01 setembro 2005

A bochecha da República


Há Repúblicas que têm bustos. Portugal tem bochechas.

Mais providencial que isto era difícil. "Como poderia eu abster-me de participar, neste momento de crise, de desorientação e de indiferença, quando amplos sectores da sociedade civil e da política me pediram tão insistentemente para avançar?", disse ontem Mário Soares quando apresentou a candidatura a Belém.

Primeiro: não podia abster-se de participar. Porque não pode a República viver sem Soares? Os cemitérios estão cheios de gente insubstituível e de homens providenciais. D. Sebastião nunca chegou a aparecer, houve um dia que Salazar morreu, Sá Carneiro desapareceu, Cunhal foi-se e o país por aí continua. Caso Soares se abstivesse de participar, que desgraça se abateria sobre nós?
Segundo: a crise e a desorientação. Imaginamos que contributos poderá Mário Soares trazer para afastar esta crise que nos sufoca? Que norte nos apontará, para orientar a nossa deriva e para combater a nossa indiferença? A indiferença acentua-se quando as pessoas se deparam sempre com a mesma coisa, as mesmas caras ao longo dos anos...
Terceiro: os apelos da sociedade civil e política. Ao desespero de Sócrates, Soares respondeu: vamos lá dar cabo do Cavaco. Vamos ver como correm os debates, vamos ver... Todos os "basta!" que Soares disse nos últimos tempos vão ser-lhe atirados à cara durante a campanha e alguém dirá: com esta história recente, quem vai acreditar numa palavra do que o senhor diz?

Porém, se todos os Guterres e Vitorinos desta vida fossem menos egoístas e tivessem a disponibilidade viril para o combate que este homem de 80 anos mostra, não haveria cromos repetidos na nossa colecção.

Foto: Jean Gaumy, Magnum Photos, 1975

6 comentários:

Anónimo disse...

Quer isso dizer que aplicas o mesmo pensamento a Cavaco, que só comentas se a candidatura fôr oficializada, ou que vais votar nele? ;)

Vìtor Matos disse...

Não, não vou votar nele. Isso é que não. Mas como ele ainda vai demorar algum tempo a oficializar a candidatura, se calhar o melhor é começar a comentar já. Nem que seja o ruído do silêncio.

Anónimo disse...

Certo, certo, é que não houve ninguém de gerações mais recentes que tivesse a ousadia/coragem de avançar. A moral da história da candidatura de Soares é bem mais triste: não temos gente que queira exercer cargos políticos, nem sequer o de Busto/Bochechas de Estado porque neste momento não é nada, nada aliciante! E se continuar assim... daqui a uns anos os candidatos serão personagens como Avelino Ferreira Torres, Valentins Loureiros e afins! É isto que nós queremos para os nossos filhos?!?

O Arquivista disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
O Arquivista disse...

Meu caro,

podemos comentar, em relação aos contendores em presença na arena política, os pensamentos, as convicções e até, como o fazes, os traços fisionómicos.
Em relação aos primeiros, sabes que eu respeito tremendamente as convenções anatómicas e tenho orgulhosamente o coração a pulsar no lado esquerdo do corpo. Não ao centro. Muito menos à direita. Estamos sobre isso já muito conversados :)
Mas, se dúvidas tivesse, e precisasse de mais argumentos para escolher entre os dois presidenciáveis, os fisionómicos bastariam... A bonomia bochechuda do velhote Soares vs a crispação cadavérica do amigo Aníbal (tive de me conter para evitar o sotaque que me ataca cada vez que pronuncio esse nome e me impele a trocar os bês pelos emes) nem sequer me parece um combate justo. O Cavaco não tem cara nem para levar um estalo; já ao Marocas só me apetece dar apertos amigáveis nas bochechinhas, tão mimosas e convidativas que são...

P.S. (aqui o PS, vem muito a propósito): Novo deleted em novo comentário. Cada tiro, cada melga.... Cada vez que faço um comentário no teu blog sou forçado a eliminá-lo, acto contínuo. Desta vez foi porque enviei, involutariamente, o comentário a meio. Espero que isto melhor de agora, em diante. Mas (agora a acidez corrosiva), esse é um risco que não corres no meu blog, visto que nada comentas :). Não sei se por falta de tempo, de vontade ou de interesse sobre os delírios que por lá escorrem. Espero que ao menos vás lendo os posts. Encara isso como um sacrifício generoso dedicado ao ego de um amigo inquieto e inseguro sobre o que por lá vai dizendo ;) Em relação ao outro proprietário do blog, obrigado Tiago, por seres um dos meus comentadores residentes. E já agora, olá Isabel, olá Zé Pedro, os dois outros comentadores do painel de três, que me brindam generosamente com a sua assiduidade e companhia.

Senador disse...

Pergunto-me até que ponto se foram as gerações mais novas do PS que não avançaram ou se foi Soares que assim o planeou?