30 agosto 2004

Missão aborto, missão abortada

O facto da Marinha de Guerra controlar o barco do aborto que navega em águas internacionais até seria uma boa medida se o ministro da Defesa também fizesse o Exército avançar com tropas para a fronteira com Espanha, de modo a impedir as portuguesas grávidas de irem a Badajoz fazer abortos nas clínicas da cidade.

Mais eficaz seria até, se, no regresso delas a território nacional, a tropa examinasse as referidas portuguesas, de molde ao Estado aplicar a lei tal como ela está redigida, entregando as mulheres que tivessem de facto abortado em Espanha às autoridades judiciais, pois o que temos diante de nós é uma violenta e deliberada violação da lei que rege esta abençoada Nação.

(Sejamos corajosos. Vamos até ao fim, contra essa gente estrangeira que nos conspurca os costumes. Qualquer dia até aparece por aí outro barco holandês chamado "Grass on the Waves" a levar os nossos jovens a fumar charros no mar alto, ou, pior do que isso, até me arrepia de pensar nisto, um barco com uma lanterna vermelha chamado "Red Light Boat", com profissionais sexuais que satisfazem legalmente qualquer passageiro desde que seja no mar alto e balanceante.)

Ora, como as clínicas de Badajoz não navegam em águas internacionais para se deslocarem de motu próprio até Elvas ou à Figueira da Foz - porque estão presas ao chão -, para aí praticarem a abortiva ilegalidade, e como a inexistência de fronteiras não impede as portuguesas praticarem esse crime em Espanha, então o ministro da Defesa devia mandar a Força Aérea bombardear as referidas clínicas espanholas por incitarem ao ilícito (legal e moral) deste lado do Tratado de Tordesilhas. (Como seríamos virtuosos se não fossem esses desavergonhados estrangeiros).

Nas Forças Armadas, comandadas por um líder iluminado, reside a salvação nacional. O POVO ESTÁ COM O MFA! Até já estamos a ver os raides das Forças Especiais às clínicas clandestinas onde se pratica o aborto ilegal nas más condições sanitárias que tanto preocupam o ministro. Esta preocupação com as condições sanitárias ainda vai desgraçar o dr. Portas, pois, como todos sabemos, é um dos argumentos a favor da legalização.

A vinda do barco é, de facto, uma operação propagandística, e isto é inegável, mas, como defende Pacheco Pereira no Abrupto, a posição do ministro da Defesa (aliás, do Governo) é simetricamente um espelho da outra: "Agora que o governo português resolva actuar como um espelho do Bloco, como um grupo radical de sentido contrário, com todos os tiques do radicalismo ideológico, com a agravante de abusar dos meios do Estado, é que coloca uma questão muito mais grave do que o folclore do barco. Se o barco foi uma provocação, este governo respondeu-lhe ao mesmo nível".

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