Neste país político fala-se muito agora de facadas nas costas, ou onde quer que sejam elas, mas não há facada como esta facada escrita por André Malraux na "Condição Humana" (Livros do Brasil, trad. Jorge de Sena):
"(...) Iria agora acordar! Com uma pancada capaz de atravessar uma tábua, Tchen deteve-o num ruído de musselina rasgada, misturado a um choque surdo. Sensível até à ponta da lâmina, sentiu o corpo saltar de ricochete para ele, devolvido pelo colchão de arame. Retesou raivosamente o braço para o conter: as pernas vieram juntas para o peito, como atadas uma à outra; distenderam-se num repente. Deveria ferir de novo; mas como retirar o punhal? O corpo continuava de lado, instável e, apesar da convulsão que acabara de o sacudir, Tchen tinha a impressão de o manter fixado à cama com a sua curta arma sobre a qual pesava com toda a sua massa. Pelo enorme buraco do mosquiteiro via-o demasiado bem: as pálpebras tinham-se aberto - teria acordado? -, os olhos estavam brancos. Ao longo do punhal o sangue começava a surgir, negro àquela falsa luz. No seu peso, o corpo, prestes a tombar para a direita ou para a esquerda, encontrava ainda vida. Tchen não podia largar o punhal. Através da arma, do seu braço retesado, e a sua espádua dorida, estabelecia-se uma comunicação de angústia entre aquele corpo e ele até ao fundo do seu peito até ao coração convulso, única coisa que mexia no quarto. Estava absolutamente imóvel; (...) sem que nada de aparente tivesse acontecido, teve a certeza que aquele homem estava morto (...). Estava só com a morte, num lugar sem homens, molemente esmagado ao mesmo tempo pelo horror e pelo gosto do sangue".
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