Dubrovnic. Croácia.
Ontem passámos o dia na Bósnia-Herzegovina. Dez anos depois, e a guerra continua demasiado visível. Ao longo da estrada, de Split para Sarajevo, percorremos uma paisagem deslumbrante, de planaltos e planícies pontuados por casa metralhadas e montes de feno, depois com montanhas rochosas e mais tarde floresta densa, quase alpina. Cruzámo-nos com militares portugueses, perto da capital. Soube depois que um tropa nosso tinha morrido na semana anterior num acidente estúpido, perto de Tuzla. Há portugueses que vêm morrer a esta terra em nome de uma paz que talvez seja para sempre hesitante.
À entrada de Sarajevo começamos a ver os buracos da balas nas casas, os prédios destruídos, as placas nas paredes com o nome dos mortos civis que tombaram naqueles lugares, e as pessoas na sua vida normal. O estranho nestas cidades são as marcas nas paredes e os habitantes, tal como nós em Lisboa, aparentemente no seu quotidiano banal. As marcas nas paredes são evidentes, as marcas no íntimo de cada bósnio não são visíveis. Também não perguntei, não procurei saber mais, estivemos pouco tempo na cidade. Num lugar onde a seguir a uma mesquita aparece uma igreja católica, onde logo depois de vermos e ouvirmos o canto do "muezzin" numa mesquita, damos com uma igreja ortodoxa e, num recanto, a um quarteirão de distância, se ergue uma sinagoga, num lugar assim, ou encontraríamos o paraíso da tolerância, ou as coisas haviam mesmo de dar para o torto.
Na velha biblioteca de Sarajevo uma inscrição dizia que esta tinha sido incendiada pelos "criminosos sérvios". Está a ser reconstruída com a ajuda internacional e exibia uma instalação de um artista plástico, que enchia os velhos nichos onde um dia tinham estado os antigos volumes com sacas de sarapilheira (como as que servem para as barricadas), livros, sacos-sarcófagos, pedras. Tocante.
Seguimos para Mostar, onde só chegámos à noite, para vermos a ponte secular que tinha sido destruída pelos próprios bósnios-croatas, em combates contra as milícias muçulmanas. Entrámos pelo lado muçulmano, onde os jardins públicos e a frontaria de casas estão cheios de lápides de vítimas dos bombardeamentos, enterradas a pressa. Passámos para o outro lado do rio, onde um em cada quatro predios está completamente esventrado. Na zona velha encontramos, porém, uma cidade em festa: Mostar 2004. A ponte que simboliza a ligação entre as culturas está pronta. Foi reconstruída com a ajuda da Unesco. Vai ser inaugurada amanhã, sexta-feira dia 23 de Julho, com a presenca de personalidades de todo o mundo. À noite, iluminada assim, com uma luz amarelada, vista dos restaurantes à beira rio, temos uma bela imagem: a de uma vida nova. Talvez o futuro venha a ser melhor.
Seguimos para Sul. Hoje chegámos a Dubrovic, um enclave croata que esteve cercado sete meses pelos sérvios e montenegrinos. A maior parte da cidade foi bombardeada. A maior parte ja foi reconstruída. É património mundial. Um lugar invejável. Que devia fazer-nos pensar. Esta guerra foi demasiado perto de nós. E nunca tivemos essa percepção de proximidade, quando olhavámos para aqui a partir de Portugal.
Um abraço. Nos próximos dois dias regressamos a Portugal via Veneza. Ainda temos muitos quilómetros à nossa frente.
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