14 dezembro 2004

Do outro lado do espelho - IV

Aquele homem tinha-se alimentado toda a vida de uma incubadora de sonhos, muito transparente, pendurada na sala como se fosse um aquário por cima da telefonia. Conforme os anos passavam e os tempos se tornavam mais modernos, mais deprimido ficava com a realidade. Então, para fugir do mundo que o iludia com empirismos, punha os óculos de mergulhador e aspirava pelo tubo da incubadora os sonhos sedimentados ora em camadas ora em forma de maçanetas que lhe abriam novas passagens.

Um dia, já os tempos eram muito modernos, porque tinham passado muitos anos, não aguentou. Partiu a incubadora e fez dos sonhos a realidade, à qual só regressou verdadeiramente já era muito velho. Quando saiu da clínica de desintoxicação, onde tinha entrado entre a vida e a morte - com o cérebro a querer expandir-se pelos orifícios da cabeça com tantas imaginações -, prometeu que nunca mais se punha a levitar à frente das pessoas esfumando-se para dentro de chaleiras quando concedia três desejos surreais. Para lhe proibir a actividade, as autoridades alegaram que a satisfação plena prejudicava a economia.

Sem comentários: