Domingo. Estação do Cais do Sodré. Às nove e meia da manhã o povo move-se na estação com um frenesim de sentido contrário: hoje eles não chegam a Lisboa, hoje eles vão. De guarda-sol enrolado, calções vestidos, sandocha na mochila, toalha ao pescoço, cores que se vejam. A praia é dos pobres na linha do Estoril. O sol quando nasce é para todos, sabia-se. A areia não. Cada um vai a banhos onde pode.

31 julho 2006

Fui a banhos. Ir à praia no Algarve é uma experiência multicultural incomparável. Podemos adivinhar a nacionalidade das crianças pelas brincadeiras que têm. As francesas passam o dia a construir pequenas fortificações e castelos de areia que são rapidamente destruídos pela subida da maré ou pela corrida intrépida das crianças alemãs. As holandesas escavam redes de canais na areia molhada para encaminharem a água salgada para lagos interiores. As crianças suecas e dinamarquesas passam simplesmente o dia sentadas dentro das poças a cismar sobre o sentido da vida. Já regressei.

Copy-paste

The pleasures of expectation are the pleasures that result from the contemplation of any sort of pleasure, referred to time future, and accompanied with the sentiment of belief.

Jeremy Bentham, Introduction to the Principles of Morals and Legislation, 1789

20 julho 2006

*

Na verdade, de um ponto de vista puramente gastronómico, eu deixava de ter pena do porco acabado de matar, quando o meu avô aparecia com o fígado (acabado de extrair) grelhado na brasa, mal passado, temperado com azeite, vinagre e alho. Se eu fosse Prometeu, a minha história seria uma metáfora da inveja, por inveja ao abutre.

* para ser lido com um ligeiro sotaque alentejano.

14 julho 2006

*

De um ponto de vista puramente gastronómico, tenho menos pena do Prometeu que do abutre que lhe tem de comer o fígado todos os dias.

* Pensamento do dia ao estilo Agora Escolha. Deve ser lido com a entoação de voz da Vera Roquete.

05 julho 2006


Para quem tinha saudades de vitórias morais...



O Deco jogou?

A horagá



Este homem vai ser o orgulho da nação!

Até lá, à hora H, vou: trabalhar qualquer coisa, almoçar com uma pessoa, moderar uma conversa, levar o carro à inspecção, encomendar frangos, comprar bujecas, ufff, vestir o Miguel, meter a sopa dele, o biberão e o Blédine na mochila e voltar ao carro, esperando que a Carla consiga chegar a horas, para ir ver esse grande momento no estádio talismã: a casa da Blan e do Afonso. Que os deuses nos protejam!

Relógios e queijos suíços


A França é um mecanismo perfeito, só não digo que é um relógio suíço porque o Zidane podia irritar-se (os argelinos são danados). E Portugal não tem cometido erros, por isso, não podem esperar os franceses que deste lado encontrem um queijo suíço. Daqui das Linhas de Torres não há buracos, e as tropas napoleónicas (sabendo que tivemos a ajuda dos ingleses) sabem que este rectângulo não é fácil de tomar. Ora tenho para mim que desta vez ganhamos. Ai ganhamos sim. O Deco, esse representante da genuína alma lusitana, vai marcar. Vão ver....