18 maio 2005

O meu amigo Luís Miguel Afonso escreveu este comentário ao post sobre o "Fundamentalista Medieval":

Todas estas palavras deixam-me com a certeza que algo não vai bem com esta sociedade. Ao ouvir as opiniões de uns e de outro, pergunto-me a mim mesmo se estará alguém a usar a razão naquilo que diz ou se apenas se decidiu dar voz à inquietação que sobressalta da alma de cada um. De um lado, o Padre de Lordelo, que longe do politicamente incorrecto, mostrou antes uma falta de sensibilidade (e presença de espírito) extrema. Errou no tempo e no modo como quis marcar a sua posição. Do outro, os indignados da sociedade... A estes, sinceramente, não consegui ainda perceber a causa da indignação. Terá sido pelas circunstâncias em que o disse? Será por o clérigo ter dado a entender que é pior morrer uma criança no seio da mãe do que uma criança de cinco anos? Terá sido por ter tido a ousadia de considerar que um bébé no seio materno é realmente um bébé? Qual destas razões (ou outras...) terá causado a indignação de cada um?Tudo me leva crer que não terá sido pela primeira razão que apontei. Pelo menos, na maioria dos indignados. A esses gostava de deixar aqui as seguintes questões: Qual é a diferença entre a morte de um adulto e a de uma criança? Qual a diferença entre a morte de uma criança de 5 anos e a de um bébé de 6 meses? E depois de responderem com a razão a estas questões, tentem aplicar a vossa resposta a esta derradeira questão: qual será a diferença entre a morte de um bébé no seio materno e a de um adulto? Apenas um testemunho para aqueles que nunca ouviram o coração do seu filho a bater e as suas pequenas mãos a dizer adeus enquanto se aconchegam dentro do ventre da sua mãe: um bébé com 12 semanas através de uma máquina de ecografia parece mesmo um bébé...

Não, meu caro Afonso, neste caso o problema não está em saber se um bebé no seio da mãe é realmente um bebé. Aqui a coisa não é preto ou branco. O problema é a graduação que é feita pelo padre, ao considerar que a vida de uma criança de cinco anos, brutalmente assassinada, vale menos do que um feto na barriga de uma mãe. Eu respeito a opinião das pessoas que são contra o aborto. Eu votei sim no referendo, mas dificilmente apoiaria a realização de um aborto que me dissesse respeito. A questão em debate é outra: o fundamentalismo a que me referi reside no facto de o padre valorar mais aquilo que são os ditâmes gerais da Igreja em relação ao aborto do que a vida daquela criança em concreto. Mais: ele não valorizou a vida daquela família que teve de o ouvir a dizer tamanho disparate, e que foi à Igreja buscar algum consolo.

PS: a resposta do Afonso pode ser lida aqui nos comentários

1 comentário:

Anónimo disse...

Não me interpretes mal. Eu não penso que "a coisa é preta ou branca". Longe disso. A questão é que eu continuo sem perceber qual a razão da indignação das pessoas: se pela falta de sensibilidade demonstrada pelo Padre junto da família da Vanessa; se pela graduação exposta pelo Padre. São coisas distintas, alvo de reacções diferentes. Eu fico triste por existirem Padres sem presença de espírito suficiente para ocuparem o lugar que lhes foi confiado. Resta-me rezar para que Deus lhes dê graça para se tornarem pessoas melhores a cada dia que passa. Pouco mais tenho a dizer das palavras proferidas pelo prior de Lordelo. Lamento que as tenha proferido... Jesus Cristo teria certamente outras para aquela ocasião. Questão diferente é a da graduação apresentada. Essa, analisada racionalmente, apresenta factos diferentes e aborda um tema diferente: o aborto. E pelo que tenho sentido dos amigos com quem falei, é aqui, uma vez mais, que a indignação se gera. Não interessou muito que o prior tenha dito o que disse no local e hora em que o disse, mas sim as palavras que proferiu. Se as tivesse proferido na generalidade, sem que o nome da pobre Vanessa estivesse envolvido, a indignação teria sido a mesma. E isso é que me deixa triste. E no reduto, o que eu percebi do que falei com os meus amigos, é que toda a sociedade acha que matar uma criança é pior que matar um adulto. É compreensível, diz-se. Uma criança não viveu tanto tempo, não partilhou tantas experiências, não teve as mesmas oportunidades que um adulto. Uma criança é mais inocente, é menos propensa ao mal, é mais indefesa do que um adulto. É-me fácil perceber tudo isto. E um bébé no seio materno? Fica, uma vez mais, a minha pergunta. P.S. Esta minha reacção não é particular para nenhum dos meus amigos, não foi em resposta directa ao post do Vitor. É sim um desabafo após as conversas que tive com tantos e sobre o sentimento de desalinho que ficou em mim.