Não me tem apetecido escrever no blogue, por isso fiz a coisa óbvia: ler o Livro do Desassossego para inspiração. Se existisse a tecnologia, tenho a certeza que Pessoa o teria publicado em primeiro lugar em forma de posts, em insónias sucessivas. A consequência também é óbvia, depois de ler algumas páginas, nada que escreva suporta a comparação. A inspiração transforma-se em citação, como a sonolência em monstros:
243.
Quem quisesse fazer um catálogo de monstros, não teria mais do que fotografar em palavras aquelas coisas que a noite traz às almas sonolentas que não conseguem dormir. Essas coisas têm toda a coerência do sonho sem a desculpa incógnita de se estar dormindo. Pairam como morcegos sobre a passividade da alma, ou vampiros que suguem o sangue da submissão.
São larvas do declive e do desperdício, sombras que enchem o vale, vestígios que ficam do destino. Umas vezes são vermes, nauseantes à própria alma que os afaga e cria; outras vezes são espectros, e rondam sinistramente coisa nenhuma; outras vezes, ainda, emergem cobras dos recôncavos absurdos das emoções perdidas.
(Bernardo Soares, Livro do Desassossego, Assírio & Alvim, p. 239.)
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