13 julho 2005

Terrorismo em Portugal


"Portugal contabiliza 479 militares mortos no Iraque só nos últimos seis meses"
ou
"Ataque terrorista provoca 479 mortos em Lisboa"

Imaginemos que um destes dois títulos fazia manchete nos jornais portugueses. Conseguimos imaginar as discussões que haviam de seguir-se, toda a barafunda de opiniões, análises, medidas do Governo, protestos e manifestações, emissões em directo, emissões especiais, a nossa vida quotidiana em suspenso...

A citação que se segue é a verdadeira:

"Entre 1 de janeiro e 12 de Julho de 2005, morreram nas estradas portuguesas 479 pessoas".

A frase faz parte de um texto notável do Hugo Gonçalves na revista Atlântico, com o título "Relatório de um acidente", onde uma mãe fala de um filho que morreu num acidente de automóvel. Li o texto ontem, e consternou-me.

Hoje, a minha consternação disparou. O meu pai telefonou-me e deu-me a noticía. A noite passada, em Grândola, mais um acidente, choque frontal, três mortos, dois feridos, um deles grave. Eu conhecia-os a todos. Tanto ao bêbado que saiu fora de mão, como aos outros que iam sossegadamente na sua viagem. São mais três, a juntar a todos os casos que testemunhei, todos em Grândola, os da minha família, os meus amigos, os meus conhecidos...

Este terrorismo silencioso devia revoltar-nos. Mas nada acontece. Esta vergonha devia pesar na consciência da nação, como se todas as catástrofes que sobre nós se abatem fossem culpa nossa enquanto não resolvêssemos esta doença civilizacional.

Este terrorismo negligente explode todos os dias. Nenhum Governo teve a coragem de impor o grau zero de alcoolémia ao volante. Em 2001, Guterres quis baixar o limite de 0,5 e recuou, na mais clara demonstração de fraqueza de um Governo. Uma infâmia. Vende-se álcool nas bombas de gasolina. Tudo se tolera. A morte tolera-se. Em Portugal, quando se circula devagar é por medo da multa, não por medo da morte. Pode-se apoiar a invasão do Iraque, tomar medidas anti-terroristas, dar meios aos serviços de informações, falar até a exaustão sobre isto tudo, os pobres nos países pobres revoltados contra os ricos nos países ricos, mas fecha-se os olhos ao que se passa debaixo do nosso nariz.

É estranho. O combate à sinistralidade devia estar à frente da luta contra o défice. Nem deputados nem Governos assumem esta bandeira. Por quê?

Só mais esta frase da Atlântico: "Segundo um estudo da Universidade Nova de Lisboa, mais de metade dos condenados por homicídio por negligência, em casos de desastres de automóvel, continuam a conduzir. Em 2001, 51 por cento dos crimes contra a vida humana forma cometidos em acidentes de viação".

Os bárbaros acham sempre que são civilizados.

3 comentários:

Bruno Ramos disse...

Subscrevo e assino por baixo: por muito que isso custe ao orgulho da nação, e ao contrário do que a maioria dos portugueses pensa, em Portugal não se sabe conduzir... ou conduz-se perigosamente mal, o que é ainda pior. A condução defensiva, o civismo (ou deveria dizer mesmo "o altruismo") para com os outros condutores, o cumprimento do código da estrada e esse supremo acto de inteligência que é avaliar os níveis de risco consoante o estado do piso e as condições climatéricas, são ainda conceitos arredados da nossa mentalidade. Mas, diga-se também, em abono da verdade, que não são matérias abordadas na instrução.

Anónimo disse...

Se o governo pode (e deve) tomar medidas contra a sinistralidade, continuo a achar que este é em larga medida um problema cultural. Conduzir depressa, dizer que os outros são «condutores de fim-de-semana» ou levar o carro depois de uns copitos «apenas», continuam a fazer inchar o peito a quem o faz. Isso é que é «ter estilo». E eu, que ponho o cinto de segurança atrás em qualquer viagem que faça, seja de 50 ou 50 000 metros, continuo a ser literalmente gozada pelo «excesso de zelo». Acho que temos de começar a combater o fenómeno por aqui, na educação e no civismo de cada um.
Eu cá, enquanto (e sempre que) puder, vou continuar a andar de autocarro e de comboio. Sempre é mais seguro e permite-me ler e adormecer sempre que me apetecer.

Anónimo disse...

Concordo contigo Vitor. A malta fere-se, mata-se, queixa-se, mas quando se tentaram introduzir as medidas que descreves mesmo as associacoes de produtores vinicolas que deveriam estar interessadas em passar uma imagem de legalidade se oposeram porque tal faria cair as vendas.

Depois a desorganizacao nacional faz com que sejamos brandos na execucao das penas e o "rage driving" seja o escape das frustracoes do dia a dia pois nao existem penalizacoes evidentes. As penas nao se cumprem, os cumpridores sao vistos como uns tansos frouxos de fraco porte e a culpa e' sempre do outro. Mesmo ferramentas economicas como as multas ou a subida dos premios do seguro para os prevaricadores nao funcionam ai porque a malta nao as paga na esperanca do perdao presidencial ou simplesmente continua a conduzir sem seguro.

O proximo passo seria a apreensao da viatura ou o encarceramento mas receio que sejamos muito brandinhos.

Abracos daqui da DK.