Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
29 julho 2007
Hoje a temperatura está mais elevada fora do que dentro dos nossos corpos. A meteorologia aconselha à introspecção. Lá fora não há nada. Lisboa está quase deserta, com ilusões de água no alcatrão a escaldar. As circunstâncias excepcionais parecem justificar comportamentos excepcionais. A partir dos trinta e sete graus e meio as convenções sociais são abolidas. Na Rua Garrett uma mulher vendia poesia. Perguntei-lhe a quanto estava o poema. Dois euros, mais do que as cerejas. Perto de Belém, meia dúzia de crianças chapinhava dentro de uma fonte, sob o olhar atento das mães. Num parque de estacionamento público, no carro ao lado do nosso, um casal estava a ter sexo tórrido no banco de trás. Mudámos de lugar, para não os incomodarmos, apesar de a sombra ser a mais cerrada. Estendemos uma manta na relva, debaixo de uma árvore, frente ao rio.
25 julho 2007
Variação sobre uma frase de Nixon
Quando as democracias ocidentais reflectem sobre si próprias, imaginam-se Atenas, mas quando se olham ao espelho vêem Roma.
24 julho 2007
Segundo as más línguas da época, Epicuro gostava de fazer sessões tardias de filosofia, vomitava duas vezes por dia por excesso de comida e desfrutava da companhia de quatro senhoras, que apelidavam de Hedeia (Docinho), Erotion (Amorzinho), Nikidion (Pequena Vitória) e Mammarion (Grandes Mamas)*. Depois, já sabemos, veio a Escolástica, a questão dos universais, o imperativo categórico e a filosofia nunca mais foi a mesma.
(* A fonte da história é o livro de Anthony Gottlieb, The Dream of Reason)
(* A fonte da história é o livro de Anthony Gottlieb, The Dream of Reason)
20 julho 2007
Quem me conhece sabe que os meus genes heterossexuais foram totalmente dirigidos para as mulheres. Não sobrou nada para os automóveis. Não sei quanto cilindros é suposto terem, nunca comprei a Automotor e acho que só a Volta à França em Bicicleta é mais aborrecida que o Grande Prémio do Mónaco. Durante alguns anos optei mesmo por não ter automóvel e fazer as minhas viagens pela cidade a ler no banco de trás dos transportes públicos.
Por motivos inesperados o prazer da condução voltou. Quando comprámos o carro, ele vinha com leitor de cassetes. As minhas e as da J. já estavam guardadas no caixote do lixo da história, no fundo de um armário, para onde o avanço da tecnologia as mandou. Foi possível voltar a ouvir coisas que nos ajudaram a suportar a adolescência, pela mesma ordem em que as gravámos, com os mesmos cortes abruptos. Ontem, cruzei a noite e o Eixo Norte-Sul ao som de Sugar Kane dos Sonic Youth.
Por motivos inesperados o prazer da condução voltou. Quando comprámos o carro, ele vinha com leitor de cassetes. As minhas e as da J. já estavam guardadas no caixote do lixo da história, no fundo de um armário, para onde o avanço da tecnologia as mandou. Foi possível voltar a ouvir coisas que nos ajudaram a suportar a adolescência, pela mesma ordem em que as gravámos, com os mesmos cortes abruptos. Ontem, cruzei a noite e o Eixo Norte-Sul ao som de Sugar Kane dos Sonic Youth.
13 julho 2007
O Vítor passou a outro e não ao mesmo e, como o Mário de Sá-Carneiro, o outro sou eu-próprio.
Os últimos cinco livros que li: Na Praia de Chesil, Ian McEwan; Civilization and Its Discontents, Sigmund Freud; Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss; A Estrada, Cormac McCarthy; A Peste, Albert Camus.
Os últimos cinco livros que li: Na Praia de Chesil, Ian McEwan; Civilization and Its Discontents, Sigmund Freud; Tristes Trópicos, Claude Lévi-Strauss; A Estrada, Cormac McCarthy; A Peste, Albert Camus.
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