Miguel Torga, Diário I
Coimbra, 18 de Dezembro de 1937 – Cá estou eu. Sei que estas notas não têm pés nem cabeça, que o dia registado como eu o registo é uma coisa semelhante àquelas pílulas alimentícias, onde o estômago, na sua orgânica necessidade de se sentir cheio e farto, não consegue valorizar os mistérios da concentração.
Mas eu preciso deste cigarro antes de adormecer. Em pequeno, sem saber bem porquê, a esta hora benzia-me; agora, igualmente sem ver a fundo a razão da coisa, escrevo um diário.
Dito isto, embarco amanhã para a Europa.
Eu também, para Roma. Não sei se vou conseguir ir alimentando um diário nestes próximos doze dias, que são bichos de comem muito. Especialmente os de viagem, de bordo, onde sentimos necessidade de descrever tudo em todo o pormenor para não percebermos que andamos perdidos.
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