Isto diz respeito a toda a gente: a discussão sobre Auschwitz já não deve ser acerca da impossibilidade de pensar sobre um mal infinitamente absoluto, ou que entretanto se tornou absolutamente banal para os seus praticantes. A comemoração dos 60 anos da libertação do campo de extermínio nazi deve fazer-nos pensar também noutras coisas. Durante aqueles anos houve demasiada gente a saber o que se passava e não fez nada: na Alemanha, na Croácia, na Roménia, em França, na Polónia, por todo o lado. Cidadãos que seriam pessoas decentes numa sociedade em paz pactuaram com o crime inimaginável por omissão (é claro que há as excepções, mas são tão excepcionais que os seus nomes são conhecidos: no Museu do Holocausto em Washington há uma exposição com as fotografias e os nomes daqueles que ajudaram os judeus. Entre eles o do cônsul português de Bordéus).
Isto diz respeito a cada um de nós: o que é que eu faria, como me comportaria perante uma situação idêntica? Do que estaríamos dispostos a abdicar e como lutaríamos para que não fosse posta em marcha uma máquina tão tenebrosa debaixo dos nossos olhos? No limite, se assumirmos que jamais pactuávamos com uma sociedade que nos impelia para a prática de crimes, podemos aplicar esta ética do comportamento a outras situações menos catastróficas: se eu não pactuaria com situações limite como esta, mesmo que o pagasse com a privação da liberdade ou da própria vida (é fácil dizer), qual é o meu limite enquanto cidadão? Quais são os crimes que eu permito que o meu Estado cometa? Qual é o meu contributo para contrariar a passividade geral, que leva a aceitar as coisas tal como elas estão? Por que razão uma ditadura durou tanto tempo em Portugal?
Finalmente: qual é a diferença entre mim, cidadão português comum, e os alemães normais que viviam subjugados ao nazismo, mas que nada fizeram quando viram o filhos chamados para aquela guerra, ou quando perceberam que as famílias judias estavam a desaparecer? Se países de gente civilizada permitiram o Holocausto, o que nos garante que hoje estamos a salvo de nós mesmos e da natureza do mal que nos assola de tempos a tempos, e é conteporizado pela passividade de grandes maiorias? A resignação, tanto do lado dos carrascos como das vítimas, é uma das calamidades da Humanidade. Esta efeméride devia lembrar-nos disso.
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