O historiador David Cesarini acabou de publicar uma nova biografia de Eichmann, onde contraria alguns argumentos de Hannah Arendt no famoso livro "Eichmann em Jerusalém", escrito nos anos 60 (traduzido em Portugal pela Tenacitas o ano passado). Em "Eichmann: His Life and Crimes", Cesarini diz que o nazi burocrata que concretizou a Solução Final à secretária, não só distinguia o bem do mal, como, apesar de não ser um psicopata, "aprendeu a odiar os judeus". Com isto ele conclui que uma pessoa à partida normal pode transformar-se num genocida, uma teoria que, aliás, não choca com a de Arendt, pelo contrário.
Numa entrevista ao Público, por Cláudia Monteiro (28 Agosto 04), Cesarini diz:
"A maioria das pessoas pensa que nunca poderia estar neste papel, que indivíduos perfeitamente normais nunca cometeriam este tipo de crime. O que Eichmann nos ensina é precisamente o contrário, que um ser humano normal pode tornar-se naquilo que os franceses chamam 'genocidaire', fora do quadro das explicações psicológicas e das explicações políticas sobre os regimes totalitários" - vejamos a Bósnia, Ruanda, Sudão: todos os assassinos são psicopatas ou robôts às ordens de um governo ou ideologia? Onde é que está a linha que separa a guerra do genocídio?
"Existem pessoas em Portugal que lutaram em guerras coloniais brutais e que não são psicopatas" - quem conhece antigos combatentes sabe o que fizeram esses jovens na guerra e o que eles não teriam feito se para lá não os tivessem levado. Mas aí, mais uma vez sobrepõe-se o colectivo ao individual, que é uma ordem do governo que condiciona a experiência dessas pessoas. Nunca tivessem ido à guerra, e nunca teriam matado um ser humano.
"A terrível verdade é que os seres humanos em situações de conflito são capazes de cometer genocídio" - será que a nossa espécie está assim tão condenada como diz Cesarini?
Ver artigo no Guardian sobre o livro.
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