Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
27 junho 2006
Desintoxicação
A noite de hoje vai ser diferente, vou pôr uma cadeira frente à máquina de lavar e fazer zapping entre o programa da roupa clara e o programa da roupa delicada.
20 junho 2006
Sempre que me anunciam um futuro nascimento tenho vontade de escrever duas cartas. Uma ao Prof. Medina Carreira, a pedir-lhe para rever as suas previsões sobre a falência do sistema de segurança social, e outra para as maternidades, a perguntar se fazem descontos para grupos. Mas é só enquanto dura o efeito do champanhe.
Parabéns, Mafalda e Zé Pedro.
19 junho 2006
Diário de Barcelona em 126 palavras
01 junho 2006
♀
30 maio 2006
Blogóidismo
29 maio 2006
24 maio 2006
Neutralidade histórica
23 maio 2006
dezasseis semanas
18 maio 2006
Cidade-Estado
No prédio onde morávamos até há uma semana nunca constituímos condomínio, e por isso vivíamos num estado de natureza em que, por sorte, a vida nunca foi demasiado solitária, pobre, sórdida, selvagem ou curta. Com a mudança, estava à espera de passar algumas interessantes noites de Sábado a discutir com os outros condóminos a limpeza das escadas, as infiltrações no telhado e a manutenção dos animais domésticos. Mas, aparentemente, a especialização da política também chegou a estas microcidades-estado: o poder foi transferido para um pequeno leviathan, a que os aldeões chamam empresa de gestão de condomínios. A situação não é nova, não é a primeira vez que herdo um contrato social que não assinei.
16 maio 2006
A internacional da andorinha migratória
15 maio 2006
A revolta das cuecas

Não, isto não se está a tornar um fetiche. Mas, francamente, acho que ontem as velhinhas de Alfama deram todas em pôr cuecas solitárias ao sol. Será um sinal cabalista do fim dos tempos, esta exposição compulsiva de objectos que representam a menopausa, e logo o fim da fertilidade, e logo o fim da reprodução, e logo a falência absoluta do sistema de Segurança Social, e logo que todos vamos ter de pagar mais contribuições porque temos menos filhos, e logo que não vamos ter reformas, e logo que vai baixar ainda mais a produtividade por ficarmos desmotivados, e o país vai enterrar-se ainda mais na crise... Aaaarrgh, estamos perdidos! Portugal não tem salvação. Sr. engenheiro, proíba as velhinhas de Alfama de espalharem maus augúrios em cuecas, bandeirolas da desgraça, e tome a medida ambiental mais sensata: nada de cuequinhas na janela depois dos 60.
14 maio 2006
Sol na cueca

Os portugueses são um povo cioso da sua privacidade, de tal modo que não há casinha que não tenha as inevitáveis cortinas que protegem o lar da invasão do olhar alheio. Na Holanda, por exemplo, é rara a janela com um cortinado. Eles aproveitam toda a luz que podem e não têm as nossas vergonhas.
Mas depois, os portugueses penduram tudo à janela: o canário e o piriquito, a roupa dos filhos, do marido, da avó, os tapetes, seja lá o que for. A lingerie, as cuecas, todos esses objectos íntimos são expostos aos mais indiscretos olhares desde que bem fenestrados, muito bem presos por um par de molas. Na Holanda não é costume ver roupa à janela. Interessantes contradições.
(Tirei a foto esta manhã, em Alfama)
Conversas de rua - 6
- Qu' é isso? Você não sabe qu' isso não se faz?!
Depois agarrou no pacote de cigarros que o velho tinha atirado para o chão e foi dentro do cafê pô-lo no lixo.
- É assim, assim é que você tem de fazer!...
O velho só acenou com a cabeça. Não disse nada.
12 maio 2006
Ó professor, e o Soares também?

No seu livrinho lançado ontem, Carrilho diz de António Cunha Vaz: "[Veio] oferecer-se para tratar de tudo [na campanha para as autárquica], insistindo muito em dois pontos da sua oferta: a recolha - obviamente ilícita - de fundos, e a compra de opinião".
Ora foi a agência de Comunicação de Cunha Vaz que acabou por fazer a campanha de Carmona Rodrigues, mas também foi contratada, depois, para a de Mário Soares à Presidênca da República. Neste caso, a manterem-se os pressupostos de Carrilho... mete-se Soares num pequeno sarilho. Foram recolhidos fundos ilícitos? Foram comprados colunistas? Foram corrompidos jornalistas? O dr. Soares devia dizer alguma coisinha...
Conversas de rua - 5
- Eu já ando preocupada porque andam a dizer que nos vão cortar no subsídio de Natal... Isto está cada vez pior... Pois, pois... O outro dia fui ao Mini-Preço e não havia nada nas prateleiras... hum, hum... Depois peguei no carro e fui ao Continente do Vasco da Gama. Estava vazio, vê lá, as pessoas já nem vão ao Continente, vão ao Mini-Preço.... Sim... e parece que o passe vai aumentar outra vez e já tinha aumentado três vezes este ano...
03 maio 2006
O futuro de Rabie - restos do bloco de notas de um jornalista - I
Rabie Habani é kosovar, tem 23 anos e quer casar com um americano. Rabie tem desabafos como este, enquanto serve bebidas aos soldados da NATO, num bar do quartel gigante de Jubille Barracks, em Pristina, um complexo de contentores e betão onde estão 307 tropas portugueses. "Oh, I want so much to marry an american and live in America..." Então e os soldados portugueses? E os ingleses? "Ah, they are just boys...", atira. "Não têm nada na cabeça." A jovem albanesa não quer soldados, prefere os polícias, um pouco mais velhos, como o americano que foi namorado dela e voltou aos Estados Unidos sem dizer que era casado. Um desgosto.
Maior que esse, só quando se escondeu nas montanhas que cercam Pristina, em 1999, com a família, a fugir dos paramilitares sérvios. Enterrou o seu diploma do 12º ano no chão, tirado numa escola particular, porque tinha a bandeira albanesa impressa e isso era perigo de vida. O diploma ardeu com o fogo que lhe destruiu a casa.
Os três irmãos mais velhos estão desempregados; o pai está reformado com 200 euros; e a mãe sujeita às regras muçulmanas mal sai de casa. Casar com um americano quer dizer: liberdade. "Não quero casar com um albanês e passar o resto da vida em casa a cuidar dos filhos", diz-me Rabie, muçulmana mas não praticante, tão vestida à ocidental como uma universitária portuguesa. "Quando chegar aos 25 anos, conta ela, estará "velha para casar", como se estivesse em segunda mão". O pai, que nem sonha que os 300 euros que ela leva para casa são ganhos a servir bebidas alcoólicas num pub com a foto de Isabel II, há-de querer que ela case em breve com um albanês. Está num beco.
Rabie olha para o futuro e não está lá nada: só vê uma prisão.
02 maio 2006
Por que somos pequenos?
01 maio 2006
A lição de Tal Afar
Para percebermos que a retirada das tropas é mesmo muito perigosa aconselho a leitura de uma grande reportagem de George Packer (é mesmo muito grande) na New Yorker de 10 de Abril. Aqui. Ser contra a guerra era sensato, no mínimo. Ser a favor da retirada é no mínimo imprudente e Packer explica porquê: ele conta como em Tal Afar o coronel MacMaster, um esclarecido em relação a outros oficiais, conseguiu pôr sunitas a falar com xiitas, através da implementação de uma doutrina de contra-insurgência que os americanos não tinham. Percebe-se pelo trabalho do jornalista no terreno, mais do que pelos números dos mortos com que somos bombardeados todos os dias, que a saída das tropas seria um desastre pior do que a própria guerra. Uma leitura recomendável.
Cinco vezes cinco: vinte e cinco
Se reinasse em Portugal, teria convivido com 25 primeiros-ministros em 50 anos, caso se mantivesse o ritmo de cinco primeiros-ministros em cada dez anos. Na última década foram: Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Ainda a malta pergunta por que é que isto está como está...
Conversas de rua - 4
Homem - Agora já tiram IRS das reformas, o que é que eles querem mais?
Mulher - Qualquer dia vão às nossas contas no banco...
Dona do quiosque - Ah, sabe que isto é sempre para pior.
Homem - Pensa que eles não sabem o que está nas nossas contas?... Então não sabem? Só aos lucros dos bancos é que eles não tiram nada...
Conversas de rua - 3
- Mãe, que fruto é este?
- Não sei... errr... é mandioca...
- Humm, será que é bom?...
28 abril 2006
Agora resta-nos a chico-espertice de viver mais do que manda a esperança média de vida
Na mesma semana e no mesmo lugar, o Parlamento, quem parece ter dito umas coisas de esquerda foi Cavaco, não Sócrates. Um pensa à direita mas não diz, o outro está cada vez mais à direita mas finge que é de esquerda (moderna)... vão dar-se lindamente. Terá Cavaco em Sócrates o PM que ele sempre sonhou para o PSD?
26 abril 2006
Esquerda ou direita, is that the question?

Martim Avillez Figueiredo diz hoje no editorial do Diário Económico que Cavaco foi ao Parlamento “fingir um discurso à esquerda”. Martim tem razão – parcialmente –, quando o PR responsabiliza mais do que o Estado pela justiça social. Mas ele não pede menos Estado. Exige um esforço suplementar de responsabilização social de cada cidadão.
Apesar de pedir para que se esqueçam as ideologias, Cavaco não tem um discurso assim tão próximo dos liberais. Está umas vezes mais perto da direita tradicional, mais assistêncialista ou caritativa; ou de alguma esquerda católica, como António Guterres, apesar de há 10 anos Cavaco ter assumido que o Rendimento Mínimo era um subsídio à preguiça.
Num exercício que corre o risco de parecer muito a preto e branco, podíamos interpretar o discurso do PR assim:
Esta frase de Cavaco, uma lapalissada podia ser dita por alguém do CDS até ao BE:
“O risco de pobreza persistente, que é relativamente elevado em Portugal, aumenta substancialmente no caso dos idosos”
Neste caso, o PR coloca a sua voz claramente à esquerda, do tipo, os ricos que paguem a crise. Mas também pode ser vista à direita, para se diferenciarem as prestações, tratando-se de forma diferente o que não é igual:
“O esforço que o Estado tem vindo a realizar para atenuar os efeitos deste quadro social tem de ser continuado. Não é moralmente legítimo pedir mais sacrifícios a que viveu uma vida inteira de privação”
Aqui, ao apelar à solidariedade na estrutura tradicional da família, quem fala é Cavaco, o católico, que vai à missa todos os domingos aos Salesianos em Campo de Ourique. É a falta de comparência da família que deixa os idosos à mercê das pequenas pensões estatais:
“Desagregadas as estruturas familiares de apoio, pelas transformações sociais ocorridas nas décadas recentes, ficaram muitos dos reformados de ontem confinados às pensões do regime não contributivo que não lhes conseguem assegurar uma existência condigna”
Finalmente, pede mais responsabilidade social, pragmatismo na resolução dos problemas, mas não pede menos Estado. Diz apenas que não chega exigir mais Estado:
“Para que esse risco possa ser atenuado não chega exigir mais medidas ou mais dinheiro. Concretizar essa ambição de justiça social, que não tem de ser remetida para o plano das utopias, passa por cada um de nós. Todos somos responsáveis, todos temos de assumir a nossa quota parte de responsabilidade social que nos cabe como cidadãos”
O pragmatismo de Cavaco
Ontem Cavaco foi mais eficaz. Primeiro sugeriu: está bem, meus senhores, eu podia vir aqui falar dos problemas do regime e puxar as orelhas aos deputados, mas os senhores são crescidinhos e não vou aqui perder tempo a dizer o que toda a gente sabe e pensa, vou antes falar sobre isto - a justiça social - que é coisa muito mais importante para a vida das pessoas. O discurso está aqui.
Ao fechar o ângulo, conseguiu lançar todos os olhares para um único problema, invertendo a lógica dos discursos presidenciais. Ao escolher um tema que tanto preocupa o PC como o CDS manteve-se acima das lutas partidárias.
Ao falar da vida real das pessoas deu um sinal ineqívoco: a política serve para pensar nos outros e existe como serviço aos outros - e nisso ele assume um certo carácter messiânico - mais do que para passar o tempo aos círculos a reflectir sobre si mesma.
A contradição é tão só esta: Cavaco ganhou as eleições ao centro e já fez dois discursos à esquerda; então, para que servem os seus conselheiros mais próximos, conotados com o que há de mais liberal do ponto de vista do mercado e conservador do ponto de vista dos costumes? É que nem tudo o que Cavaco diz é tudo o que Cavaco pensa.
Um cravo no carrinho do Miguel
24 abril 2006
Conversas de rua - 2
14 abril 2006
Conversa solta
Conversas de rua - frases de hoje
"É mais fácil neste país chegar a primeiro-ministro do que estacionar o carro". Homem de meia idade, na Rua Filipe Folque, Lisboa, a gritar para um amigo.
"Ele passa férias no México ou em Óbidos". Jovem para outra, na Av. Conde Valbom, Lisboa.
"Fui preso mas não roubei nada a ninguém, nem matei. Fui preso por tráfico de droga, tráfico de droga, pá!" Bêbado, pelas nove da noite, num cafezinho do Prior Velho, Loures.
Ora vamos lá pecar
07 abril 2006
Estrebuchar
O realismo
05 abril 2006
Nação bastarda

Ao que parece, Afonso Henriques, o verdadeiro, era aleijado, tendo sido o bebé original substituído por um saudável filho de Egas Moniz. O livro de Agustina que o Abruto nos oferece em pré-publicação (uma iniciativa interessante que esperemos que resulte) põe a nu alguns genes de Portugal. E a genética ajuda sempre a perceber quem somos.
- Se não é bastarda, a Nação nasceu para argumento de novela venezuelana e isso não deixa de ser divertido, apesar do fado ser melancólico;
- A modernidade é muito mais aborrecida, porque acabaram-se os milagres: pode parecer, mas não é tão miraculoso o Sampaio demitir o Santana Complicadex e nomear o Sócrates Simplex, como foi o Egas invocar o divino após trocar o menino legítimo, mas defeituoso, por outro saudável e futuro guerreiro;
- Se não fosse aquela mentira, andávamos todos a falar espanhol, Camões não havia, nem alma Lusitana, nem Barça-Benfica.
- Já estou aver a cena: o aio Egas Moniz diz a D. Afonso, "Eu é que sou o vosso verdadeiro pai, vós fostes trocado, por isso, podeis fazer a guerra a D. Teresa, ela não é a vossa mãe, mas sereis ser rei e governareis"; o infante replica-lhe em lágrimas, "Papá, eu sabia, estou tão emocionado, vinde, pegai na espada, vamos aí desbaratar uns mouros..."
Eu sou um pessimista
É bonito ver um funcionário público de óculos fundo de garrafa e fato cinzento claro com corte dos anos 70, cheio de sarro, pulover verde com desenhos pretos e gola da camisa numa confusão a dizer que é optimista enquanto cobra multas por dá cá aquela palha. Como eu gostava de ter essa sorte. Acho sempre que tudo vai correr mal para depois parecer que correu bem.
04 abril 2006
Boas decisões
- Comprar um iPod e descarregar todas as semanas o podcast do Meet the Press, da NBC e o Washington Week da PBS.
- Ler a Conspiração Contra a América, de Philip Roth.
- Dar o biberão da manhã ao Miguel e sair de casa mais cedo.
03 abril 2006
A marca da moça registrada
Olhó verso em conta!
31 março 2006
Complicadex
Venham as espanholas, venham as suecas
António Pires de Lima, do CDS, que comentava "venham as espanholas!", para José Sócrates (a propósito do encerramento da maternidade de Elvas), deve estar radiante. Venham as suecas.
Teoria da conspiração
30 março 2006
O olhar do Afonso

O Luís Afonso não é fotógrafo profissional, mas é fotógrafo, a prova está aqui ao lado, nesta imagem bela e invulgar que ele recolheu em Berlim. Em http://www.luisafonso.com/ viajamos pela Europa e América através da poesia do olhar dele.
O Afonso é uma daquelas pessoas especiais, um homem da Renascença do século XXI: é informático, o site foi feito por ele, mas não é apenas um geek dos computadores, é um melómano apaixonado por Mozart e Bach, coleccionador de requiems apreciador de arquitectura, fotografia, pintura... um curioso. E bom amigo, por isso sou suspeito.
Vale a pena a visita às exposições permanentes e temporárias no site dele. Boas viagens.
Cortinas de fumo
Luís Filipe Menezes anunciou hoje que não era candidato às directas no PSD invocando, entre outros, o argumento de que tinha sido reeleito para a autarquia de Gaia. Porém, quando se candidatou contra Mendes há um ano não o impressionava desbaratar a confiança que lhe deram os eleitores - pois deixaria a câmara e ia para o Parlamento -, tendo até desafiado Marques Mendes a candidatar-se a uma câmara. Dizia que liderar uma autarquia e o partido não era incompatível. Abençoada coerência...
As razões verdadeiras são outras. O homem parece meio lunático, mas não é parvo. Perdia agora para Mendes as directas que sempre defendera e acabava-se ali o Menezes.
Ele sabe que quando um adversário precisa desesperadamente de um adversário, o melhor é deixá-lo ganhar sozinho para ele se convencer enganosamente de que ganhou (isto serve para Menezes no PSD como para Temo Correia ou Pires de Lima o CDS).
Coisas do presente
O panorama anda tão mau que uma pessoa até diz - ah, sim senhor! - quando se vê uma coisinha bem feita.
29 março 2006
Coisas do passado - dinastia Cavaco

Enquanto este blogue esteve em coma, foi eleito um PR em Portugal. Há um mês que tenho aquela imagem atravessada. Apetecia-me dizer isto:
Cavaco, a subir a rampa do Palácio de Belém com a Maria pela mão (até aqui tudo bem), mais os filhos, mais os netos, mais o genro mais a nora é pindérico. E é monárquico.
O Luís Montez (genro) não é mais do que eu para andar ali.
A Perpétua (nora) não é mais do que você para andar ali.
(Eu também quero subir a rampa, você não quer?)
Os filhos já não são dependentes do papá para aparecerem na fotografia.
As crianças não mereciam ser usadas assim.
Em termos de marketing - dantes dizia-se propaganda - , a coisa funcionou na perfeição.
31 janeiro 2006
15 janeiro 2006

27 dezembro 2005
a music of chance

Sob o efeito alucinogéneo das rabanadas descobri semelhanças entre a notação musical e a notação da sueca. Talvez por não perceber nada de música e muito pouco de sueca, os traços e bolas com que se registam ambas as artes parecem-me ter uma base comum, com origens longínquas no cálculo combinatório e nas teorias do caos. Talvez por não perceber nada de cálculo combinatório ou de teorias do caos. Podemos assim conceber uma música do acaso, minimalista, construída através da interacção inconsciente de quatro pessoas que jogam às cartas num jardim. Um conceito digno de Borges e credível apenas enquanto durar o efeito do vinho do Porto.
12 dezembro 2005
«Proibido estudar neste estabelecimento»
10 dezembro 2005
06 dezembro 2005
Livro de cabeceira da semana
Agora és estrangeiro em sentido
próprio, com os nervos toldados
por demasiada música. Sentado
na erva de Maio, junto à estufa
das carnívoras – Dragão Vermelho,
Sarracenia flava – a tua Primavera
tortuosa, transplantada.
Enrolas tabaco holandês, procuras
na memória um verso que melhor
explique o lastro das circunstâncias,
uma Inglaterra mais funda, deitada
à sombra da experiência
das palavras. E tal como esse
pequeno, quase imponderado
esforço, não terá sido afinal inútil
tudo o que fizeste na vida?
Rodas e repetições, é assim o tempo
na carne. Mas o que aprendeste
com o primeiro desengano não te preparou
para o segundo, o terceiro e todos
os que se seguiram. Entretanto faz sol
e o mundo existe, é quase uma pintura
de inocente intenção.
Rui Pires Cabral, Longe da Aldeia, Averno, 2005
05 dezembro 2005
A ocupação do espaço

Nature has placed mankind under the governance of two sovereign masters, pain and pleasure. It is for them alone to point out what we ought to do, as well as to determine what we shall do. On the one hand the standard of right and wrong, on the other the chain of causes and effects, are fastened to their throne. They govern us in all we do, in all we say, in all we think: every effort we can make to throw off our subjection, will serve but to demonstrate and confirm it. In words a man may pretend to abjure their empire: but in reality he will remain subject to it all the while.
01 dezembro 2005
À borla
«Tenho que escolher o que detesto – ou o sonho, que a minha inteligência odeia, ou a acção, que a minha sensibilidade repugna; ou a acção, para que não nasci, ou o sonho, para que ninguém nasceu.
Resulta que, como detesto ambos, não escolho nenhum; mas, como hei-de, em certa ocasião, ou sonhar ou agir, misturo uma coisa com outra.» [Livro do Desassossego de Bernardo Soares]
Aforismos, empirismo
23 novembro 2005
Estamos em estado de reanimação. Por favor incomode o doente.
01 novembro 2005
O censor prévio

Rui Rio é um democrata, ninguém duvida. Desde que a democracia satisfaça plenamente a sua vontade, é um democrata. Com maioria na câmara, mais democrata se torna, e ganha contornos de déspota iluminado, que decide o que é de interesse público, e sobretudo aquilo que é do seu interesse próprio. Assim, ontem, no Porto, ele mesmo provou como a democracia é uma coisa frágil e como dentro de um político com fama de sério e honesto pode abrigar-se um pequeno ditador.
Da última vez que entrevistei Rui Rio (para a "Sábado"), antes das autárquicas, ele próprio e elementos do seu stafe tentaram evitar que a entrevista fosse publicada. Rio não gostou de ser confrontado com aquilo que Paulo Morais tinha dito numa entrevista anterior à Visão, não gostou de ser confrontado com algumas das suas contradições, não gostou que a entrevista não tivesse sido aquilo que ele desejaria que fosse. Mas uma entrevista é uma entrevista, não é um tempo de antena.
É pena que ele não compreenda que os titulares de cargos públicos, por melhores intenções que guardem, devem ser confrontados com as suas acções, palavras, intenções. Devem esclarecer, ser claros, e perceber que os jornalistas não devem resignar-se quando os políticos não querem responder às perguntas incómodas. A nossa função é inquirir, duvidar, querer saber mais e garantir que as respostas são reproduzidas tal como foram dadas.
Mas ontem Rui Rio anunciou estas fabulosas e democráticas regras, numa declaração pública, que pode ser consultada no site da SIC:
- ”restringir o seu relacionamento [da Câmara] com os media exclusivamente às matérias de inegável interesse público e evitar todas as que visem objectivos de interesse privado, corporativo ou editorial”;
- ”fazer depender qualquer declaração para a comunicação social sobre matérias do Executivo, de prévio contacto do jornalista com o Gabinete de Comunicação da Câmara”;
- ”acordar com a imprensa apenas entrevistas por escrito, mediante critérios de oportunidade, com regras previamente definidas, evitando ou minimizando assim interpretações especulativas, ou a pura manipulação das respostas”;
- ”o Gabinete de Comunicação da Câmara recorrerá, preferencialmente, à mensagem escrita, através de publicação no site oficial da Câmara e de difusão pelos media”.
28 outubro 2005
Lisboa-Porto num shot
27 outubro 2005
Recordando...

Com Cavaco a concorrer, agora discute-se a presidencialização do regime. Tem piada, porque em 2001, como Sampaio era pouco interventivo, o debate análogo sobre os poderes presidenciais era sobre se o Presidente da República devia ser eleito por sufrágio universal ou por via indirecta. Ele há coisas neste país que mudam com uma facilidade... e ninguém se lembra?
25 outubro 2005
Coincidências
24 outubro 2005
Lembrando, comparando...

"Convocaria eleições no momento em que estivessem esgotadas as hipóteses de obtenção do necessário apoio parlamentar à constituição de um governo. Contraria a minha experiência para avaliar as condições de governabilidade", disse Cavaco Silva, na 1ª campanha presidencial: DN - 11 de Janeiro de 1996.Lembremo-nos de que Guterres não tinha maioria absoluta.
"Eu sou um defensor da estabilidade política. Não se conseguem ultrapassar as dificuldades sem estabilidade. [A dissolução] Só deve ser utilizada em situações muito extraordinárias", disse Cavaco Silva, na apresentação da campanha presidencial II: 20 de Outubro de 2005. Ligeiramente diferente da opinião da década anterior. Para não assustar os socialistas nem os sociais-democratas traumatizados.
"O senhor [dirigindo-se a Jorge Sampaio], não esteve na Alameda politicamete. E sempre esteve nos antípodas de Mário Soares", disse Cavaco Silva, na 1ª campanha presidencial, no debate com Jorge Sampaio e Jerónimo de Sousa na Prova Oral da RTP, a 15 de Dezembro de 1995. Tecerá hoje louvores a Jorge Sampaio para atacar Mário Soares? Ficamos à espera, porque a política tem coisas destas.
"[O Rendimento Mínimo Garantido] gera muitos problemas: desincentiva a procura de trabalho, requer mecanismos administrativos complexos para o seu controlo, dá origem a grandes fraudes e provoca injustiças. Não resolve os problemas da pobreza", disse Cavaco Silva, na 1ª campanha presidencial à Revista do Expresso, 12 de Janeiro de 1996. Manterá a mesma opinião agora?
"Com o poder todo concentrado num só quadrante ideológico, não vejo nada um futuro cor-de-rosa (...). Com tudo cor-de-rosa não antecipo nada de bom para Portugal", disse Cavaco Silva, na 1ª campanha presidencial na mesma entrevista à Revista do Expresso, em 12 de Janeiro de 1996, a dois dias das eleições. Poderá hoje dizer a mesma coisa, quando ainda há mais poder concentrado nas mãos dos socialistas? É claro que não voltará a usar este argumento.
Dez anos é muito tempo...
20 outubro 2005
Adivinhando

Hoje, dentro de uma das suas obras emblemáticas e à hora dos telejornias, Aníbal Cavaco Silva vai dizer que é candidato a Presidente da República.
1 - A sua declaração será curta e incisiva, ao contrário da de Mário Soares que foi longa, fastidiosa, e vazia de conteúdo;
2 - Não vai ter a sala cheia de convidados, mas sim de jornalistas, para evitar colagens excessivas a partidos (ao PSD) e Marques Mendes não deverá lá estar; Mário Soares tinha a sua sala no Altis cheia de notáveis e de gente do PS para mostrar que tinha uma data de apoios;
3 - Vai responder a perguntas dos jornalistas para mostrar que não é aquela figura fechada e antipática de outros tempos, ao contrário de Soares que não quis ser questionado a seguir à sua apresentação (e que toda a vida falou aos jornalistas);
4 - Para já, não fará grandes avisos à navegação socialista e até há-de elogiar o esforço de contenção deste Orçamento do Estado, para não hostilizar os socialistas;
5 - Voltará a apresentar-se como homem providencial que regressa com sacrifício da sua vida pessoal para endireitar as coisas (aliás, tal como Soares);
Quem há 10 ano pensou que o Acabado Silva estava mesmo acabado...
15 outubro 2005
Arquitecto no saco

Meteram o arquitecto no saco. Que será dos meus sábados, a partir de agora, sem aquelas ironias tão finas que quando estão de frente parece que estão de lado e é preciso explicá-las na semana a seguir? Em que sacos hei-de procurar agora prosas saraivadas? Heeelp! Preciso da minha dose semanal de Saraiva.
13 outubro 2005
Ao largo na Graça

Pode. Tire lá a fotografia. Assim 'tá bem? Deixe-m' ajeitar o boné… E o cigarrinho? Vou dar uma passa no cigarrinho. Ficou bem? Sou aqui da Graça, pois, sou daqui. Agora isto há prá’qui muita gente. É a esplanada há uns dois anos. Dois anos? Se calhar há mais... Já custo a andar. Só com a bengala. E devagar. São os anos. Uma data deles. Bailei muito nesses Sant' Antónios. Agora tod'á gente vem p'ráqui. Acho bem. A malta tem de se divertir, não é? Vou andando devagarinho, assim, 'tá a ver. Visto o fatinho, já tá velho, e dou uma volta, vejo a vista, as camones, até assobio a elas, dou pão aos pombos, bato uma manilha ali no largo, quando calha. Já não posso dar no tinto, mas às vezes vai um gole no branco, eh, eh. É assim. Saudinha da boa!
12 outubro 2005
Arqueologia das palavras

Se a Odisseia é a precursora dos Indiana Jones e demais histórias de aventuras, a Ilíada inaugurou os Apocalipse Now de todos os tempos e demais contos de guerra. O Senhor dos Anéis, porém, mistura tanto aspectos homéricos da Odisseia como da Ilíada. É uma guerra e uma busca, uma ida e um regresso. Mas para lá da narrativa, há detalhes que me impressionam na leitura das traduções de Frederico Lourenço para a Cotovia. Como esta arqueologia das palavas, numa história com três mil anos, em que Nestor fala a Diomedes:
"Pois agora para todos se coloca no fio da navalha".
Ou então, pouco mais adiante:
"Hão-de ficar onde estão [os troianos], afastados das naus, ou hão-de regressar à cidade, uma vez que já deixaram os Aqueus na mó de baixo."
Na "mó de baixo" e no "fio da navalha". Há três milénios que usamos estas expressões e eu não sabia. Na Introdução, o tradutor explica que este é o mais antigo registo da frase "no fio da navalha". E há outras coisas tão parecidas às dos nossos tempos...
Relativismo
06 outubro 2005

"Há, em Veneza, três lugares mágicos e secretos: um na rua do Amor dos Amigos; um segundo nas proximidades da ponte das maravilhas, e um terceiro na calle dei Marrani, perto de San Geremia, no velho ghetto. Quando os venezianos - por vezes malteses - se cansam das autoridades, dirigem-se a estes lugares e, abrindo as portas ao fundo desses pátios, partem para sempre para países fantásticos e outras histórias". - Fábula de Veneza, Hugo Pratt
Tiago e Joana: já têm aqui a cartografia dos portais fantásticos; se os atravessarem para o outro lado, podem prolongar por mais uma horas este dia especial.
02 outubro 2005
Thomas Mann, Morte em Veneza
(Até p'rá semana.)
01 outubro 2005
Washington «Post»
25 setembro 2005
A criação do mundo

Para o Miguel, ao quarto dia
Assim como quando uma pessoa morre o mundo acaba, quando alguém nasce o mundo é criado. Para quem tem poucos momentos de vida, não interessa se o universo foi criado há milhões de anos e continua a expandir-se ou se o seu próprio nascimento foi produto de uma evolução a partir de aminoácidos, da substituição de seres estranhos por seres estranhos e de uma longa sucessão de relações sociais determinadas, no fundamental, pelo acaso. Para o Miguel o mundo foi criado na última quinta-feira. E, em certo sentido, também para a Carla e o Vítor.
Tudo foi criado em simultâneo, mas não pode ser conhecido em simultâneo. Todos os povos têm mitos fundadores e, no nosso, ao quarto dia foram criados as estrelas, o Sol e a Lua. «Haja luzeiros no firmamento dos céus, para separar o dia da noite e servirem de sinais, determinando as estações, os dias e os anos; servirão também de luzeiros no firmamento dos céus, para iluminarem a Terra». É um dia importante e está a chegar ao fim. O de amanhã também vai ser comprido: são criados os seres marinhos e as aves. Dorme bem.
23 setembro 2005
O Equinócio da minha vida

Aqui, nesta hora indizível, a cabecita do Miguel assomava-se ao mundo e estreava os pulmoezitos novos. Aqui, neste minuto feliz, às 17h56, no momento do Equinócio de Outono, quando o dia tem exactamente a mesma duração da noite, a 22 de Setembro do ano da graça de 2005, senti aquilo. E isso não se descreve. No primeiro segundo, parece que olhamos para nós mesmos às avessas, como uma personagem de Borges que encontra o seu sósia. Ontem, da primeira vez que o vi em cima da barriga da mãe, umbilicalmente ligado ainda, tudo fez sentido com uma limpidez cristalina mas inexplicável. Todos os pontos do cosmos convergiram ali, enquanto reconhecia o meu filho. Enchi-me de ar, de perfumes de jardins e de rosas e de quatro ventos frescos cardeais e de todos os lugares mágicos e de fantasia do mundo. Viver até agora valeu a pena para ser atravessado por estes segundos de alegria e perplexidade.
20 setembro 2005
A vida d.f.
19 setembro 2005
O duelo: Carmona vs Carrilho

Aquilo foi a prova de que afinal eles são como nós, como a gente, piores que o pessoal, a malta, a maralha, a canalha. O duelo Carmona vs Carrilho refuta o argumento de que os políticos estão longe das pessoas, dos eleitores, enfim, do povão. Eles são povo, interpretam na perfeição a atitude discursiva alfamista ou madragoeira, são verdadeiras varinas, naifistas do Cais do Sodré, rufiões da baixaria. Interpretam aquilo que a condição humana tem de mais genuino: o instinto do ataque e o reflexo da defesa, a fúria, o olho-por-olho-dente-por-dente. Ah gandas homens, pá!
Aquilo não devia ter ficado por ali. Se eles fossem cavalheiros... Se aqueles dois rufiões fossem cavalheiros à séria, nunca tinham aplicado tantos golpes abaixo da cintura. Se fossem cavalheiros, no final, quando Carrilho recusou o cavalheiresco aperto de mão, Carmona havia de ter pegado na bengala e quebrado a dita na cabeça dura de Dom Manuel Maria; quando Dom Manuel Maria ouvisse Dom António Pedro a chamar-lhe "ah grande ordinário", havia de lhe dar dois ou três sopapos, já que ele dá a Cara Por Lisboa, e depois marcavam um duelo nas traseiras da Sé e, assim, com sorte, víamo-nos livres de ambos.
Há mínimos a cumprir em política: não basta ser sério, ter ideias e boas intenções, é preciso saber estar, porque é no domínio público que a política decorre. Como é que estes dois homens tratariam um munícipe reclamante? Ao pontapé? O que o debate nos mostrou é que Lisboa será governada por um dos dois, infelizmente.
18 setembro 2005
Cum enim saepe mecum ageres ut de amicitia scriberem aliquid, digna mihi res cum omnium cognitione tum nostra familiaritate visa est. Itaque feci non invitus ut prodessem multis rogatu tuo. Sed ut in Catone Maiore, qui est scriptus ad te de senectute, Catonem induxi senem disputantem, quia nulla videbatur aptior persona quae de illa aetate loqueretur quam eius qui et diutissime senex fuisset et in ipsa senectute praeter ceteros floruisset, sic cum accepissemus a patribus maxime memorabilem C. Laeli et P. Scipionis familiaritatem fuisse, idonea mihi Laeli persona visa est quae de amicitia ea ipsa dissereret quae disputata ab eo meminisset Scaevola. Genus autem hoc sermonum positum in hominum veterum auctoritate, et eorum inlustrium, plus nescio quo pacto videtur habere gravitatis; itaque ipse mea legens sic afficior interdum ut Catonem, non me loqui existimem.
17 setembro 2005
Inspiração em Sade

Meu caro Tiago,
Tenho uma solução para o problema enunciado por ti no post anterior: há 200 anos, a solução foi encontrada pelo Marquês de Sade. Ele escreveu coisas tão criminosas que conseguiu ir parar à cadeia onde encontrou inspiração para escrever outras ainda mais criminosas.
Ora Sade, frustrado que estava com os prazeres finitos da tortura, assassinato e traição, procura em cada personagem um um crime tão hediondo cujos efeitos sejam eternos, de modo a causar, nas suas palavras: "Um caos de tais proporções que provocasse a corrupção geral ou um distúrbio tão formal que, mesmo depois da minha morte, os seus efeitos ainda se sentissem".
Juliette, uma das suas personagens mais vis, chega a enunciar esse objectivo do autor, Sade. O de cometer "um crime moral, o crime que se comete a escrever". Sendo assim, o crime que pode cometer-se a escrever, ao contrário do que desejarias, Tiago, teria de ser absolutamente inaceitável do ponto de vista moral. Até inacessível, difícil de igualar, por assim dizer, do ponto de vista da maldade.Mas creio que o Marquês de Sade não levantou a questão dos funcionário públicos. Não era preciso. O Conde José Sócrates já os faz sentir tão culpados por existirem que o melhor era mesmo optarem entre o suicídio ou a escrita de um romance. E um romance faz menos mal à saúde que um suicídio, daí ser mais aconselhável. De preferência, um romance moralmente inaceitável. Talvez seja mais fácil ir parar à prisão sendo funcionário público, por autopunição imposta, do que escrevendo o livro mais execrável que possa ter existido. Mas são os dias que correm. Pelo menos tu és funcionário público: eu não sou isso nem suficientemente malévolo para escrever um romance que valha a pena ser lido...
12 setembro 2005
A acreditar numa reportagem que vi há algum tempo existe uma alternativa mais moderna à prisão: o funcionalismo público. Era sobre o modernismo brasileiro e o estudioso tinha chegado à conclusão de que a maior parte dos grandes poetas e escritores do movimento, como Carlos Drummond de Andrade ou João Cabral de Melo Neto, eram funcionários públicos. A relação escapa-me mas parece-me um bom argumento para uso dos sindicatos e contra a diminuição do peso do estado.
09 setembro 2005
Juliet: Three words dear Romeo, and good night indeed:
If that thy bent of love be honourable,
Thy purpose marriage, send me word to-morrow,
By one that I'll procure to come to thee,
Where and what time thou wilt perform the rite,
And all my fortunes at thy foot I'll lay,
And follow thee my Lord throughout the world.
William Shakespeare, Romeo and Juliet
07 setembro 2005
05 setembro 2005
Discurso de rentrée
Lisboa aos meus pés
01 setembro 2005
A bochecha da República

Há Repúblicas que têm bustos. Portugal tem bochechas.
Mais providencial que isto era difícil. "Como poderia eu abster-me de participar, neste momento de crise, de desorientação e de indiferença, quando amplos sectores da sociedade civil e da política me pediram tão insistentemente para avançar?", disse ontem Mário Soares quando apresentou a candidatura a Belém.
Primeiro: não podia abster-se de participar. Porque não pode a República viver sem Soares? Os cemitérios estão cheios de gente insubstituível e de homens providenciais. D. Sebastião nunca chegou a aparecer, houve um dia que Salazar morreu, Sá Carneiro desapareceu, Cunhal foi-se e o país por aí continua. Caso Soares se abstivesse de participar, que desgraça se abateria sobre nós?
Segundo: a crise e a desorientação. Imaginamos que contributos poderá Mário Soares trazer para afastar esta crise que nos sufoca? Que norte nos apontará, para orientar a nossa deriva e para combater a nossa indiferença? A indiferença acentua-se quando as pessoas se deparam sempre com a mesma coisa, as mesmas caras ao longo dos anos...
Terceiro: os apelos da sociedade civil e política. Ao desespero de Sócrates, Soares respondeu: vamos lá dar cabo do Cavaco. Vamos ver como correm os debates, vamos ver... Todos os "basta!" que Soares disse nos últimos tempos vão ser-lhe atirados à cara durante a campanha e alguém dirá: com esta história recente, quem vai acreditar numa palavra do que o senhor diz?
Porém, se todos os Guterres e Vitorinos desta vida fossem menos egoístas e tivessem a disponibilidade viril para o combate que este homem de 80 anos mostra, não haveria cromos repetidos na nossa colecção.
Foto: Jean Gaumy, Magnum Photos, 1975
31 agosto 2005
A política e as sombras

Segundo a Lusa, afirmou ter recebido "palavras de estímulo" de José Sócrates para se candidatar à Presidência da República, mas ressalvou: "É melhor não contar o resto". Mesmo assim, contou um bocadinho: "Como ninguém avançava para enfrentar Cavaco Silva, o secretário-geral do partido pediu-me para reflectir, e quando fiz essa reflexão apareceu outra solução". Não é bonito, não. Basta! basta!, já ninguém acredita nesses bastas nem nos vou lá eu!, vou lá eu! Não resta grande coisa em que acreditar.
A política é cada vez mais um jogo de sombras, onde ao movimento de um corpo corresponde na sombra a sensação do movimento contrário.
30 agosto 2005
O fósforo da Europa
"To your right, you can see Portugal burning." On a flight leaving Lisbon this week, passengers heard that gloomy advice as they gazed down at the smoke bilowing up from the pines and eucaliptus trees".
Isto visto pelos olhos dos outros ainda soa pior.
29 agosto 2005
Mentiras
Desta vez, Fátima Bonifácio tem razão. O sistema está minado. Os votantes não têm razões para acreditar no seu próprio voto. O futuro é uma lotaria. A campanha eleitoral é uma farsa. Está caducado o contrato entre eleitos e eleitores. A situação do país não me impressiona: um político honesto, que prometeu não aumentar os impostos, devia arranjar outros recursos para não comprometer o compromisso eleitoral. E logo os impostos, um dos aspectos mais centrais à relação entre os cidadãos e o Estado.
"[A moral] em política é fundamental. As pessoas podem ser ignorantes mas não são estúpidas", diz Fátima Bonifácio. O actual regime está ou não esgotado?
24 agosto 2005
Dia do padroeiro


Para comemorar o dia, mesmo com uma enxaqueca terrível, arrastei-me até à estante, escolhi um volume das Obras Completas, da Teorema, ao acaso (saiu-me o segundo), e abri uma página do livro ao acaso (foi a 249): Estavam lá três versos propositados e adequados à efeméride.
Onde está a memória dos dias
que foram teus na terra e que teceram
fortuna e dor e foram para ti o universo?
21 agosto 2005
Madrugadas à minha porta

Um tipo preto de cabelo assim meio à rasta perguntou-nos que horas eram. Eu disse: "Seis e um quarto". O polícia à paisana, ao meu lado, respondeu-lhe mais alto: "É meidia". Ainda não tinha nascido o sol.
- Foi este homem que você viu, está a reconhecê-lo? - interrogou-me o agente.
Uns três ou quatro polícias dominavam o ladrão, um branco cheio de agilidade, que tinha acabado de assaltar o externato do meu prédio, fugindo com um salto directo do primeiro andar para o chão. Chorava baba e ranho e, ao que parece, tinha a mochila cheia de máquinas de calcular. Afinal, um pobre diabo de quem não vale a pena ter pena. Todas as noites deve fazer o seu servicinho. Fui eu que chamei a polícia, depois de ouvir o barulho dos vidros partidos. Foram rápidos a chegar e eficientes a actuar. Não fosse...
- É esse mesmo. Com a t-shirt branca, o boné e a mochila cinzenta - disse eu, apontando o gatuno.
No meio da confusão, o negro das horas não desarmou e voltou à carga, direito ao polícia - os vapores e madrugadas do Cais do Sodré são maus conselheiros. "Eu só queria saber as horas, meu, por que é que tás a dizer que é meidia?"
Levou um estalo. Dois estalos, três estalos. Ou mais. Com força.
- Já vi a matrícula do carro, o meu pai é advogado, moçambicano! - berrou, atordoado.
- E o meu filho é juiz! - respondeu o agente.
Não cheguei a perceber se o mano estava a ver que os paisanos eram da polícia. Voltei para casa. Ainda dormi, apesar de tudo. E ainda estou a pensar o que levou o chui a esbofetear um desgraçado cujo único crime foi embebedar-se, perguntar as horas e tornar-se num chato.
20 agosto 2005
De que é feita a nossa memória? Recordamo-nos mal de coisas que adoraríamos lembrar, e fazemos um esforço danado para esquecermos outras memórias que não deixam de nos assombrar.
Acabei de ver o filme O Despertar da Mente em DVD, com Jim Carrey e Kate Winslet, lamentavelmente perdido no cinema. Quem o viu, sabe do que estou a falar. Decididamente, um dos filmes da minha vida. Pelo menos hoje é.
18 agosto 2005
O acto poético
A ideia de se ter alma ou de se ser um desalmado é interessante na boca de um socialista que fala de um suposto amigo.
Proclama ainda Alegre, pensando em Soares mas também em Cavaco, que "não há salvadores da pátria nem homens providenciais". Pois não. Por acaso já tínhamos reparado: ninguém tem salvo a pátria nos últimos tempos, antes pelo contrário; e todos os homens que Providência nos legou se revelaram um desastre.
Afinal quem é Alegre? Nem salvador nem enviado pela Providência, é o poeta irredutível no seu quadrado que traz a alma à política. É bonito, mas não se percebe muito bem para que serve.
14 agosto 2005
Um mês
12 agosto 2005
OTArios (adenda)
Decoro
OTArios
11 agosto 2005
Entrevista com o Diabo
10 agosto 2005
Lisboa entre as 7 e as 8
No Príncipe Real, já para os lados de S. Bento, há uma ervanária que dá pelo nome de Sô Zé, que tem uns azulejos com o número 666 por cima da porta. Ora Sô Zé, ao que sabemos, é o nome de um bruxo que já foi José Esteves, antigo bombista nos anos quentes e que guarda um segredo sobre Camarate....
Na Rua António Maria Cardoso, um vagabundo dava pontapés nas coisas e gritava makeké!, makeké!, pensam que isto é tudo deles!.
Um pouco mais abaixo, as obras na antiga sede da PIDE estão avançadas na direcção de um empreendimento de luxo. Uma parte do terceiro andar onde ficavam os presos políticos já foi abaixo. Um país sem memória não é uma nação. Makeké!
09 agosto 2005
Contradição maciça
05 agosto 2005
Contributo para uma referência a PSL
"Google meu, google meu, existe algum político português com mais referências na Internet do que eu?"
"Não, mas cuidado, meu lindo, porque as referências são muitas mas nem todas são boas, nem nos blogues de direita... Agora há outro primeiro-ministro, jovem, belo e grisalho, chamam-lhe cabeça branca de neve, e só ele poderá destronar-te, tal é o caminho que as coisas levam", responder-lhe-ia o computador...