Belém, dia 29 de Outubro
"O voo JT1502 aterrou em segurança no aeroporto Francisco Xavier às 20h47. A passageira Laura já desembarcou os seus 2,915 kg e fez check-in no peito da mãe" - foi o SMS do Tiago ontem à noite, pouco tempo depois do corte epistemológico da paternidade o ter atingido. Dia de alegria. Os reis magos estão prontos para a rumar a Belém.
Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
30 outubro 2006
27 outubro 2006
Pensar que saiu de dentro dela
A Francisca tem quase o dobro da idade que tinha na primeira vez que a vimos, ontem à noite. Quanto entrámos no quarto da maternidade, estava enrolada numa manta cor-de-rosa e nos braços da Isabel, sonolenta de mamar. Tem cinquenta centímetros. Deve ter estado enrolada como um bicho-de-conta na barriga da mãe no final da gravidez. Não demorámos muito. Uma grávida a visitar uma maternidade corre o mesmo risco que uma pessoa sã a visitar um manicómio. Por mais que assegure que está só de passagem, podem não a deixar sair.
25 outubro 2006
"Entre nós e as palavras...
... há metal fundente", escreveu Cesariny num poema excepcional, de múltiplas aplicações. Entre nós e as palavras dos políticos, o que há é material gasoso.
Na campanha eleitoral, em 2005, Sócrates disse isto: "As taxas moderadoras servem para moderar os excessos de alguém que vai usar uma emergência hospitalar sem razão, para que tenha uma penalização. Não serve para financiar o sistema. O sr. primeiro-ministro [Santana] falou foi numa taxa que permitisse aumentar as receitas do Estado no Serviço Nacional de Saúde. Isso é na prática um novo imposto. Isso é um erro". Entre estas palavras e os factos de hoje, há metal contundente, mas inconsequente. As taxas de utilização na saúde, para cirurgias e internamentos, são o quê?
No debate com Santana na SIC, também em 2005, Sócrates afirmou o que toda a gente sabe: "Não estou de acordo com a subida dos impostos, não estou (...). Foi no momento de falha dessa promessa eleitoral, quando o Governo [de Durão] chegou ao poder e decidiu aumentar o IVA que a confiança veio por aí a baixo. Isso foi uma leviandade. Isso foi muito negativo para a democracia". Esta frase devia ser lida e relida, por cada um de nós, antes de decidir em quem votar nas próximas eleições. Estas palavras valem tanto quanto a possibilidade de conquistar o poder. Entre nós e as palavras, há poder.
Cada palavra vale o que vale. E vale muito pouco, por vezes. Um palavra pode ser um som, apenas, que sai de uma boca. Um grunhido desmiolado pode valer tanto como um palavra. A palavra também pode pesar como chumbo. Quando Manuel Pinho disse "a crise acabou", foi um caso desses, em que ao signo não corresponde um significado. Caso contrário, não teria dito no dia seguinte, que decretar o fim da crise era uma "infantilidade". Ele pronunciou aquele conjunto de sons e pronto, o significado evaporou-se.
Entre nós e os políticos não há nada se as palavras não tiverem consequências.
Na campanha eleitoral, em 2005, Sócrates disse isto: "As taxas moderadoras servem para moderar os excessos de alguém que vai usar uma emergência hospitalar sem razão, para que tenha uma penalização. Não serve para financiar o sistema. O sr. primeiro-ministro [Santana] falou foi numa taxa que permitisse aumentar as receitas do Estado no Serviço Nacional de Saúde. Isso é na prática um novo imposto. Isso é um erro". Entre estas palavras e os factos de hoje, há metal contundente, mas inconsequente. As taxas de utilização na saúde, para cirurgias e internamentos, são o quê?
No debate com Santana na SIC, também em 2005, Sócrates afirmou o que toda a gente sabe: "Não estou de acordo com a subida dos impostos, não estou (...). Foi no momento de falha dessa promessa eleitoral, quando o Governo [de Durão] chegou ao poder e decidiu aumentar o IVA que a confiança veio por aí a baixo. Isso foi uma leviandade. Isso foi muito negativo para a democracia". Esta frase devia ser lida e relida, por cada um de nós, antes de decidir em quem votar nas próximas eleições. Estas palavras valem tanto quanto a possibilidade de conquistar o poder. Entre nós e as palavras, há poder.
Cada palavra vale o que vale. E vale muito pouco, por vezes. Um palavra pode ser um som, apenas, que sai de uma boca. Um grunhido desmiolado pode valer tanto como um palavra. A palavra também pode pesar como chumbo. Quando Manuel Pinho disse "a crise acabou", foi um caso desses, em que ao signo não corresponde um significado. Caso contrário, não teria dito no dia seguinte, que decretar o fim da crise era uma "infantilidade". Ele pronunciou aquele conjunto de sons e pronto, o significado evaporou-se.
Entre nós e os políticos não há nada se as palavras não tiverem consequências.
24 outubro 2006
Equilíbrio reflexivo
O equilíbrio reflexivo (reflective equilibrium) é um método utilizado para tentar conciliar princípios filosóficos abstractos com princípios de justiça que intuitivamente aplicamos a casos individuais. Pensamos num princípio ou teoria e verificamos se a sua aplicação a casos particulares colide com valores que consideramos estabelecidos. Se colidir, temos de reformular as proposições ou alterar a nossa crença nesses valores, andando entre a teoria e a prática até atingirmos um ponto de equilíbrio. Não é um método isento de problemas, mas pode ser útil em determinadas ocasiões.
Por exemplo. Um dos princípios pelo qual tento orientar a minha conduta, sempre que possível, é o princípio do dano, tal como enunciado por John Stuart Mill. É qualquer coisa como isto: A liberdade individual apenas deve ser limitada para impedir que os actos de alguém provoquem danos a outros indivíduos. O seu próprio bem, físico ou moral, não é justificação suficiente para a intromissão alheia. Mas tenho dúvidas em aplicar esta regra a determinadas questões, como a da legalização do consumo de drogas. A justificação para a proibição das drogas leves é bastante fraca. O problema são as drogas duras (alguns dirão: «a falta de drogas duras»). Não encontro justificação para a proibição do consumo, mas a sua legalização não me parece razoável. Ainda estou longe do equilíbrio.
Por exemplo. Um dos princípios pelo qual tento orientar a minha conduta, sempre que possível, é o princípio do dano, tal como enunciado por John Stuart Mill. É qualquer coisa como isto: A liberdade individual apenas deve ser limitada para impedir que os actos de alguém provoquem danos a outros indivíduos. O seu próprio bem, físico ou moral, não é justificação suficiente para a intromissão alheia. Mas tenho dúvidas em aplicar esta regra a determinadas questões, como a da legalização do consumo de drogas. A justificação para a proibição das drogas leves é bastante fraca. O problema são as drogas duras (alguns dirão: «a falta de drogas duras»). Não encontro justificação para a proibição do consumo, mas a sua legalização não me parece razoável. Ainda estou longe do equilíbrio.
23 outubro 2006
19 outubro 2006
Há coisas que me fazem acreditar que o sentimento de comunidade ainda não desapareceu totalmente, mesmo nas grandes cidades. Uma é o hábito dos Lisboetas de colocarem algumas coisas ao lado, e não dentro, do caixote do lixo. Em regra são móveis, electrodomésticos, artigos de decoração ou presentes oferecidos por parentes afastados no Natal anterior. Isto cria um mercado informal bastante dinâmico, com produtos a descerem e a subirem pelas escadas dos prédios no espaço temporal que vai do pôr-do-sol à recolha do lixo. Ontem, quando saímos para jantar, à porta de um dos prédios da nossa rua estava um conjunto constituído por uma sanita completa, uma cama e um outro objecto que não consegui identificar. A cama, desmontada, era de metal, lacada a branco, com apliques dourados. Era a única coisa que faltava do conjunto quando regressámos a casa duas horas mais tarde.
13 outubro 2006
10 outubro 2006
Baeta
O ritual mensal de ir ao barbeiro sempre me foi penoso. Estar sentado naquela cadeira, imóvel, enquanto alguém à minha volta maneja objectos afiados deixa-me indefeso. Não há outro momento em que sinta tanta empatia pelas partnéres dos atiradores de facas do circo.
Durante mais de vinte anos fui ao mesmo barbeiro, apesar de não gostar particularmente da forma como me cortava o cabelo. Dizem que um sinal de maturidade nas relações é duas pessoas conseguirem estar em silêncio sem se sentirem desconfortáveis. Foi por isso muito difícil quanto me mudei para o centro de Lisboa e tive de passar meia hora por mês em silêncio com um novo barbeiro. No final, quando trazem aquele espelho para que consigamos ver o corte na parte de trás da cabeça, sinto sempre um desejo incontrolável de aplaudir. E algumas vezes de ir comprar um chapéu.
Durante mais de vinte anos fui ao mesmo barbeiro, apesar de não gostar particularmente da forma como me cortava o cabelo. Dizem que um sinal de maturidade nas relações é duas pessoas conseguirem estar em silêncio sem se sentirem desconfortáveis. Foi por isso muito difícil quanto me mudei para o centro de Lisboa e tive de passar meia hora por mês em silêncio com um novo barbeiro. No final, quando trazem aquele espelho para que consigamos ver o corte na parte de trás da cabeça, sinto sempre um desejo incontrolável de aplaudir. E algumas vezes de ir comprar um chapéu.
04 outubro 2006
Amanhã é feriado
To the evil of monarchy we have added that of hereditary succession; and the first is a degradation and lessening of ourselves, so the second, claimed as a matter of right, is an insult and an imposition on posterity. For all men being originally equals, no one by birth could have a right to set up his own family in perpetual preference to all others for ever.
Thomas Paine, Common Sense (1776)
Thomas Paine, Common Sense (1776)
03 outubro 2006
A fraqueza da carne
De todos os livros que nunca li há um que me causa especial receio: Libertação Animal, de Peter Singer. O facto de intuir o conteúdo impede-me de o abrir. Para os argumentos morais do vegetarianismo tenho apenas biologia e não sei como resolver um conflito entre uma ciência humana e uma ciência natural. No fundo, tenho medo de perceber que sou demasiado fraco e que, apesar da capacidade de ser convencido por um bom argumento, não sou capaz de alterar a vida de acordo com isso. Ou mesmo de ter de reconhecer algo que me repugna, que muitas vezes os desejos são mais fortes que a razão.
A que dia sai o Inimigo Público?
«Arroz de cabidela de Vítor Sobral ganha título mundial.»
«Doente tem alta com termómetro no ânus. Um homem com 85 anos, acamado, que esteve internado 24 horas no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, teve alta e foi transportado para casa de ambulância com um termómetro dentro do ânus. A. Silva, que não quis identificar-se para proteger a dignidade do seu pai[:] ‘Com tantas voltas, foi um milagre o termómetro não se partir. Ainda por cima era de mercúrio.’»
«Incidente da casa de banho parece ter sido sanado. O encontro de reunificação do título mundial de xadrez foi ontem reatado com a realização da sexta partida que terminou empatada. O campeão clássico Vladimir Kramnik viu satisfeitas as suas reivindicações, a substituição dos elementos do comité de apelo e a reabertura das instalações sanitárias particulares.»
Público, 3/10/2006.
«Doente tem alta com termómetro no ânus. Um homem com 85 anos, acamado, que esteve internado 24 horas no Centro Hospitalar das Caldas da Rainha, teve alta e foi transportado para casa de ambulância com um termómetro dentro do ânus. A. Silva, que não quis identificar-se para proteger a dignidade do seu pai[:] ‘Com tantas voltas, foi um milagre o termómetro não se partir. Ainda por cima era de mercúrio.’»
«Incidente da casa de banho parece ter sido sanado. O encontro de reunificação do título mundial de xadrez foi ontem reatado com a realização da sexta partida que terminou empatada. O campeão clássico Vladimir Kramnik viu satisfeitas as suas reivindicações, a substituição dos elementos do comité de apelo e a reabertura das instalações sanitárias particulares.»
Público, 3/10/2006.
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