14 outubro 2004

Se uma desconhecida lhe oferecer livros... está na América

Na América acontecem as coisas mais estranhas. Quando aterrei no aeroporto de Norfolk, Virgínia, ainda fiquei sentado uns minutos. Tinha ao meu lado um americano aflito, com dimensões XXL, a quem deviam ter reservado dois lugares no avião em vez de um. O homem era tão grande que fazia aflição. Por isso decidi levantar-me, libertá-o o mais depressa possível daquele aperto de seis horas e meia. Mal fiquei de pé (como metade dos passageiros), um homem, no banco da frente berrou: "Está assim com tanta pressa? Não sabe as regras? Porque é que não espera a sua vez e não deixa as outras pessoas sair primeiro!" Estarreci. Parecia que me queria bater. Ainda argumentei que não lhe tinha feito mal nenhum, blá-blá-blá, mas esperei que ele saísse primeiro.

Uns dias depois, em Washington, fui a uma livraria perto de Dupont Circle que está aberta toda a noite, e tem um belíssimo restaurante, um bar e música ao vivo. Escolhi dois livros que talvez não tivessem desconto na Barnes & Noble e dirigi-me ao balcão para pagar ao mesmo tempo de uma rapariga. Ela hesitou. E eu disse qualquer coisa como "faça favor". E ela fez. A empregada passou a pilha de livros dela no leitor óptico e os que estavam ao lado. Eu ainda disse, "esses livros são meus", a funcionária disse "eu sei", e fiquei a pensar que estava a fazer as contas separadas. Mas não. A moça tinha pago os meus livros. Saí porta fora e pedi explicações: "Por que carga de água é que pagou os meus livros?" Ela disse que tinha sido muito mal educada por ter passado à minha frente e que por isso tinha decidido pagar a conta. "Deixe lá, ela é assim", acrescentou a amiga que estava com ela. Ainda argumentei, blá-blá-blá, eu é que lhe tinha cedido a minha vez e tal, mas não funcionou. Voltei à livraria, perguntei quanto custavam os livros: 50 dólares, quase dez contos de réis. Corri para a rua. Tinha desaparecido.

Este é um episódio que jamais teria lugar em Portugal, fosse com livros ou rebuçados. E olha, fiquei a pensar nisso.

A propósito, os livros são: "The Irak War", do jornalista e historiador inglês John Keegan; e "The War for Muslim Minds", do académico francês Gilles Kepel.

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