16 agosto 2004

O jardim dos cactos abandonados

Sábado à tarde, um calor seco no ar, e onde ir evitando os lugares de sempre... Uma ideia: o jardim botânico de Belém, euro e meio a cada um à entrada (a Carla é que pagou), passeio sossegado, jornais de fim-de-semana enfiados no saco do Expresso, lagos, água, gansos, sombra, turistas raros, portugueses ausentes, um abandono. O lugar, partes do lugar, ao desleixo, e um casal de noivos aviado nos Jerónimos em preparos diante do fotógrafo.
Num portão semi-aberto, alguém se esqueceu de pôr a placa "proibido entrar". Lá dentro, um delicioso jardim de cactos continua a ser um jardim de cactos porque os cactos podem ser deixados ao abandono e mantêm-se a cactotuar vida fora. As estufas destruídas, em ruínas, lixo e dejectos de jardinagem pelos cantos do caminho, e os cactos, com os picos ainda mais de fora, assanhados como fazem os cactos zangados, enrodilhados em árvores antigas, ora estrangulando-as ora confortando-as, erguendo-se com braços ameaçadores contra quem ousa profanar o santuário. Há um certo encanto na decadência, como se num lugar antigo e abandonado sedimentassem as memórias esquecidas. Mas o sinal da nossa decadência é deixar que lugares assim não sejam mais do que memórias forçadas ao caminho do esquecimento, a vitória da incúria. Uma vergonha. Alguém se acusa?

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