20 dezembro 2004

Não consigo ler o Cântico Negro de José Régio («Ninguém me diga: ‘vem por aqui’! [...] // Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou, / - Sei que não vou por aí!») sem pensar na semelhança de alguns versos com os de Lisbon Revisited de Álvaro de Campos («Assim, como sou, tenham paciência! / Vão para o diabo sem mim, / Ou deixem-me ir sozinho para o diabo! / Para que haveremos de ir juntos?»). E o tom de Noite antiquíssima de Álvaro de Campos («Vem, Noite antiquíssima e idêntica [...] Vem, vagamente, / Vem, levemente, / Vem sozinha, solene, com as mãos caídas / Ao teu lado») lembra-me alguns versos de Romeu e Julieta de Shakespeare («Come Night, come Romeo [...] Come gentle night...»). Não acho que todos os poetas sejam meros continuadores de um longo poema universal e não tenho nenhuma teoria sobre os limites do plágio ou do contágio. Esta não é uma observação sobre a influência, é mais sobre a leitura do que sobre a escrita: as palavras não se esgotam, repetem-se.

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