Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
21 agosto 2005
Madrugadas à minha porta
Um tipo preto de cabelo assim meio à rasta perguntou-nos que horas eram. Eu disse: "Seis e um quarto". O polícia à paisana, ao meu lado, respondeu-lhe mais alto: "É meidia". Ainda não tinha nascido o sol.
- Foi este homem que você viu, está a reconhecê-lo? - interrogou-me o agente.
Uns três ou quatro polícias dominavam o ladrão, um branco cheio de agilidade, que tinha acabado de assaltar o externato do meu prédio, fugindo com um salto directo do primeiro andar para o chão. Chorava baba e ranho e, ao que parece, tinha a mochila cheia de máquinas de calcular. Afinal, um pobre diabo de quem não vale a pena ter pena. Todas as noites deve fazer o seu servicinho. Fui eu que chamei a polícia, depois de ouvir o barulho dos vidros partidos. Foram rápidos a chegar e eficientes a actuar. Não fosse...
- É esse mesmo. Com a t-shirt branca, o boné e a mochila cinzenta - disse eu, apontando o gatuno.
No meio da confusão, o negro das horas não desarmou e voltou à carga, direito ao polícia - os vapores e madrugadas do Cais do Sodré são maus conselheiros. "Eu só queria saber as horas, meu, por que é que tás a dizer que é meidia?"
Levou um estalo. Dois estalos, três estalos. Ou mais. Com força.
- Já vi a matrícula do carro, o meu pai é advogado, moçambicano! - berrou, atordoado.
- E o meu filho é juiz! - respondeu o agente.
Não cheguei a perceber se o mano estava a ver que os paisanos eram da polícia. Voltei para casa. Ainda dormi, apesar de tudo. E ainda estou a pensar o que levou o chui a esbofetear um desgraçado cujo único crime foi embebedar-se, perguntar as horas e tornar-se num chato.
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