Como nos casamentos, convém de vez em quando refazer os votos. Este blogue, meus amigos, fez antes de ontem três anitos. Para que os votos se renovem, aqui se reposta o texto inaugural de Através dos Espelhos. Aproveitando a ocasião, e parecendo que o tempo é circular, inaugurei hoje, com o João Cândido Silva, outro blogue, o Elevador da Bica. Não, não deixarei de escrever aqui, para infelicidade dos meus amigos, mas fá-lo-ei num registo mais aproximado da prosa do quotidiano do Tiago (aproximado, sim, porque eu não sei escrever bem como ele), e os assuntos mais políticos e de comentário ficam para o elevador. Continuem a aparecer porque nós continuaremos os nossos reflexos.
09 Janeiro 2004
Primeiro reflexo
O espelho é um objecto estranho. Por reflectir a realidade, e sobre ela, mas não ser a própria realidade, abre infinitas possibilidades de distorção. Por isso, neste blogue, teremos por vezes uma realidade convexa ou côncava. Basta dobrarmos ligeiramente a superfície, mais por motivos estéticos do que ideológicos. Não para distorcer a realidade, mas para construir outras representações dela. A sensação poderá ser, para quem lê, a de caminhar pelo meio das galerias de espelhos dos parques de diversões, onde nós e tudo o resto que as atravessa passa do grotesco ao ridículo com um passo, do semelhante ao desigual. Também gostamos do jogo de distorcer pessoas, devolvendo-lhes depois os rostos intactos. Os espelhos têm ainda outra característica, que não escapa a todos que se debruçam sobre eles*: a profundidade. Se nos aproximarmos, parece que podemos cair para o outro lado. Neste blogue seremos seres intermédios entre Giordano Bruno e Alice: acreditamos na infinidade dos mundos e usamos os espelhos para entrar neles.
No mundo da política, da sociedade, da cultura, da ciência. Entramos e tudo nos é estranho. Contamos o que vemos. Regressamos aparentemente iguais. Depois ardemos todas as noites nas fogueiras ateadas com as folhas escritas. E espelhos somos nós também, porque reflectimos as realidades conforme a nossa superfície foi sendo talhada: não pronunciamos verdades absolutas, que não as temos, mas aquelas que o nosso espelho de água devolve aos que se miram em nós, como o lago que chorou a morte de Narciso porque se reflectia nos olhos do jovem enquanto ele admirava o seu próprio reflexo. É através de um falacioso espelho de feira - a maneira de cada um de nós ver o mundo -, que aqui projectamos a imagem que temos dele. Sejam bem-vindos
Tiago Araújo/Vítor Hermes
*Como Umberto Eco (Sobre os Espelhos e Outros Ensaios ,Difel) ou Jorge Luis Borges (Obras Completas, Teorema).
2 comentários:
O teu outro estabelecimento já entrou directamente para os links, sem passar pela casa de partida.
Queria pô-lo a negrito, mas ainda não desenvolvi as capacidades técnicas necessárias.
Parabéns! E muitos anos de vida...
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