30 abril 2005

Paul Auster no Chiado: o oráculo das ilusões

Somos todos provincianos. Há pouco mais de uma hora, a sala da FNAC do Chiado estava tão à cunha que alguém teve de abrir a janela senão os admiradores do senhor escritor Paul Auster desfaziam-se em suores. Eram nove da noite, a hora a que estava marcado o encontro para ouvir o americano a falar, a dizer alguma coisa dos seus livros, pelo menos dos sete volumes que eu e a Carla temos aqui na estante, mesmo atrás de mim, entre o Ian McEwan e o Michael Cunningham.

O senhor escritor chegou vinte minutos atrasado. Como a sala já estava cheia pelo menos desde as oito e meia, a espera foi de 45 minutos para a maioria das pessoas. Quase todas em pé. Auster chegou. Aplausos. O editor da Asa pediu desculpas. "Agradeço em nome da Asa a vossa Presença", afirmou, sem notar a menção ao nome da concorrência. "E o sr. Paul Auster não vai falar porque está cansado". Ooooohh!

Bem, o senhor Auster disse uma frase ou duas, como por exemplo, que esta viagem a Lisboa tinha sido uma das melhores da sua vida. Que bom. Ou que não ia falar, porque lhe tinham dito que esta noite era só para assinar livros, e assiná-lo é isso mesmo, não mais do que uma assinatura: explicou que estava ali tanta gente, que não ia escrever uma dedicatória sequer, apenas o seu autógrafo, porque uma sessão de autógrafos é para assentar a grafia do autor, não é para dedicar, trabalho mais elaborado que exige cachets generosos e negociações demoradas.

Ora o povo agradecido perante tão magnânimo gesto, aplaudiu. Não apupou. Nem pateou. Ainda havia a possibilidade de possuir a assinatura daquele punho soberbo. A assinatura. Sem palestra. Sem dedicatória. Fomo-nos embora, eu e a Carla, envergonhados. Mesmo assim, fiquei com esta dúvida: é ele que é arrogante, presunçoso e desrespeitador dos que lhe permitem aquele modo de vida; ou somos nós todos pacóvios provincianos?

29 abril 2005

Até não me importava de passar a noite em claro

Estranho o silêncio do Tiago sobre a vitória do Sporting contra o AZ Alkmaar. Estranho, pela mesma razão, o que levou o Martim Silva a exagerar em sentido contrário e a mudar o nome do seu blogue Mau Tempo no Canil para Bom Tempo no Canil, e a impingir-nos o emblema do clube no cabeçalho. OK, até compreendo o sentimento daqueles adeptos pouco habituados a ganhar. Dou um desconto, pois sofro pelo FCP, e habituei-me às glórias do meu clube, mas ontem dei por mim a torcer patrioticamente pelo Sporting. Já sei que me vou arrepender: quando os lagartos ganham, o que felizmente é raro, passo uma noite sem dormir embalado pelas cavalgaduras que passam por debaixo da minha janela, na rua do Arsenal, a caminho da Praça do Município e a cantar: "Só eu sei por que não fico em casa..."Pois se o Sporting ganhar desta vez (a UEFA, não o campeonato) vou cantar com eles também.

28 abril 2005

Ditadura segundo Arnaldo

"Temos uma ditadura. Chama-se democracia", disse por estes dias o camarada e grande educador do povo Arnaldo de Matos, ex-grande líder do MRPP, num debate sobre o 25 de Abril - conta-nos o jornalista Adelino Gomes no Público de hoje.

É claro que se mantém o interesse em ouvir estas velhas carcaças revolucionárias, do mesmo modo que o arqueólogo olha para a cerâmica em cacos. "A democracia é a mais suave das ditaduras", ensina-nos ele, cujo ideal seria quem sabe uma ditadura mais rija. O mundo de quem ainda pensa assim hoje é um gueto mental, onde também habitam os comunistas. A esquerda não é isto, nunca o devia ter sido. O camarada Arnaldo é uma velha pintura num mural de uma parede decrépita.

Mas não esqueçamos: foi ele que moderou alguns dos ímpetos mais revolucionários do jovem que hoje preside à Comissão Europeia, quando mandou o camarada Zé Manel devolver à procedência a mobília roubada ao presidente do Conselho Directivo da Faculdade de Direito...

27 abril 2005

Casadebanhosferas

O Voz do Deserto faz esta curiosa referência: Escrevia Maria Filomena Mónica há umas semanas: "a maioria dos blogues são versões modernizadas do que dantes se escrevia nas paredes das casa de banho públicas". Ora, ao contrário de Mena Mónica, nem todos tivemos o privilégio de frequentar as casas de banho certas. Coisas de berços…
Hoje está sol. O dia vai ser límpido. Boa sorte, Tiago!

A luz municipal

A luz, numa das grandes janelas do edifício da Câmara Municipal e Lisboa, estava acesa ontem à noite, às onze horas, quando fui estacionar o carro. Pensei: será o Santana, será o Carmona? Aquele candelabro imenso e aceso dava a impressão de estar a alumiar alguém que trabalhava por nós. Que nos cuidava, uma coisa assim à la Salazar, a tratar do país, a bem da nação. Tirei o carro da rua Nova do Almada e estacionei-o no largo de São Julião. Quando passei na Praça do Município, as luzes já estavam apagadas. Fomos todos abandonados.

25 abril 2005

Viva a República! Viva a democracia!

O regresso do velho CDS

A inesperada eleição de José Ribeiro e Castro como líder do CDS/PP autoriza-nos as seguintes conclusões:
1- Monteiro e Portas não mataram o velho CDS democrata-cristão.
2 - Afinal o CDS não é uma imagem reflectida de Paulo Portas, senão Telmo Correia e os portistas teriam ganho;
3 - Não há vencedores por antecipação;
4 - Nem sempre a gestão dos tabus dá bom resultado; muito menos quando o autor do tabu se anuncia como um homem comum e não como um prometido ou um providencial;
5 - O CDS é um partido desestruturado: a vitória de uma figura inesperada, contra a direcção que está, só é possível quando as estruturas de liderança intermédias são fracas;
6 - O candidato apoiado por Nobre Guedes ganha sempre; resta saber qual foi o papel de Paulo Portas junto do amigo Guedes nestes bastidores;
7 - Se, por ventura, Portas ajudou à vitória de Ribeiro e Castro contra Telmo, é porque estará de volta daqui a uns tempos...

24 abril 2005

A Queda: schadenfreude total

Fui ver a Queda ontem, o filme sobre os últimos dias de Hitler no bunker, na expectativa de assisitir à tal humanização do monstro nazi, disseminadora de discussões e de polémica pelo mundo. Mas não. No máximo, uma humanização de Hitler em vez da sua diabolização, far-nos-ia pensar que foi um homem, como nós, que foi capaz de todo aquele mal. E a humanidade deve ficar marcada por isso.

O que o filme nos deixa é uma noção ambígua da personagem: entre o homem, atingido pela doença cuja mão treme sem parar, que beija ternamente a sua cadela, que abraça e beija a amante diante dos generais, que é gentil para a secretária; e o que ele representa, a figura histórica, o louco, que lança o povo para a morte, que não vê a destruição que semeou à sua volta, que nem respeita os que dão a vida por ele. Entre as duas visões, a humana e a histórica, sobrepõe-se a segunda: o culto da morte entre os nazis evidencia-se não pela morte de outros (não se fala ali do Holocausto), mas pela morte de si mesmos, seja pelos suicídios, seja pelas mortes infligidas por uma mãe de gelo a todos os seus filhos, seja pelas mortes dos berlinenses.

O mal absoluto está ali presente nas relações entre os próprios nazis e no sofrimento infligido ao povo alemão, com esta ironia: no fim de tudo, Hitler culpa o volk - o civilizado povo alemão que se deixou arrastar para barbárie nazi - pela derrota na guerra. Porque foi fraco.

Aqui sim, pode ver-se alguma catarse. Raramente os alemães aparecem como as vítimas. Neste caso, partilham o sofrimento com aqueles que fizeram sofrer, embora haja aqui lugar a uma sensação que uma palavra alemã define na perfeição: schadenfreude, o prazer de ver a desgraça dos outros, neste caso, o prazer mórbido de ver o que aconteceu aos nazis, sem qualquer hipótese de redenção.

22 abril 2005

Viva o stresse!

Tenho em cima da minha secretária um livrinho amarelo que me quer ensinar "Como controlar eficazmente o stress". Mais importante do que isso: "Numa semana". O canhenho conselheiro foi a oferta de uma edição do Jornal de Negócios. Ora, como posso eu controlar o stresse (agora é assim que se escreve) e trabalhar ao mesmo tempo? Sem stresse adormeço, morro-me, amoleço, dá-me cá uma lãnzeira, uma modorra chaparrenta que não dá pra fazer nada senão cultivar memoráveis sestas à sombra. Viva o stresse, a adrenalina, o combustível da nossa reacção ao mundo que nos faz viver e nos mata.

O cisma lisboeta

Seis vereadores do PSD da Câmara de Lisboa foram ontem à S. Caetano protestar junto de Marques Mendes, por ter sido Carmona Rodrigues o candidato escolhido pela direcção do PSD e Santana Lopes o preterido. Imaginamos o clima que se vive na Praça do Município, onde os dois "amigos" partilham staff e responsabilidades, e onde um grande cartaz anuncia "A Rolha", uma exposição de Bordalo Pinheiro muito adequada ao ridídulo do momento...

20 abril 2005

Zita, missão abortiva

Marques Mendes cometeu hoje o seu primeiro erro, ao pôr Zita Seabra a discursar contra o aborto no Parlamento. A não ser pelo mais puro cinismo de se resguardar a si mesmo e aos seus, não era de esperar que um parlamentar tão experiente lançasse para o campo da batalha a mesma pessoa que tinha andado aos tiros do outro lado da trincheira, quando a disputa era a mesma. Foi ridículo ouvir Zita Seabra defender o contrário do que tinha dito há anos, naquele mesmo lugar. Transformou-se em saco de boxe. Era previsível.

Mendes venceu o Congresso do PSD defendendo que o partido tinha de ser credível; mas Zita nunca teria credibilidade nem podia ser levada a sério numa situação destas. Um tiro. um melro.

A outra irresponsabilidade, para não dizer má fé, é o PS lançar o tema do referendo ao aborto neste momento, sabendo que Jorge Sampaio mal tem margem no calendário para o convocar, e que o PSD não aprovará a simultaneidade do referendo europeu com as autárquicas se a consulta ao aborto for a primeira. Caso o referendo for em Julho, como obriga o facto de haver autárquicas em Outubro, a participação será baixa, já se sabe. Com tão pouco tempo de preparação, a discussão será fraca e pouco séria, já se sabe. As vítimas continuarão a ser as mesmas, as mulheres, claro, já se sabe. A falta de honestidade intelectual neste país não tem emenda...

O significado do latim

Foi em latim, a primeira homilia de Bento XVI, na Capela Sistina. Isto como premonição de um futuro próximo não deixa antever nada de bom. Ao usar a língua morta no momento de um discurso que devia ser inteligível - e logo na sua primeira celebração pública -, Joseph Ratzinger faz adivinhar a morte de outras coisas que ainda estão vivas, como a esperança de a Igreja compreender o mundo em que vive.

Nem as lições de latim que tive no liceu, nem todos os anos de catequese, me ajudam a perceber o significado das palavras do novo Papa. Mas penso saber qual o significado de ter falado nessa língua que poucos entendem.

19 abril 2005

Fumo negro: habemus papam

Afinal o novo Papa não é português, Guterres ficou aliviado e o caminho para as Nações Unidas continua livre (vide post anterior). Mas preocupai-vos, almas crentes, que o Espírito Santo que ilumina os cardeais eleitores escreveu torto por linhas tortas. O alemão Ratzinger, guardião da ortodoxia religiosa, não será bom augúrio para o futuro do mundo. Foi tão negro o fumo branco que saiu da Capela Sistina...

O Quinto Império

A hipotética eleição de D. José Policarpo como Papa está a preocupar os socialistas, embora isso nada tenha a ver com a ala republicana e jacobina do PS, mas sim com a católica. Vejamos: com um português, Durão Barroso, à frente da Comissão Europeia, com um Papa a mandar no Vaticano e a influenciar milhões de fiéis, António Guterres tem a carreira arruinada. A sua candidatura ao ACNUR (das Nações Unidas) ficará em risco, pois apesar de merecerem, os portugueses não podem passar a mandar assim no mundo, que já lá vai o tempo do mare nostrum. Porém, a confirmarem-se todas as eleições de compatriotas (descontando o facto de Teresa Heinz Kerry não ter conseguido entrar na casa Branca), talvez comece aqui um certo Quinto Império...

A Sorte Grande

Portugal é o país da Europa onde se gasta mais dinheiro per capita com o Euromilhões, conta hoje uma notícia no Público. Não admira que logo a seguir venha o Luxemburgo, tão habitado pelos portugueses. Isto é revelador do povo que somos. Esta confiança na sorte, no destino, no estar à espera que algo de exterior a nós, e ao nosso esforço, nos aconteça para mudarmos de vida, é que nos vai alimentando os azares aos poucos. Ai se me saísse a Sorte Grande...

14 abril 2005

Paga-Pouco para ver a Sónia Braga semi-nua...

A propósito do post "Era uma vez ao pé da carpintaria do meu avô", o meu amigo Nóbua, conterrâneo e camarada de profissão, deixou este comentário delicioso, uma memória guardada como se fosse uma peça rara:

O Paga Pouco viveu momentos gloriosos. Há época era uma cadeia de lojas de relativa dimensão, principalmente a Sul do país e com uma estratégia de marketing agressivo. Por isso foi com grande fervor que uma multidão ocupou a Praça D. Jorge de Lencastre para ver a Sónia Braga, protagonista da Gabriela Cravo e Canela, à janela do primeiro andar do Paga Pouco, que não por acaso era a habitação do senhor Feio e da sua família. Eu, como era amigo do Toninho Barateiro, filho mais novo do senhor Feio, tive o privilégio de ser convidado para assistir ao 'hapening' de dentro de casa. E, confesso, vi a Sónia Braga mudar de roupa no quarto da mana do Toninho, já que a porta estava (ou foi!) entreaberta. É que atrás de uma memória, outras memórias hão-de vir...

Meu caro amigo: também eu, em frente ao Paga-Pouco, do outro lado da Farmácia Pablo, me lembro de ter ficado deslumbrado, pela mão da minha avó Mariana, ao esperar outra estrela brasileira dos finais de 70. Devia ter uns cinco ou seis anos. Esperámos, mas ela chegou, a Dona Xepa, num carro com tecto de abrir, a acenar ao povo. Felizmente, não a conheci na intimidade. O Toninho Barateiro não era parvo...

11 abril 2005

Comprei quatro livros do Emílio Salgari num alfarrabista ambulante do Príncipe Real. Dizer que comprei uma máquina do tempo por quatro euros é um exagero de linguagem e um lapso sentimentalista indigno dos duros e aventureiros personagens do escritor italiano. Limito-me por isso a transcrever o início do primeiro:

Ao romper do sol, com a maré alta, entre o rufar dos tambores e o som dos pífanos, o tiroteio dos bucaneiros e os hurrahs estrepitosos, saía do porto a expedição, sob o comando do Olonês, do Corsário Negro e de Miguel o Vascongado.
A expedição compunha-se de oito navios armados de oitenta-e-seis canhões, dezasseis dos quais embarcados no navio do Olonês e doze no
Relâmpago, e tripulados por seiscentos-e-cinquenta corsários e bucaneiros.
O
Relâmpago, sendo o navio mais veloz, navegava à frente da esquadra, servindo de explorador.

Parece que mais uma vez, por algumas horas, também farei parte da tripulação.

Análise de conteúdo

A Alexandra Lencastre aparece num novo anúncio televisivo. De cai-cai frente a um espelho de camarim, que tem uma pequena fotografia com duas crianças num dos cantos, profere a frase enigmática: «-Minhas queridas, quem sabe onde estaremos daqui a vinte anos?» Já vi o anúncio várias vezes e ainda não consegui perceber se ela está a falar para as meninas da fotografia ou para os seus próprios seios. Em qualquer dos casos, não deve ser muito difícil dar-lhe uma resposta: umas andarão certamente na universidade, as outras estarão como o Prof. Lidenbrock, numa viagem ao centro da Terra.

07 abril 2005

Era uma vez, ao pé da carpintaria do meu avô Hermes...

O meu avô Hermes, pai da minha mãe, era carpinteiro em Grândola, numa rua ao pé do Largo D. Jorge de Lencastre. A rua, que subia da praça (ou mercado), terminava numa esquina, na loja do Paga-Pouco. Estas memórias geográficas dos lugares onde brinquei ganham nitidez sempre que regresso. Paga-Pouco, talvez não muito, porque a loja foi crismada de "Barateiro". Vou ali ao "Barateiro", dizia a minha avó Mariana. Ou então: "Vamos à do Feio". O senhor Feio, que de facto nada tinha de bonito, era o barateiro que trabalhava no Paga-Pouco.

Adiante, havia a loja do sr. Bento, que vendia envelopes, selos e papel azul de 25 linhas. A poucos metros dali, onde o meu avô me mandava comprar maços de Provisórios, cheirava a cabedal a loja do sr. Décio (que ainda lá está), mais os artigos de caça e pesca, uma registadora gigante, e as conversas dos homens, tiro na lebre e pargos do tamanho de espadartes.

Mas o melhor era a Farmácia Pablo, fundada em 1901, com ares de 1901, onde o Rosa cheirava a vinho, com ares de 1950 e brilhantina no cabelo. Em frente ao balcão, três cadeiras de madeira, daquelas com o coração recortado nas costas, onde os velhos se sentavam à conversa: o meu avô, um campeão de bilhar, um padre, outros. Havia sempre freguesia a trocar conversa. Em cima do balcão, lá estava a balança, onde vi tantas vezes o meu irmão Rui a ser pesado quando bebé, e onde eu também o tinha sido. Ao lado, um velho reclame da Nestlé, uma relíquia gasta, anunciando umas papas já muito antigas, com um bebé pendurado no bico de uma cegonha.

Ora há pouco mais de uma semana dei que o Rosa já não lá estava. Um computador, grande novidade ao balcão, e nem rasto de cegonha. A imagética na qual eu acreditara desapareceu. Restavam as três cadeiras vazias com o coração. O Largo D. Jorge de Lencastre mudara: a Ludoteca é um edifício belíssimo, diante da qual nasceu um hotel de charme; o Décio lá está, mas, frente-a-frente, dois edifícios disputam o significado da mudança dos tempos. A antiga sede do PPD (histórica igreja e velho cinema), que era um prédio decandente, resplandescia com uma pintura nova; do outro lado do largo, a sede do PCP, dantes o único edifício em condições naquele lugar, é hoje o único a precisar de pintura nova...
Fui pela primeira vez ao Turim, um pequeno cinema na cave de um centro comercial de primeira geração, no centro de Benfica. As cadeiras de napa cheiravam a pronto e as cortinas que cobriam a tela pareciam claramente ter sido costuradas pela senhora de meia-idade que, com alguma má-vontade, nos mostrou os lugares. Antes da sessão comi uma tosta mista numa pastelaria suburbana da zona. Embora não consiga racionalizar completamente a relação, sinto que estou preparado para ler mais um romance do Lobo Antunes.

04 abril 2005

«A Cara que Mereces», Miguel Gomes

Quem nunca teve depressão de aniversário pode achar estranho que um homem de trinta anos crie sete amigos imaginários para o ajudarem a ultrapassar uma crise de sarampo. Gross, Texas, Simões, Harry, Travassos, Nicolau e mais um (não me lembro do nome) reconstroem os jogos, os medos e as rígidas hierarquias infantis numa casa de floresta, comprovando que aos trinta anos o desfasamento entre a idade real e a percepção da idade é um abismo sem pontes.

01 abril 2005

Requiem: transmissão para todo o Portugal

A emissão especial sobre a morte do Papa mantém-se há horas, embora o homem ainda esteja vivo. A transmissão da SIC Notícias é um negro exercício. Esperam eles, esperamos todos, que um ser humano finalmente morra. Aguardamos o quê? O anúncio do pivot: "O Papa morreu. Já é oficial", dirá ele, nem sei bem com que expressão. "Obrigado por nos ter acompanhado nesta emissão..." Se ele não morrer durante a emissão deviam despedir o director de programas.

Esperar uma morte de alguém... Agora o pivot fala da morte inevitável de João Paulo II. A morte inevitável de todos nós, a morte inevitável de cada um também merecia uma emissão especial. Estamos todos condenados à morte, a seu tempo, um dia destes. A nossa maior ofensa foi termos nascido. Como é que a vida pode não ser criminosa, quando é sempre seguida do castigo capital?, perguntava-se Schopenhauer. Cada um de nós tem a sua morte inevitável, e o pivot da televisão também. Ou isto é mais uma perversão mediática ou somos todos perversos.

PS: Eu estou é irritado porque estou à espera de ver o debate entre o Mendes e o Menezes que devia ter começado há hora e meia...