Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
30 maio 2006
Blogóidismo
Anda aqui um tipo a escrever coisas sérias e ninguém liga, sobre política, ou sobre filosofia, ou literatura clássica, a mostrar que somos (muito, muito) inteligentes e (muitíííssimo) cultos... Depois um gajo escreve umas patacoadas com umas fotos de cuecas e o pessoal vá de postar comentários. Tá mal, esse estímulo ao blogóidismo. Oh, Tiago, damos ao povo o que o povo quer, pão e circo (neste caso circo), escrevemos de vez em quando um post blogóide, ou mantemos o registo de um blog dito sério?...
29 maio 2006
Comprei O Mito do Eterno Retorno de Mircea Eliade na Feira do Livro e levei-o para a viagem no Alfa Pendular. Um rapaz que estava na mesma carruagem, vendo-o pousado, pediu-mo emprestado por algum tempo. O comboio era nocturno e algures depois de Coimbra adormeci. Quando acordei o rapaz já se tinha apeado, mas o livro estava à minha frente, em cima da mesa. Afinal não é um mito, o livro foi devolvido.
24 maio 2006
Neutralidade histórica
Na Vida Paralela de Sólon, Plutarco conta a história da tomada da ilha de Salamina aos megarenses. Utilizando um subterfúgio, Sólon faz chegar a notícia de que algumas das melhores mulheres de Atenas estavam numa determinada praia a praticar um sacrifício dedicado a Deméter. Quando parte dos soldados de Mégara ruma para o local, num navio transbordante de testosterona, Sólon ordena que as mulheres se retirem e que jovens atenienses imberbes vistam os seus vestidos e tomem o seu lugar, com punhais dissimulados sob as vestes. Segundo o historiador, os megarenses acabaram todos mortos na praia. O mais curioso é não existir qualquer referência ao número de baixas do lado ateniense, sobre o número de jovens violados antes de se revelar o logro.
23 maio 2006
dezasseis semanas
O pior de tudo é a opacidade. Se o umbigo fosse amplo e transparente, como uma escotilha ou um óculo de máquina de lavar, podíamos ir espreitando. Assim, é como ter um mineiro preso no fundo de um túnel. Podemos ir falando com ele para o acalmar, passar-lhe comida e bebida através de um tubo, mas temos de esperar pacientemente até chegar o momento de o trazer à superfície.
18 maio 2006
Cidade-Estado
É frequente encontrarmos em livros de história e de ciência política elogios ao sistema de autogovernação das colónias norte-americanas da Nova Inglaterra do século XVII, com descrições de town meetings onde se discutiam os assuntos da comunidade e se tomavam decisões de forma democrática e igualitária. Embora não nos apercebamos, existe em Portugal um equivalente contemporâneo, organizado em torno de uma unidade política denominada «Condomínio».
No prédio onde morávamos até há uma semana nunca constituímos condomínio, e por isso vivíamos num estado de natureza em que, por sorte, a vida nunca foi demasiado solitária, pobre, sórdida, selvagem ou curta. Com a mudança, estava à espera de passar algumas interessantes noites de Sábado a discutir com os outros condóminos a limpeza das escadas, as infiltrações no telhado e a manutenção dos animais domésticos. Mas, aparentemente, a especialização da política também chegou a estas microcidades-estado: o poder foi transferido para um pequeno leviathan, a que os aldeões chamam empresa de gestão de condomínios. A situação não é nova, não é a primeira vez que herdo um contrato social que não assinei.
No prédio onde morávamos até há uma semana nunca constituímos condomínio, e por isso vivíamos num estado de natureza em que, por sorte, a vida nunca foi demasiado solitária, pobre, sórdida, selvagem ou curta. Com a mudança, estava à espera de passar algumas interessantes noites de Sábado a discutir com os outros condóminos a limpeza das escadas, as infiltrações no telhado e a manutenção dos animais domésticos. Mas, aparentemente, a especialização da política também chegou a estas microcidades-estado: o poder foi transferido para um pequeno leviathan, a que os aldeões chamam empresa de gestão de condomínios. A situação não é nova, não é a primeira vez que herdo um contrato social que não assinei.
16 maio 2006
A internacional da andorinha migratória
15 maio 2006
A revolta das cuecas
Não, isto não se está a tornar um fetiche. Mas, francamente, acho que ontem as velhinhas de Alfama deram todas em pôr cuecas solitárias ao sol. Será um sinal cabalista do fim dos tempos, esta exposição compulsiva de objectos que representam a menopausa, e logo o fim da fertilidade, e logo o fim da reprodução, e logo a falência absoluta do sistema de Segurança Social, e logo que todos vamos ter de pagar mais contribuições porque temos menos filhos, e logo que não vamos ter reformas, e logo que vai baixar ainda mais a produtividade por ficarmos desmotivados, e o país vai enterrar-se ainda mais na crise... Aaaarrgh, estamos perdidos! Portugal não tem salvação. Sr. engenheiro, proíba as velhinhas de Alfama de espalharem maus augúrios em cuecas, bandeirolas da desgraça, e tome a medida ambiental mais sensata: nada de cuequinhas na janela depois dos 60.
14 maio 2006
Sol na cueca
Os portugueses são um povo cioso da sua privacidade, de tal modo que não há casinha que não tenha as inevitáveis cortinas que protegem o lar da invasão do olhar alheio. Na Holanda, por exemplo, é rara a janela com um cortinado. Eles aproveitam toda a luz que podem e não têm as nossas vergonhas.
Mas depois, os portugueses penduram tudo à janela: o canário e o piriquito, a roupa dos filhos, do marido, da avó, os tapetes, seja lá o que for. A lingerie, as cuecas, todos esses objectos íntimos são expostos aos mais indiscretos olhares desde que bem fenestrados, muito bem presos por um par de molas. Na Holanda não é costume ver roupa à janela. Interessantes contradições.
(Tirei a foto esta manhã, em Alfama)
Conversas de rua - 6
Ontem de manhã, o puto de 12 ou 13 anos, todo rufia, crista a meio da tola, dizia assim ao velho sentado na esplanada:
- Qu' é isso? Você não sabe qu' isso não se faz?!
Depois agarrou no pacote de cigarros que o velho tinha atirado para o chão e foi dentro do cafê pô-lo no lixo.
- É assim, assim é que você tem de fazer!...
O velho só acenou com a cabeça. Não disse nada.
- Qu' é isso? Você não sabe qu' isso não se faz?!
Depois agarrou no pacote de cigarros que o velho tinha atirado para o chão e foi dentro do cafê pô-lo no lixo.
- É assim, assim é que você tem de fazer!...
O velho só acenou com a cabeça. Não disse nada.
12 maio 2006
Ó professor, e o Soares também?
No seu livrinho lançado ontem, Carrilho diz de António Cunha Vaz: "[Veio] oferecer-se para tratar de tudo [na campanha para as autárquica], insistindo muito em dois pontos da sua oferta: a recolha - obviamente ilícita - de fundos, e a compra de opinião".
Ora foi a agência de Comunicação de Cunha Vaz que acabou por fazer a campanha de Carmona Rodrigues, mas também foi contratada, depois, para a de Mário Soares à Presidênca da República. Neste caso, a manterem-se os pressupostos de Carrilho... mete-se Soares num pequeno sarilho. Foram recolhidos fundos ilícitos? Foram comprados colunistas? Foram corrompidos jornalistas? O dr. Soares devia dizer alguma coisinha...
Conversas de rua - 5
Numa paragem do autocarro 26, na zona da Estefânia, uma rapariga de ar saudável falava ao telemóvel e dizia assim a alguém, talvez uma amiga:
- Eu já ando preocupada porque andam a dizer que nos vão cortar no subsídio de Natal... Isto está cada vez pior... Pois, pois... O outro dia fui ao Mini-Preço e não havia nada nas prateleiras... hum, hum... Depois peguei no carro e fui ao Continente do Vasco da Gama. Estava vazio, vê lá, as pessoas já nem vão ao Continente, vão ao Mini-Preço.... Sim... e parece que o passe vai aumentar outra vez e já tinha aumentado três vezes este ano...
- Eu já ando preocupada porque andam a dizer que nos vão cortar no subsídio de Natal... Isto está cada vez pior... Pois, pois... O outro dia fui ao Mini-Preço e não havia nada nas prateleiras... hum, hum... Depois peguei no carro e fui ao Continente do Vasco da Gama. Estava vazio, vê lá, as pessoas já nem vão ao Continente, vão ao Mini-Preço.... Sim... e parece que o passe vai aumentar outra vez e já tinha aumentado três vezes este ano...
03 maio 2006
O futuro de Rabie - restos do bloco de notas de um jornalista - I
(Notas tiradas durante a viagem de Cavaco Silva à Bósnia e ao Kosovo, onde fui ao serviço da Sábado)
Rabie Habani é kosovar, tem 23 anos e quer casar com um americano. Rabie tem desabafos como este, enquanto serve bebidas aos soldados da NATO, num bar do quartel gigante de Jubille Barracks, em Pristina, um complexo de contentores e betão onde estão 307 tropas portugueses. "Oh, I want so much to marry an american and live in America..." Então e os soldados portugueses? E os ingleses? "Ah, they are just boys...", atira. "Não têm nada na cabeça." A jovem albanesa não quer soldados, prefere os polícias, um pouco mais velhos, como o americano que foi namorado dela e voltou aos Estados Unidos sem dizer que era casado. Um desgosto.
Maior que esse, só quando se escondeu nas montanhas que cercam Pristina, em 1999, com a família, a fugir dos paramilitares sérvios. Enterrou o seu diploma do 12º ano no chão, tirado numa escola particular, porque tinha a bandeira albanesa impressa e isso era perigo de vida. O diploma ardeu com o fogo que lhe destruiu a casa.
Os três irmãos mais velhos estão desempregados; o pai está reformado com 200 euros; e a mãe sujeita às regras muçulmanas mal sai de casa. Casar com um americano quer dizer: liberdade. "Não quero casar com um albanês e passar o resto da vida em casa a cuidar dos filhos", diz-me Rabie, muçulmana mas não praticante, tão vestida à ocidental como uma universitária portuguesa. "Quando chegar aos 25 anos, conta ela, estará "velha para casar", como se estivesse em segunda mão". O pai, que nem sonha que os 300 euros que ela leva para casa são ganhos a servir bebidas alcoólicas num pub com a foto de Isabel II, há-de querer que ela case em breve com um albanês. Está num beco.
Rabie olha para o futuro e não está lá nada: só vê uma prisão.
Rabie Habani é kosovar, tem 23 anos e quer casar com um americano. Rabie tem desabafos como este, enquanto serve bebidas aos soldados da NATO, num bar do quartel gigante de Jubille Barracks, em Pristina, um complexo de contentores e betão onde estão 307 tropas portugueses. "Oh, I want so much to marry an american and live in America..." Então e os soldados portugueses? E os ingleses? "Ah, they are just boys...", atira. "Não têm nada na cabeça." A jovem albanesa não quer soldados, prefere os polícias, um pouco mais velhos, como o americano que foi namorado dela e voltou aos Estados Unidos sem dizer que era casado. Um desgosto.
Maior que esse, só quando se escondeu nas montanhas que cercam Pristina, em 1999, com a família, a fugir dos paramilitares sérvios. Enterrou o seu diploma do 12º ano no chão, tirado numa escola particular, porque tinha a bandeira albanesa impressa e isso era perigo de vida. O diploma ardeu com o fogo que lhe destruiu a casa.
Os três irmãos mais velhos estão desempregados; o pai está reformado com 200 euros; e a mãe sujeita às regras muçulmanas mal sai de casa. Casar com um americano quer dizer: liberdade. "Não quero casar com um albanês e passar o resto da vida em casa a cuidar dos filhos", diz-me Rabie, muçulmana mas não praticante, tão vestida à ocidental como uma universitária portuguesa. "Quando chegar aos 25 anos, conta ela, estará "velha para casar", como se estivesse em segunda mão". O pai, que nem sonha que os 300 euros que ela leva para casa são ganhos a servir bebidas alcoólicas num pub com a foto de Isabel II, há-de querer que ela case em breve com um albanês. Está num beco.
Rabie olha para o futuro e não está lá nada: só vê uma prisão.
02 maio 2006
Por que somos pequenos?
Porque nos EUA o número estimado de imigrantes ilegais é de 13 milhões, segundo o Público de hoje, com base em dados do Pew Hispanic Center.
01 maio 2006
A lição de Tal Afar
John Kerry propôs no Senado norte-americano que as tropas americanas deixem já o Iraque; Ted Kennedy tem a mesma opinião. Estes democratas, que defendiam a manutenção das tropas até haver ali um país viável, voltaram o discurso ao contrário, cavalgando agora o cansaço da opinião pública americana em relação ao Iraque. Bush não é frequentável, mas isto é perigoso...
Para percebermos que a retirada das tropas é mesmo muito perigosa aconselho a leitura de uma grande reportagem de George Packer (é mesmo muito grande) na New Yorker de 10 de Abril. Aqui. Ser contra a guerra era sensato, no mínimo. Ser a favor da retirada é no mínimo imprudente e Packer explica porquê: ele conta como em Tal Afar o coronel MacMaster, um esclarecido em relação a outros oficiais, conseguiu pôr sunitas a falar com xiitas, através da implementação de uma doutrina de contra-insurgência que os americanos não tinham. Percebe-se pelo trabalho do jornalista no terreno, mais do que pelos números dos mortos com que somos bombardeados todos os dias, que a saída das tropas seria um desastre pior do que a própria guerra. Uma leitura recomendável.
Para percebermos que a retirada das tropas é mesmo muito perigosa aconselho a leitura de uma grande reportagem de George Packer (é mesmo muito grande) na New Yorker de 10 de Abril. Aqui. Ser contra a guerra era sensato, no mínimo. Ser a favor da retirada é no mínimo imprudente e Packer explica porquê: ele conta como em Tal Afar o coronel MacMaster, um esclarecido em relação a outros oficiais, conseguiu pôr sunitas a falar com xiitas, através da implementação de uma doutrina de contra-insurgência que os americanos não tinham. Percebe-se pelo trabalho do jornalista no terreno, mais do que pelos números dos mortos com que somos bombardeados todos os dias, que a saída das tropas seria um desastre pior do que a própria guerra. Uma leitura recomendável.
Cinco vezes cinco: vinte e cinco
A rainha de Inglaterra recebeu 10 primeiros-ministros em 54 anos de reinado, notava Jonathan Freedland no G2, suplemento do Guardian, no dia 21 de Abril, num artigo sobre os 80 anos de Isabel II.
Se reinasse em Portugal, teria convivido com 25 primeiros-ministros em 50 anos, caso se mantivesse o ritmo de cinco primeiros-ministros em cada dez anos. Na última década foram: Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Ainda a malta pergunta por que é que isto está como está...
Se reinasse em Portugal, teria convivido com 25 primeiros-ministros em 50 anos, caso se mantivesse o ritmo de cinco primeiros-ministros em cada dez anos. Na última década foram: Cavaco Silva, António Guterres, Durão Barroso, Santana Lopes e José Sócrates. Ainda a malta pergunta por que é que isto está como está...
Conversas de rua - 4
Conversa entre três populares junto a um quiosque, no Jardim Constantino, antes de Sócrates anunciar as novas regras de contabilização de pensões:
Homem - Agora já tiram IRS das reformas, o que é que eles querem mais?
Mulher - Qualquer dia vão às nossas contas no banco...
Dona do quiosque - Ah, sabe que isto é sempre para pior.
Homem - Pensa que eles não sabem o que está nas nossas contas?... Então não sabem? Só aos lucros dos bancos é que eles não tiram nada...
Homem - Agora já tiram IRS das reformas, o que é que eles querem mais?
Mulher - Qualquer dia vão às nossas contas no banco...
Dona do quiosque - Ah, sabe que isto é sempre para pior.
Homem - Pensa que eles não sabem o que está nas nossas contas?... Então não sabem? Só aos lucros dos bancos é que eles não tiram nada...
Conversas de rua - 3
Diálogo entre criança e mãe, num supermercado, na Estefânia:
- Mãe, que fruto é este?
- Não sei... errr... é mandioca...
- Humm, será que é bom?...
- Mãe, que fruto é este?
- Não sei... errr... é mandioca...
- Humm, será que é bom?...
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