29 dezembro 2006

As coisas que usamos para marcar as páginas dos livros revelam bastante sobre nós. Durante muito tempo usei bilhetes de comboio. Lia nos comboios, encostado ao vidro, com o sol e as sombras a alternarem-se sobre as folhas, ou de pé, nas horas de ponta. Quando depois andava pelas ruas de Lisboa, com o livro na mão, a ponta do bilhete traia a minha natureza suburbana. (Uma natureza de que sempre me orgulhei. Nos subúrbios os movimentos de experimentação cultural, em especial na música, eram muito mais activos do que no centro da cidade. As tribos eram mais variadas e criativas: os heavys, os vanguardas, os rockabillies.) Depois usei quase tudo: talões de multibanco, pacotes de açúcar vazios, guardanapos de café. Tudo isto porque nos últimos tempos tenho reparado que utilizo quase sempre os próprios talões de reposição que as editoras colam na página três dos livros. Dei por mim a pensar se isso não quererá dizer que não tenho tempo sequer para me levantar e procurar uma coisa mais apropriada. Seja como for, tenho apenas uma regra: qualquer coisa serve como marcador de livro, menos um marcador de livro.

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