26 maio 2004

O oásis de Amesterdão

A Gisela leu sobre o suicídio botânico e escreveu-me a dizer que lhe acontece exactamente o contrário. No escritório acham estranho que apenas as plantas que estão à volta dela sobrevivam. Imagino-a no seu oásis, a colher tâmaras com um braço e a agrafar com o outro, com um deserto de secretárias a estender-se centrifugamente. Depois de ver a mãe dela a cuidar do quintal de Moledo, acredito simplesmente que deve haver algo de genético na relação com os vegetais.
E a Eva, a irmã da Gisela, está grávida. Parabéns a ela e ao César, a ele o que é dele.

(Gisela, como não sei se conseguiste encontrar alguma coisa da Adília Lopes aí por Amesterdão, toma lá dois poemas.)


Minha avó e minha mãe
perdi-as de vista num grande armazém
a fazer compras de Natal
hoje trabalho eu mesma para o armazém
que por sua vez tem tomado conta de mim
uma avó e uma mãe foram-me
entretanto devolvidas
mas não eram bem as minhas
ficámos porém umas com as outras
para não arranjar complicações

A Pão e Água de Colónia, Frenesi, 1987




Maria Andrade vai
à casa de banho
do aeroporto de Kinshasa
para rezar
precisa de agradecer
o encontro fortuito
com Túlio
como nas igrejas
em que entra
pela primeira vez
(é a primeira vez
que entra na casa de banho
do aeroporto de Kinshasa)
pede três graças
que mantém secretas
o Pai bate na testa
o Filho entre as maminhas
o Espírito na maminha esquerda
e o Santo na direita
às vezes o Espírito Santo
fica todo
na maminha esquerda
outras vezes o santo
fica no ar entre as maminhas
Maria Andrade
de joelhos
de mãos postas
reza
mas as maminhas interferem
com os antebraços
Maria Andrade
nunca viu nada escrito
sobre este assunto

A Continuação do Fim do Mundo, & etc, 1995

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