05 novembro 2004

Sempre encarei os hábitos como rituais de uma religião natural. O mesmo jornal comprado na mesma tabacaria, a mesma italiana em chávena escaldada com meio pacote de açúcar e um croquete pela manhã. Nesta matéria, tenho percebido que os grandes evangelizadores são os empregados de café. Hoje entrei na pastelaria onde ultimamente tenho bebido o primeiro café da manhã, sentei-me a uma mesa e, antes que tivesse tido tempo de fazer o meu pedido, apareceu uma chávena à minha frente. Não gosto de ser previsível. Para mim, a cena mais triste da história da literatura é, em «A Morte de Carlos Gardel» de Lobo Antunes, a do casal que, para além de morar em Benfica, todos os Domingos comia frango assado. Se tomo um café sempre todos os dias antes de apanhar o autocarro não é por hábito mas por absoluta necessidade. Para conseguir ler e não ir a dormir todo o caminho, a babar o vidro que se pode «quebrar em caso de emergência».
Para que a vida não se torne a repetição de um mesmo dia, tenho desenvolvido ao longo do tempo alguns truques. Utilizar uma diferente combinação de transportes públicos para chegar ao mesmo lugar, deixar de frequentar os sítios onde já me adivinham o pensamento. Há quem possa considerar este comportamento um pouco obsessivo, mas esses são provavelmente aqueles que gostam de ver surgir do nada a sua bica escaldada.

(Agora que acabaram as eleições americanas, é bom poder voltar finalmente a assuntos mais sérios.)

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