Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
27 junho 2009
Rito de passagem
Lançámos as chuchas da L. em balões de hélio cor-de-laranja. Ela acenou-lhes, sob os incentivos dos amigos que se juntaram a nós no parque para a ocasião. Tenho a certeza de que foi um daqueles momentos que lhe serão recordados por nós de forma cíclica e repetitiva. Ela não se lembrará de os ter lançado e terá de reconstruir essa memória através da nossa. Não se lembrará sequer de ter comido um Cornetto de morango no final, oferecido para apaziguar o nosso sentimento de culpa. Eram três e foram levadas pelo vento em direcções diferentes. Aconselho prudência a quem sair de casa esta noite. Se alguma vos atingir, pedimos desculpa e aconselhamos a que não a experimentem. É um hábito difícil de largar.
Fragmento de um discurso amoroso
Ao longo da infância tive, como todas as crianças, uma grande quantidade de paixões violentas e impossíveis. Lembro-me do nome de quase todas, desde os meus quatro ou cinco anos. Em retrospectiva, o mais estranho dessas paixões infantis era a impossibilidade de concretização. Aos seis ou sete anos não se namora e, mesmo que existam beijos, não têm o significado que vêm a adquirir mais tarde. Mas o platonismo não tornava menos importante a busca. Mesmo quando a paixão era correspondida, o que é raro acontecer quando somos tão novos, a relação era ritualizada numa série de jogos, de insultos pouco sinceros, de demonstrações de desinteresse mal encenadas. Era um jogo de ténis infinito, jogado entre a vantagem nula e a vantagem temporária de um dos dois, por nenhum deles saber o que fazer em caso de vitória.
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