28 março 2007

O tributo das sereias

Eu cá nunca pesquei sereias nem tritões, nem nunca lhes ouvi cantares, nem comi caldeiradas de peixes assim. Mas ao ler a Descrição da Cidade de Lisboa, de Damião de Góis, descobri que ambas as espécies abundavam nas águas doces e salgadas da capital portuguesa, até havendo um imposto lançado sobre essas especiais pescarias. Num contrato entre Dom Afonso III e o mestre dos Cavaleiros de São Tiago, que o autor terá visto com os seus olhos, estabeleceu-se que "o tributo das sereias e dos outros animais pescados nas praias da mesma ordem se devia pagar aos reis". Ora deve ser de ouvir tanto canto das sereias que este país se tornou nisto...

13 março 2007

O chão da nossa casa é de tábua corrida. A madeira brilhante, clara e lisa range em alguns sítios e, por isso, por vezes parece que estamos a andar sobre o convés de um veleiro, com o cordame a gemer ao ritmo da ondulação. Estamos fundeados numa baía, à espera do escaler que nos há-de levar a terra. Não chegamos a ir, mas a expectativa mantém-nos alerta, a espreitar pelas janelas, a sentir o vento no cesto de gávea.

12 março 2007

pólen

A minha alergologista disse-me que talvez tenha chegado a altura de me insensibilizar. Nunca nenhum médico que tinha dito que havia essa opção.

09 março 2007

His nearness to the devouring sun softened the fragrant wax that held the wings: and the wax melted: he flailed with bare arms, but losing his oar-like wings, could not ride the air. Even as his mouth was crying his father’s name, it vanished into the dark blue sea, the Icarian Sea, called after him. [Ovídio, As Metamorfoses]

Desaparecer no azul profundo do mar, como Ícaro, por uns segundos. O verão ainda tão longe.

08 março 2007

Um post sobre nada

Por uma ligação que parece impossível, as casas de banho públicas com iluminação activada por sensores de movimento são propensas a criar ambientes de rodeo. Se demorarmos um pouco mais em frente ao urinol a luz apaga-se e vemo-nos na estranha situação de ter de manter uma mão a segurar o pénis e a outra no ar a fazer movimentos circulares para que ela se volte a acender.

(Tive o cuidado de não recorrer ao uso de metáforas – touro, animal, etc. – para não pensarem que me estou a gabar. A modéstia nunca é demais, ao contrário das figuras de estilo.))