30 agosto 2007

A primeira coisa parecida com uma palavra da L. foi Olá. Não sei se é um indício de que vai ser muito simpática ou de que vai gostar tanto de gelados como os pais.

29 agosto 2007

Um banho de imersão ao chegar a casa, sem medo de molhar o livro. A marca no capítulo dezassete, onde se fica a saber que L. Bloom admira na água, entre outras coisas, a inquietação das suas ondas e partículas superficiais visitando em turnos todos os pontos do litoral; o seu apaziguamento após a devastação. Andei perdido neste livro durante dez anos ou algumas semanas, de ilha em ilha. Agora estou quase a chegar a Ítaca, no n.º 7 de Eccles Street, Dublin. Regressei a casa e a temperatura da água vai diminuindo gradualmente na banheira, sobre a praia.

23 agosto 2007

Posta de Nicósia - on religion

O Tiago tem razão. Aliás, conta-se uma história que ilustra bem esse exemplo, sobre os irlandeses. Encontravam-se dois e perguntavam-se: és ateu católico ou ateu protestante? É isso, a religião como produtora de uma determinada cultura. Nesse sentido também sou um ateu católico. Não sou, comprovadamente, um ateu muçulmano.

Penso que a religião deve ser absolutamente respeitada. Mas do ponto de vista indivudual. Ninguém tem nada a ver com a confissão que quem quer que seja professa. Isso é uma coisa de cada um para si mesmo. O problema é que as igrejas são comunidades, e as comunidades são fenómenos grupais e os grupos projectam uma mundovisão, e depois há mundovisões que chocam e às vezes isso é o fim do mundo.

Escrevo em Nicósia, capital de Chipre. Cheguei hoje de Beirute. Ora Beirute é um dos muitos exemplos de como uma sociedade em que se a religião não saísse da soleira da porta ou do adro do templo, tudo seria mais fácil para todos. Neste contexto, a religião não tem qualquer utilidade para a política: há cristão, cristãos maronitas, xiitas, sunitas, eu sei lá. Os cristão têm o presidente, os sunitas o primeiro-ministro e os xiitas o presidente do parlamento. Ou seja, para além de todas as confusões, nem sequer falam uns com os outros. acredito nos benefícios individuais da religião em muitos casos, mas duvido muito dos benefícios da religião para a política.

Por que sou cristão

(O texto do Vítor é um bom ponto de partida para uma reflexão que há muito andava para fazer. O título é baseado no de uma palestra proferida por Bertrand Russell em 1927: Why I Am not a Christian.)

Em todos os congressos há alguém na plateia que, depois de o orador ter terminado, se levanta, pede a palavra e começa a descrever uma qualquer ideia excêntrica. Chegou a minha vez de pedir o microfone: sou um ateu católico. Não acredito em qualquer tipo de transcendência, sobrenatural ou misticismo. Acredito que o universo existia antes de nós e que eu não existirei depois de mim. Sou culturalmente católico. Há rituais que cumpro porque sinto que fazem sentido. Se tivesse crescido nas selvas da Amazónia, provavelmente tinha pintado o tronco e jejuado para marcar a puberdade. Assim, fui crismado. O ponto essencial é não me sentir vinculado a nenhuma autoridade. Aceito o que quero e rejeito o resto. Basta-me que Jesus Cristo tenha sido homem. Acredito na tolerância, no perdão com arrependimento e no auxílio aos mais desfavorecidos. Não é uma posição confortável, mas sinto que seria uma hipocrisia maior rejeitar totalmente a minha educação católica sem me apetecer, só por ser mais popular.
A utilidade social da religião é uma ideia que alguns autores foram trazendo para a filosofia política ao longo dos tempos. Não é essa a minha posição. É uma religião meramente pessoal. Aguardo serenamente a excomunhão e o relâmpago.

A mão do Baptista

No Montenegro, o mais jovem país do mundo, há uma mão de São João Baptista, num mosteiro ortodoxo. Na mesma urna, que os monges adoram e abrem para mostrar aos turistas, está um lenho da cruz de Cristo. Olhei para aqueles objectos sagrados a ver se sentia alguma coisa, se me invadia assim um pequeno frisson religioso e nada. Tornei-me ateu e não há nada a fazer.

22 agosto 2007

Uma enorme indolência. Desejar a destino de Hans Castorp, na Montanha Mágica: ir visitar um primo a uma casa de repouso e acabar internado. Uma cadeira longa, uma manta nas pernas, um livro aberto abandonado sobre o peito. Apanhar o comboio que desce para o vale, eventualmente, mas só lá para o Outono.

21 agosto 2007

Um passageiro, sempre com a ponta do bilhete a sair da ponta dos dedos, para mostrá-lo logo que o peçam, para confirmarem o direito à viagem, no banco de trás, o vidro baço, entre a gravidade e a graça, num autocarro nocturno.

20 agosto 2007

French-kissing

Desdobrámos o mapa de estradas. A meio caminho entre Grândola e o Carvalhal há uma povoação chamada Beijinho de Água. Quando passámos por lá, na manhã seguinte, a placa indicava Brejinho de Água. Mais verosímil mas menos poético. Consultei vários mapas e o erro repete-se. Podemos facilmente imaginar um geógrafo solitário a esconder uma gralha por entre as linhas que se bifurcam e interseccionam. As prensas só tiveram depois de multiplicar o erro, torná-lo credível. A meio caminho entre dois lugares há um beijinho de água.