Amaro tem as mãos sobre o manto azul. A mão esquerda sobre a cabeça de Amélia, a direita na perna. Amélia retrai-se, perturbando por momentos o equilíbrio entre a razão e o desejo. A batina negra dele parece ganhar o mesmo valor simbólico do chapéu preto dos vilões nos westerns. Ela está vestida de branco. No fundo, em volta, anjos ou mulheres-cão, outras testemunhas de um crime, uma boneca, um bébe, o reflexo de Amaro.
Foi este o quadro – ou um dos quadros – de Paula Rego que ardeu, esta semana, em Londres, no incêndio de um armazém de obras de arte contemporânea.
Podemos, pelo menos, ficar com o momento seguinte da cena, pelo Eça:
Amaro então chegou-se por detrás dela, cruzou-lhe os braços sobre o seio, apertou-a toda - e estendendo os lábios por sobre os dela, deu-lhe um beijo mudo, muito longo... Os olhos de Amélia cerravam-se, a cabeça inclinava-se-lhe para trás, pesada de desejo. Os beiços do padre não se desprendiam, ávidos, sorvendo-lhe a alma. A respiração dela apressava-se, os joelhos tremiam-lhe: e com um gemido desfaleceu sobre o ombro do padre, descorada e morta de gozo.
Eça de Queiroz, O Crime do Padre Amaro
(Apesar de Eça ter quebrado uma das regras fundamentais de construção de cenas eróticas, a utilização do termo «beiços», não deixa de ser uma descrição sugestiva.)
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