Piu! O Albino ali sentado a fumar a ver os pássaros, prisioneiro e ao mesmo tempo carcereiro, sumia-se a pouco e pouco como o uísque da garrafa de JB. Há duas semanas que tinha dado naquilo, para desespero da mulher e da filha. Estava doido. Fechava-se na gaiola dos pássaros, ou melhor, na casa do quintal feita por ele para guardar os pássaros, e ficava ali todo o dia a ver as aves, a soprar fumaças e a somatizar o álcool. Piu! Os canários, sobretudo os amarelos, gostavam daquela estranha presença quieta de olhar vazio. E ele via nos canários alaranjados uma marca de nobreza vai lá saber-se porquê, talvez por assistir a certas reverências quando esses mudavam de poleiro. A meio do dia deixava de pensar. Piu! Da parte da manhã pensava na pesca, nas saudades de ir à pesca, mas trazia sempre tanto peixe, tinha a arca congeladora tão cheia, que acabava por comer só peixe congelado. Não valia a pena, como tanta coisa na vida. Piu! Sabia que a parte da tarde começava quando a mulher batia à porta da gaiola e lhe dizia que eram horas de almoçar. Mas ele não comia. Piu! E da parte da tarde não pensava porque o cérebro lhe parava. Piu! Quando o Albino começou a comer alpista e a defecar no chão da gaiola enquanto piava em cima de uma cadeira, a mulher assustada, sabendo das histórias suicidas na família, chamou o médico e os bombeiros. Ele só se deixou levar quando chegou o veterinário. "Não estou doente", disse. "Tenho só um grãozinho na asa. Piu!".
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