O primeiro encontro político entre os dois homens correu mal: começou com um toque humorístico de gosto duvidoso e acabou num acesso de fúria de Mário Soares, que Cavaco Silva nunca esqueceu. No dia 24 de Maio de 1985, o professor recém-eleito líder do PSD, entrou na sede do PS, na Rua da Emenda, a desviar-se de vasos de flores e arbustos colocados estrategicamente para lhe dificultar a passagem. Era uma brincadeira dos socialistas, por Cavaco Silva ter dito aos jornalistas que aquela ia ser uma reunião de trabalho sobre o futuro da coligação PS/PSD, e não uma “cimeira de flores”. Apesar de ter ficado conhecida exactamente como a “cimeira das flores”, a reunião foi um passo para a queda do Governo do Bloco Central. Durante a conversa, em vez de usar da sua habitual bonomia, o secretário-geral socialista encolerizou-se, falou alto, perdeu as estribeiras… Claramente, Soares subestimou Cavaco, como voltou a fazer de outras vezes. Não se adivinha o futuro.
Mais tarde, no segundo livro das entrevistas a Maria João Avillez, Mário Soares chegou a reconhecer que foi “totalmente desagradável” para com Cavaco naquela reunião. “ A questão das flores foi apenas um simples toque de humor em resposta a uma alusão que Cavaco fez”, justificou Soares à jornalista. E descreveu-o: “Mas o professor, nessa altura, apresentava-se muito rígido e contraído – ao dar os primeiros passos na grande política e não aparentava grande sentido de humor”. Aliás, nunca o teve.
Mas não havia razões para rir, naquela época. E a conversa deve ter sido tão feia que o próprio Cavaco Silva recorda este episódio sempre que descreve os momentos de maior tensão vividos com Mário Soares ao longo dos 10 anos de coabitação. A propósito de um desentendimento ocorrido em 1991 – por causa dos acordos de paz para Angola -, Cavaco descreveu assim, no segundo volume da sua Autobiografia Política, outro ataque de cólera de Soares: “A minha argumentação de que deveria ser eu a fazê-lo [a presidir ao acto de assinatura dos acordos entre José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi], como chefe do Governo, não só não o convenceu como o irritou profundamente. Levantou a voz, zangadíssimo e ameaçador e quase não me deixou falar. Era uma táctica que utilizava quando queria impor os seus pontos de vista ao interlocutor, e que eu conhecera a primeira vez na célebre cimeira das flores (…). Descarregou sobre mim a sua fúria e voltou a avisar-me para ter cuidado”. De cada vez que Soares fazia uma cena, Cavaco punha “uma cara séria”. Respondia-lhe como diz ter feito da primeira vez que se desentenderam enquanto Presidente da República e primeiro-ministro. Nas suas memórias, Cavaco conta que mantinha a fleuma: “Delicadamente, mas com firmeza, disse-lhe que não valia a pena falar alto porque eu ouvia bem, que não era por isso que me convencia e que eu não saía dali sem lhe expor os meus argumentos”.
Soares e Cavaco tiveram 310 reuniões semanais a sós, habitualmente às cinco da tarde, no Palácio de Belém, durante 10 anos de convivência mais ou menos forçada. Portanto, os dois homens que devem confrontar-se em Janeiro conhecem-se bem, apesar das desconfianças mútuas. “Em geral, [Mário Soares] apresentava-se nas nossas reuniões com o ar afável e simpático que fazia e faz parte do seu estilo político”, conta Cavaco na Autobiografia. Antes de começar a expor os assuntos em agenda, o professor “observava o Presidente para tentar descortinar a sua boa ou má disposição”. Na entrevista a Maria João Avillez, Soares contradiz o ex-primeiro-ministro: “Nunca levantámos a voz”. E classifica as suas relações com Cavaco como “cordiais, embora talvez um pouco distantes e – digamos – impessoais”.
Andaram quase sempre de candeias às avessas. Sobretudo na segunda maioria absoluta do PSD (1991-1995). Soares fartou-se de vetar diplomas de Cavaco, sem o avisar previamente nas reuniões semanais; mas Cavaco também decidiu apoiar a recandidatura de Soares a Belém (em 1990/91) sem antes o informar; Soares abria as portas do Palácio de Belém a todos os críticos do Governo do PSD e promovia Presidências Abertas devastadoras para o Governo; e Cavaco incluía-o naquilo a que chamava “forças de bloqueio”; já no fim do cavaquismo, o Presidente chegou a ponderar a dissolução da maioria do PSD no Parlamento e a convocação eleições antecipadas, ao mesmo tempo que patrocinava o congresso "Portugal que Futuro!"; quase em simultâneo, o primeiro-ministro ironizava que era preciso ajudar Soares a acabar o mandato com dignidade.
Geralmente, em momentos de discórdia, o Presidente soltava umas ameaças veladas ao primeiro-ministro. “Olhe que a sua posição vai voltar-se contra si”, avisava. A desconfiança era mútua e durou uma década. É muito tempo.
A campanha das presidenciais promete.
1 comentário:
Notícia de última hora: Eusébio vai representar a selecção nacional no próximo campeonato do mundo de futebol...
incrível, acabou de chegar à redacção outra bomba... Rosa Mota atingiu os mínimos e vai participar na maratona nos jogos Olímpicos da China...
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