Regresso. Passei demasiado tempo fora, no mundo-longe-dos-blogues. Volto agora, depois de ter visto o último filme do Tim Burton, 'Big Fish'. E regresso, para dizer o seguinte ao meu amigo Tiago, que num post mais ou menos recente afirmava não ter gostado do filme: um tipo que tem um blogue chamado Através dos Espelhos e que não gostou do 'Big Fish', não devia ter dado esse nome ao dito cujo.
E porquê? Porque quem não gosta do 'Big Fish' não acredita que é possível atravessar os espelhos para lá daquilo a que chamamos: a realidade.
Vamos por partes: o facto do filme ser bom é uma parte; é mais profundo do que pode parecer; não é tudo tonteria. Não quero contar a história, mas acho que uma ideia subjacente a toda a narrativa deve tocar-nos a todos de um modo ou de outro. Os filhos, normalmente olham para a vida dos pais como icebergues, dos quais apenas conseguem ver 10 por cento. A psicologia terá certamente estudado isto. E é esta a base do argumento. Qual terá sido a verdadeira história da vida do meu pai, para além daquilo que ele me conta?
As histórias fabulosas do pai do filme, afinal foram exageradas. Será? Aqui deixamos a psicologia e entramos num campo que não sendo o da filosofia, pode considerar-se perto dele. A vida é real? O que é a realidade? O que são as aparências? Qual o lugar da fantasia na realidade?
Às vezes penso que toda a minha vida se passou no domínio da fantasia, desde tudo o que foi bom até tudo o que foi mau. É que, passado o momento em que as coisas acontecem, tornam-se memória, e a memória das coisas não é o mesmo do que as coisas em si. Ora a vida, a nossa vida, a realidade do que foi e é a nossa vida, são as histórias que contamos dela. O que é um curriculum vitae? É a nossa vida? Não. É o que nós achamos que devemos contar dela para nos darem um emprego, e não se trata de fantasia, mas da coisa mais seca que devemos apresentar a um potencial empregador.
Assim, quando passamos a contar as histórias da nossa vida, esta torna-se um exercício da memória, o que não a torna propriamente exacta, mas uma fábula mais ou menos real.
O meu pai, por exemplo, como muitos pais com filhos da nossa idade, foi à guerra. Esteve na Guiné. Anos a fio, contou-me a história de uma macaca que morreu de cirrose por gostar tanto das bebidas alcoólicas que os soldados lhe davam a beber. Contou outras que tais. Só depois de ele se ter juntado, pela primeira vez em 25 anos, com os amigos da tropa desse tempo, é que pude ouvir algumas das histórias que ele me contava, contadas por outras vozes.
Há também a história do cão fiel, que voltou ao monte, no Alentejo, depois de ter sido oferecido a um homem que vivia a dezenas de quilómetros e que regressou um dia, com as patas todas feridas, a arranhar à porta... ouvi-a uma segunda vez da boca do meu avô. Era uma fábula, mas era verdade.
A nossa vida, meu caro Tiago, tem mais de fantasia que de realidade porque o acaso, a contingência e o absurdo interferem mais no mundo do que à partida a nossa racionalidade faria supor. A vida, na realidade, é uma fantasia. Contada ninguém acredita. É esse o tributo do filme do Tim Burton. A vida não é uma coisa como uma notícia de jornal. É uma ficção como as que são contadas nos livros. E as únicas pessoas que sobrevivem depois da morte são apenas aquelas sobre as quais se contam histórias.
Quem tiver dúvidas, e houve quem as tivesse, há dois posts neste blogue que atestam isso mesmo. São histórias passadas do lado de cá do espelho, no mundo real, e nas quais as pessoas têm dificuldade em acreditar: é o post sobre o "Quarto do Filho" e a história do "Judeu Messiânico". Que seria de nós se por vezes não parecesse que tínhamos atravessado o espelho?
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