É um dos momentos mais reconfortantes do quotidiano, quando acabamos de ler um livro e vamos à estante escolher o seguinte. Não sabemos muito bem o que nos apetece, lemos a contracapa, avaliamos o peso e o volume, o índice de legibilidade em transportes públicos, o tamanho da letra, etc. De todos os critérios, o que mais utilizo é o da leitura do primeiro parágrafo. É tão falível como todos os outros, mas é por causa dele que vou andar a arrastar por Lisboa, nos próximos dias, O Passageiro Walter Benjamin de Ricardo Cano Gaviria:
Por momentos, precisamente ao sair do túnel que desembocava na longa escadaria, conduzindo às primeiras ruas da aldeia, a ilusão de uma placidez reconfortante foi quase perfeita. O forte banho de luz arrancou-o por um instante do espaço opressivo delimitado pelo quadrado betuminoso dos cais de embarque, onde tudo, desde as paredes raiadas da estação, até aos sombrios e distantes vagões colocados na via desactivada, passando pelo próprio olhar da criança que transportava as bagagens e oferecia os seus préstimos à comitiva, parecia albergar uma secreta correspondência com o boné cinzento dos polícias, com a voz inflexível do homem uniformizado que se recusara a carimbar-lhes a entrada no país, e essa espécie de nó na garganta desapareceu por completo. Ali estava de novo a luz mediterrânica que os acompanhara, rude e estimulante, durante toda a travessia a pé pela estrada Líster, e que agora os abandonava à sua sorte ao entrarem propriamente na aldeia, após o opressivo parêntesis da estação.
(Dedicado à Isabel, para que não cancele a sua assinatura anual)
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