30 junho 2007

O dueto astronómico


O alemão Johannes Kepler sofria de visão dupla. O dinamarquês Tycho Brahe usava uma cana do nariz em prata para substituir a de osso, irremediavelmente danificada num duelo. Este par de improváveis astrónomos encontrou-se em Praga no magnífico ano de 1600. Ambos devem ter apreciado uma vista parecida a esta há 400 anos, sobre o Vlatva, com a lua a tocar nos pináculos do castelo da cidade. Kepler baseou-se na exactidão dos cálculos de Brahe - protegido do habsburgo Rudolfo II -, para aperfeiçoar o seu sistema solar, quando ainda se acreditava que era a terra o centro do universo. Esta história dava um romance: dois astrónomos e matemáticos brilhantes, um rei à beira da loucura e os charlatões que o rodeavam.

A Ponte que faz existir

No maior ícone de Praga, a ponte medieval Carlos IV, acotovelam-se os turistas. Para ouvir falar checo sobre a ponte, é preciso lá chegar antes das oito da manhã, quando ainda nem há vendedores de bugigandas instalados. A ponte define, faz existir, não se limita a ligar margens que já lá estão. É verdade. Escreveu Heidegger.

«A ponte reúne, enquanto passagem que cruza, ante as divindades - quer pensemos explicitamente, ou visivelmente dermos graças pela sua presença como na figura do santo da ponte, quer essa presença divina seja obstruída ou mesmo afastada completamente. A ponte reúne em si e a seu modo Terra e Céu, divindades e mortais»

Heidegger, citado por Banville em Imagens de Praga




Praça, sol e cerveja



Diz Banville que a «cerveja checa sabe a campos de feno crestando sob o sol de Verão». Na verdade, bebi muita cerveja checa, meio litro de cada vez, debaixo de um sol esplêndido enquanto em Lisboa chovia. Esta praça da Cidade Velha, como as praças de todas as velhas capitais europeias viu mortes e execuções, invasores a chegar e invasores a ir, viu histórias que nos dias de hoje custa a crer.

Praga, livros e papel pardo

Praga é uma cidade bela e aprazível, e mais seria não fossem as hordas de turistas a deambular a toda a hora (aliás, como nós). Como o irlandês Banville escreveu, os checos não parecem um povo alegre. Mas há grandes coincidências, lá isso há. O hábito de forrar os livros com papel pardo, por exemplo: para evitar os informadores? Hoje não. Tiago, tu deves saber responder a esta dúvida existencial.

«Os habitantes de Praga são os mais circunspectos citadinos. Passageiros nos eléctricos e no metro retiram cuidadosamente a sobrecapa dos livros que trouxeram para ler durante a viagem, por mais inócua que seja; alguns chegam mesmo a encaderná-los com papel castanho para ocultar o título das lombadas. Compreensível, claro, numa cidade há tanto tempo tão cheia de informadores, e os velhos hábitos são difíceis de abandonar».

in Imagens de Praga, de John Banville (Edições Asa; trad. Teresa Casal)

05 junho 2007

O café da manhã

Com a idade, os hábitos vão-se fixando. O pequeno almoço é um dos rituais mais inflexíveis do meu dia, e se falha um dos pequenos elementos da alimentação matinal, não começo bem a jornada. Quando estou fora, em viagem, pode ser-me penoso prescindir dele. Ora, é mais ou menos assim: um iogurte, cremoso ou de pedaços, normalmente magro e de morango; uma ou duas torradas de pão alentejano com queijo flamengo que se começa a derretar com o quentinho da fatia (também pode ser queijo fresco, ou requeijão); uma banana a ficar para o maduro; um chá verde numa caneca, para ajudar a empurrar uma série de comprimidos. No fim de tudo, o café.

O café tem especial importância no ritual. É o remate. A cereja em cima do bolo. O fim do momento onde começa o meu dia. Agradeço, por isso, a todos os meus amigos que contribuíram para tornar as minhas manhãs ainda mais agradáveis com aquela máquina nova. Sabe bem. E apareçam lá em casa para tomar um cafezinho. Obrigado.