Everyman, de Philip Roth, é um livro sobre a falência do corpo e a inevitabilidade do tempo como realidade irreversível. Enquanto o corpo se gasta e a solidão da velhice toma conta do que resta da vida, o passado assombra o espírito de quem cometeu demasiados erros que não pode reparar. A conversa com o coveiro que lhe enterrou os pais é eloquente, pela normalidade habitual da sua vida enquanto enterra mortos: "It's a good education for an old person", disse-lhe o antigo publicitário. Páginas antes há esta frase terrível: "Old age isn't a battle; old age is a massacre". Portanto, como já senti o meu corpo falir várias vezes, e ainda sou novo, penso frequentemente que a liberdade de escolher caminhos como se nada me condicionasse seria a melhor maneira de combater a irreversibilidade do tempo, antes da falência do corpo. Mas como há sempre um mundo de condicionantes, seria certo que os erros cometidos por excesso de voluntarismo me assombrariam o envelhecimento - se ele ocorresse. É difícil comandar o destino e não deixar que simplesmente a vida nos viva a nós. Afinal, nas mãos do coveiro seremos um dia todos iguais.
Também Hamlet falou com um coveiro, impressionado com a banalidade do seu trato com os restos dos mortos: "Não terá este homem senso no que faz que cante quando cava sepulturas?", perguntou Hamlet a Horácio, que lhe respondeu: "O hábito criou-lhe esta displicência nos modos". É como em Philip Roth, quando a mulher chega com o almoço do coveiro num termo. A estranheza que nos assombra perante a inevitabilidade da morte, um destino impossível - como a caveira do bobo sem os lábios que tinham beijado Hamlet quando criança -, é o mistério que permanece em Everyman: a linha invisível que separa os vivos dos mortos também separa a totalidade da irrelevância. O resto é o caminho até lá se chegar.
Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
05 fevereiro 2008
04 fevereiro 2008
My kingdom for a chicken soup
Estou a ler o Everyman (Todo-o-Mundo) de Philip Roth. É um livro sobre a decadência física, a doença e, também, sobre a ilusão da reforma como período para a concretização de projectos adiados. Eu já tenho alguns, apesar da distância: ler os restantes seis livros de Em busca do tempo perdido, aprender a tocar saxofone e a pintar. Mas não podemos saber se a nossa qualidade de vida vai ser adequada aos nossos planos. A minha visão pode não ser suficiente para toda a leitura desejada, as mãos podem tremer-me demasiado para a pintura e o fôlego pode não chegar sequer para um apito de caça. Este fim-de-semana tive uma amostra do que me pode esperar. Estive com uma constipação masculina.* Ou seja, às portas da morte: febre altíssima (chegou aos 38,1º), tosse, prostração, conjuntivite e herpes labial. As sete (cinco) pragas do Egipto. A médica receitou-me anti-inflamatórios, quando é óbvio que a situação requeria internamento hospitalar. Não consegui ler mais do que uma página do meu livro e (felizmente) assistir a mais do que dez minutos dos filmes de fim-de-semana. Já estou a recuperar e a trabalhar, graças à paciência da J. Podem, no entanto, enviar os típicos bombons da convalescença para a morada habitual.
*Encontrei há uns tempos, no blogue da Cláudia, um vídeo que explica bem o fenómeno. Incompreensivelmente, em tom humorístico.
*Encontrei há uns tempos, no blogue da Cláudia, um vídeo que explica bem o fenómeno. Incompreensivelmente, em tom humorístico.
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