29 junho 2006

Idade da pedra

Quando uma frase sublinha a que vem a seguir, não basta depois corrigir as palavras ditas porque o sublinhado fica lá. Qualquer criança da primária sabe que uma frase sublinhada a vermelho dá mais trabalho a apagar. Foi grave que Fernando Ruas, presidente da ANMP, tivesse dito para os autarcas correrem com os fiscais do ambiente "à pedrada". Mas antes desta ele tinha dito outra frase: "Olhem que pensei muito bem no que vou dizer..." Para no dia seguinte, por ter sido apanhado por uma rádio, vir desculpar-se com linguagem figurada. Pobres metáforas.... E com ele ninguém corre? Nem precisa de ser à pedrada.

28 junho 2006

Martin Adler

Há vidas que valem a pena ser vividas. Quando vi, no DN, a foto de um jornalista sueco assassinado não dei conta. O choque assolou-me depois, quando percebi ser Martin Adler, que tantas vezes me contou o que ia por esse mundo nas reportagens de guerra publicadas na Grande Reportagem. Essas páginas, estão guardadas ali atrás, no meu arquivo no escritório. Senti a morte dele como a de um amigo que me fez confidências, que contou grandes aventuras, que mostrou o mundo. Aquele tiro nas costas pareceu-me, estranhamente, demasiado próximo... Na notícia do DN ninguém escreveu que ele era colaborador regular de uma publicação portuguesa, ainda por cima que era do próprio grupo. O ex-director da GR, Francisco José Viegas, na Origem das Espécies, fez-lhe uma homenagem. Hoje, no DN, Pedro Rolo Duarte faz-lhe justiça. Obrigado Martin. A tua vida valeu a pena ser vivida.

27 junho 2006

Desintoxicação

Com a mudança de casa decidimos ficar sem televisão por uns tempos. A decisão tem resultado parcialmente. Tenho lido mais, mas ainda não consegui abandonar o hábito do zapping compulsivo. Ontem fui até à estante dos livros só para ver o que é que estava a dar. No primeiro estava a dar a novela brasileira (Machado de Assis, Memórias Póstumas de Cubas Brás). Mudei para outro: Durante o dia, e por consideração para com os pais, Gregor não queria chegar à janela. Nos poucos metros quadrados do quarto também não podia deambular muito, ficar deitado sem se mexer era coisa que nem de noite já suportava muito bem, passado pouco tempo a comida já não lhe dava grande prazer, e assim, para se distrair, ganhou o hábito de rastejar em todas as direcções pelas paredes e pelo tecto. Não era mau, mas nunca se sabe se está a começar uma coisa melhor noutro canal. Mudei e Mrs. Dalloway tinha ido comprar ela própria as flores. As séries inglesas de época são demasiado aborrecidas e por isso desisti e fui-me deitar.
A noite de hoje vai ser diferente, vou pôr uma cadeira frente à máquina de lavar e fazer zapping entre o programa da roupa clara e o programa da roupa delicada.

20 junho 2006

Não sei que deusa da fertilidade andou a passear pela brisa da tarde, mas descobrimos que mais uns amigos vão ser pais, lá para o final de Novembro. Na Antiguidade dizia-se que na Lusitânia as éguas eram fecundadas pelo vento. As mulheres, felizmente, contam também com a nossa preciosa ajuda para conceberem filhos velozes.
Sempre que me anunciam um futuro nascimento tenho vontade de escrever duas cartas. Uma ao Prof. Medina Carreira, a pedir-lhe para rever as suas previsões sobre a falência do sistema de segurança social, e outra para as maternidades, a perguntar se fazem descontos para grupos. Mas é só enquanto dura o efeito do champanhe.
Parabéns, Mafalda e Zé Pedro.

19 junho 2006

Diário de Barcelona em 126 palavras

Estive de férias. Fui engolido por um grande peixe, como Jonas, nas casas Batló e Milà, de Gaudí, com tectos suportados por arcos parabólicos, como o interior de um tórax, e linhas curvas e orgânicas, como as entranhas de um animal marinho. Se fosse como nos desenhos animados, teria encontrado um marinheiro sentado nos destroços de um barco de madeira e saído no jacto do buraco de respiração da baleia. Como são apenas casas, saí pelas portas de vidro e ferro forjado para as ruas de Barcelona, onde há pessoas a andar por todo o lado, a todas as horas, e sentadas nas esplanadas ou nos bancos públicos das praças. Comi gaspapxo, paella e frango com ameixas e volto gordo e cansado como um pugilista reformado.

01 junho 2006

Ontem à noite as condições meteorológicas estavam favoráveis para uma ecografia. O céu estava limpo no interior da J. Mesmo assim, como os físicos e os astrónomos sabem, é tão difícil interpretar o infinitamente grande como o muito pequeno. A actividade mais parecida é a observação de nuvens: vemos o que queremos ver. Um círculo luminoso pode ser uma cabeça vista de cima ou uma lua cheia; um traço branco tanto pode ser uma luz fluorescente como um fémur. O médico, que é astrónomo amador, viu uma menina.