26 abril 2006

O pragmatismo de Cavaco

A 25 de Abril e a 5 de Outubro, Jorge Sampaio fazia discursos de geometria complicada, verdadeiros exercícios de quadratura do círculo: conseguia falar de tudo ao mesmo tempo, defendia a coisa e o seu contrário, lançava frases cifradas, agradava a todos, desagradava a todos, dava recados ao Governo, às oposições, a toda a gente.

Ontem Cavaco foi mais eficaz. Primeiro sugeriu: está bem, meus senhores, eu podia vir aqui falar dos problemas do regime e puxar as orelhas aos deputados, mas os senhores são crescidinhos e não vou aqui perder tempo a dizer o que toda a gente sabe e pensa, vou antes falar sobre isto - a justiça social - que é coisa muito mais importante para a vida das pessoas. O discurso está aqui.

Ao fechar o ângulo, conseguiu lançar todos os olhares para um único problema, invertendo a lógica dos discursos presidenciais. Ao escolher um tema que tanto preocupa o PC como o CDS manteve-se acima das lutas partidárias.

Ao falar da vida real das pessoas deu um sinal ineqívoco: a política serve para pensar nos outros e existe como serviço aos outros - e nisso ele assume um certo carácter messiânico - mais do que para passar o tempo aos círculos a reflectir sobre si mesma.

A contradição é tão só esta: Cavaco ganhou as eleições ao centro e já fez dois discursos à esquerda; então, para que servem os seus conselheiros mais próximos, conotados com o que há de mais liberal do ponto de vista do mercado e conservador do ponto de vista dos costumes? É que nem tudo o que Cavaco diz é tudo o que Cavaco pensa.