30 junho 2008

Hora de almoço

Os que comem rápido ou não têm pressa passam pelo jardim depois do almoço. Cinco ou seis, que costumam almoçar juntos na cantina, conversam animadamente, metade sentados num dos bancos, metade de pé. Noutro, um homem e uma mulher de meia-idade trocam as carícias adequadas a um namoro iniciado no local de trabalho. Uma rapariga fala ao telemóvel encostada ao muro, outra dá pedaços de bolo ao gato que costuma andar a vaguear por entre as sebes. Levanta a cauda totalmente na vertical, arqueia as costas a pedir-lhe a mão. Os que comem rápido, têm a sombra.

Domingo à tarde

A casa está em silêncio, as portadas encostadas a suportarem o peso do calor. Se andássemos de divisão em divisão, poderíamos descobrir os habitantes da casa a dormir, cada um no canto para onde se arrastou após o almoço. Mas nenhum de nós tem força ou curiosidade para percorrer os corredores a observar o sono um dos outros. Sou o único acordado, sentado na varanda com sombra, um livro, uma garrafa de água e a expectativa de um gelado ao final da tarde, quando um a um os outros começarem a sair e a espreguiçar-se na entrada do covil.

05 junho 2008

(Dedicado a todos os amigos que me dizem que tenho de actualizar o blogue e a quem respondo que estou sem paciência e só me lembro de coisas estúpidas para escrever)

O Governo prepara-se para lançar a construção de um novo hospital, a que vai chamar de Todos-os-Santos. O nome é provavelmente recuperado do antigo hospital, no Rossio, destruído com o terramoto de 1755. Os santos foram depois sendo repartidos democraticamente pela cidade, são josé para um lado, santa marta para outro, santa maria para mais longe e são francisco xavier para a zona ocidental, contrariando a sua tendência natural. Mas o novo hospital era uma boa oportunidade para corrigir uma injustiça antiga. Devia-se dar-lhe o nome de Becas Moniz. Se o amigo pode ter um, porque não ele. Já comecei a recolher assinaturas para um abaixo-assinado.
Ouvido numa fila: «Às vezes penso que os humanos têm diversas espécies. Eu dou-me melhor com os da minha, por termos os mesmos gostos e frequentarmos os mesmos lugares. Outro dia, por exemplo, encontrei alguém que se parecia contigo: o mesmo tipo de cabelo, o mesmo olhar, a mesma forma de combinar as cores das roupas.» A rapariga manteve-se impassível, por já estar habituada às especulações do amigo/namorado ou simplesmente por ser assim que se comportam as da sua espécie.