Devemos à conjunção de um espelho e de uma enciclopédia a descoberta deste mundo. Por Vítor Matos e Tiago Araújo
25 fevereiro 2007
À menina Maria da Graça
Há dias veio-me parar à mão um livro especial. Certa tarde, nos anos 30, um homem gentil e reservado, que traduzia cartas comerciais ali numa firma da Rua da Prata, recebeu um pacote. Uma editora enviava-lhe os primeiros exemplares impressos do primeiro livro. Ele abriu-o, sem saber que nunca mais veria o primeiro exemplar de livro nenhum. Tirou o volume que estva apor cima, dedicou-o, e ofereceu-o à rapariga que lá trabalhava. "Com estima, Fernando Pessoa". E ali estava eu agora, com o livro na mão, a vê-lo, de lacinho, calças curtas, prestes "a descer a rua do Ouro a pensar em tudo o que não fosse a Rua do Ouro", a dizer, "menina Maria da Graça, aqui tem. E... não há um valezinho este mês? Ah, então não faça caso, não se preocupe, já cá não está quem falou". E a dar-lhe aquele poema, "Liberdade", batido à máquina, e corrigido com a sua caneta, que ficou ali dentro, dobrado, durante 70 anos. Eu emociono-me quando me encontro com objectos especiais. Devia ter sido antiquário. Não. Talvez rico e coleccionador, porque não era capaz de me separar de objectos destes.
14 fevereiro 2007
Comprámos uma gaiola chinesa, apesar de não termos um pássaro. Como uma gaiola vazia deixa de ser um objecto para passar a ser um símbolo, decidimos pôr lá dentro o mais parecido que temos com um canário, um CD da Madame Butterfly. Primeiro pensei pôr-lhe no interior a P.J. Harvey, mas cheguei à conclusão que ela deve ser como o Quetzal, que morre quando lhe tiram a liberdade. Em todo o caso, deixámos a porta da gaiola entreaberta, para preservar o que lhe resta de simbólico.
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