09 maio 2005

Sobre referendos e o princípio representativo

No Federalista N.º 10, James Madison traça a distinção entre uma república, um tipo de governo baseado na representação, e uma democracia pura. Segundo ele, a principal vantagem da primeira sobre a segunda seria: «to refine and enlarge the public views, by passing them through the medium of a chosen body of citizens, whose wisdom may best discern the true interest of their country». A ideia de que a tomada de decisões por representantes eleitos não é apenas um mecanismo inevitável em sociedades complexas, em que os cidadãos não podem reunir-se eles próprios para decidir tudo a todo o momento, mas preferível, esteve sempre de alguma forma presente nos debates teóricos sobre a democracia representativa. Desde algumas concepções elitistas de direita sobre a existência de uma aristocracia natural até algumas concepções elitistas de esquerda sobre o partido como a vanguarda do proletariado. As assembleias representativas têm legitimidade para tomar decisões em nome dos cidadãos que as elegem, mas não contra eles, de forma preventiva, quando existam dúvidas sobre se o conteúdo da sua deliberação será diferente da opinião dos seus representantes.

2 comentários:

Vìtor Matos disse...

Já percebi onde queres chegar, mas não sei o que pensas sobre o facto em concreto. Eu acho que o aborto não deve ser decidido no Parlamento, porque se trata de um tema que já foi referendado (embora com menos de 50% de participantes, o que não o torna vinculativo). Se não tivesse havido qualquer referendo, porém, penso que deviam ser os deputados a decidir. Não me parece que deva ser toda a sociedade a decidir algo que diz respeito à liberdade e moral individual de cada um. Já o Parlamento, por vezes serve para isso mesmo.

Tiago Araújo disse...

Isso é partir do princípio de que os representantes podem decidir mais do que as próprias pessoas que os elegeram. Os assuntos que não devem ser decididos colectivamente - e são muitos -, não devem ser decididos colectivamente pelos cidadãos ou pelos representantes em seu nome. A tirania da maioria sobre a liberdade individual pode ocorrer tanto através dos próprios cidadãos como das assembleias representativas. O meu ponto é o de que, em algumas sociedades, o conteúdo de algum desses assuntos ainda é contestado. Dizer que os representantes são competentes para decidir a questão mas não os próprios cidadãos é uma característica elitista dos nossos sistemas representativos que, apesar de interiorizada pela maioria das pessoas, não me agrada particularmente.